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Como desmatamento pode explicar casos de Covid-19 entre indígenas

Território yanomami sofreu grande invasão de garimpeiros nos anos 1980 - BBC
Território yanomami sofreu grande invasão de garimpeiros nos anos 1980 Imagem: BBC

Marcos Candido

De Ecoa, em São Paulo

25/05/2020 04h00

Terras indígenas com as maiores áreas desmatadas no país também estão entre as mais vulneráveis ao avanço do novo coronavírus. De acordo com especialistas, invasores podem ter levado o vírus da cidade em direção às terras Yanomami e Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em abril, a Covid-19 matou um jovem yanomami de apenas 15 anos. Oficialmente, eram 34 mortes entre indígenas até sexta-feira (22).

O medo de quem acompanha os povos de perto é de que a união entre a doença e o desmatamento recorde em Terras Indígenas cause mais mortes e ameace até mesmo a existência de culturas milenares e isoladas.

Terras Indígenas vivem tensão

As Terras Indígenas (TIs) Yanomami e Raposa Serra do Sol estão na lista do Instituto Socioambiental (ISA) das mais vulneráveis ao avanço do vírus causado pela falta de infraestrutura, idade da população e de leitos hospitalares.

Ao mesmo tempo, as duas estão entre as três mais desmatadas em abril. Houve 2 km quadrados de desmatamento entre os Yanomami no mês passado. Na Raposa Serra do Sol, 1 quilômetro quadrado de terra foi devastada em um mês; onde há 2 mil garimpeiros em atividade de acordo com a Polícia Federal (PF); contra 22 mil indígenas.

Um levantamento da Agência Pública mostra que mais de 2 mil propriedades privadas foram declaradas ao governo onde estão terras indígenas, em sete estados da Amazônia. Em 500 delas, vivem indígenas isolados.

Desmatamento cresce

Em um mês, o Brasil perdeu o equivalente à cidade de Porto Alegre em vegetação na região amazônica. O recorde é considerado histórico e foram registrados e divulgados pelo instituto Imazon.

As Terras Indígenas somam somente 3% do total das áreas devastadas no mês. Mas diferentemente das propriedades particulares, que representam 66% da área desmatada, as TIs são demarcadas e fiscalizadas pela Funai, Ibama, Polícia Federal e polícias estaduais.

Invasores causam medo

A TI Munduruku, no Pará, por exemplo, registrou o maior índice de desmatamento em terras indígenas no país, de acordo com Imazon, equivalente a 4 km² somente em abril. A região recebeu a segunda fase da Operação Verde Brasil no dia 11 de maio, encabeçada pelo Exército. Em resposta, garimpeiros protestaram com tratores, motos e faixas pelas ruas do município de Jacareacanga (PA), onde está instalada a terra indígena.

"Existe muito medo. Principalmente nas áreas onde existe garimpo... Porque ele, por si só, é algo que traz a concentração de muita gente", explica Rômulo Batista, porta-voz da Campanha de Amazônia do Greenpeace Brasil.

Segundo ele, um estudo aponta que 10 mil hectares de garimpo foram abertos nas terras Mundurukus, Caiapós e Ianomâmis em três anos. "Não há um efeito de diminuição do desmatamento com o coronavírus, muito pelo contrário! O madeireiro ilegal, o grileiro, o garimpeiro não faz home office", diz.

Risco de apagar memória cultural

À margem da lei, não há fiscalização. É impossível saber se os invasores estão contaminados, se usam equipamentos de proteção, muito menos se seguem as orientações de higienização.

O pesquisador Antonio Oviedo, coordenador do programa de Monitoramento do ISA, acredita que o desmatamento abre caminho para a doença rumar a indígenas idosos e povos isolados pelo país.

"Os idosos são os tesouros vivos da cultura dos povos indígenas. Imagina entrar em uma aldeia e esse vírus se espalhar. Como fica a continuidade da memória cultural de um povo que cultua seus idosos, se a doença matá-los", questiona Oviedo.

"Se a doença avançar em Terras Indígenas, eles poderão viver o que já viveram no passado, com uma grande faixa de população em óbito, um extermínio. Imagina uma doença que chega a grupos isolados, que são formados por 30, 10, seis e até duas pessoas, como os Piripikura. Se um passa o contágio para o outro, acabou a etnia", diz. Uma das saídas sugeridas pelo especialista é restrição do acesso às TIs até o fim pandemia.

Os dados sobre as mortes de povos indígenas no Brasil são incertos. Oficialmente, a Sesai, órgão responsável pela saúde indígena, há 33 casos confirmados, 7 suspeitos e uma morte entre os Yanomami até sexta. Na região da Raposa Serra do Sol, são 15 casos confirmados e uma morte.

A listagem do governo leva em consideração apenas indígenas "aldeados", que vivem em aldeias dentro de terras demarcadas.

Caso a contaminação e morte aconteçam em uma ida a um centro urbano para tratamento, o caso pode não entrar nas estatísticas oficiais e gerar subnotificação. Já a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), contabiliza 71 mortes de indígenas por Covid-19 em todo o país.

Meios para reduzir o desmatamento

Para Carlos Sousa Jr., pesquisador do Imazon, uma das saídas é engrossar a fiscalização, mas usar imagens de satélite e cruzá-las com dados do cadastro de donos de terra para saber se as informações batem.

O Cadastro Ambiental Rural (Car) é autodeclaratório. Então, é possível demonstrar mais, ou menos, o tamanho da terra. "É preciso identificar quais são os vetores para doença e quem está invadindo esses territórios indígenas", conclui.