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Responsabilidade na pandemia é decisiva para futuro de empresas, diz estudo

Roupa de proteção com tecido tyvek, usado contra a Covid-19 em todo o mundo - Divulgação
Roupa de proteção com tecido tyvek, usado contra a Covid-19 em todo o mundo Imagem: Divulgação

Bianca Borges

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

24/04/2020 04h00

A escassez de insumos tem obrigado profissionais de saúde à frente do atendimento a pacientes com o novo coronavírus em todo o mundo a reutilizar roupas e até improvisar soluções para evitar o contágio. Em meio à procura por esses itens, uma companhia especializada em ciência e inovação doou roupas e outros equipamentos de proteção individual (EPIs) a hospitais e entidades médicas no Brasil. Os mais de dois mil itens foram encaminhados a oito instituições nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

A ação da empresa, fabricante de um tecido especial usado em vestimentas de proteção contra a Covid-19, é uma das medidas que a iniciativa privada têm tomado desde que as nossas rotinas foram alteradas pela pandemia. "A contribuição visa apoiar a área da saúde em um momento em que centros médicos enfrentam maior demanda e dificuldade de reposição de EPIs", diz Etore Frederici, diretor de vendas da América Latina da DuPont.

Nas últimas semanas, parte do setor empresarial brasileiro vem doando itens, promovendo ações educativas e discussões sobre os impactos da pandemia na sociedade. Para especialistas, essas articulações são determinantes para o futuro, pois a forma como as empresas estão se comportando agora vai afetar não apenas os seus negócios, mas também a sua reputação.

Essa é umas das conclusões do relatório "Covid-19 - Como as Empresas Estão Enfrentando a Pandemia", realizado pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas) junto a agência de comunicação Edelman, ouvindo, entre 2 e 9 de abril, 86 instituições — a maioria, 84%, signatária do Pacto Global, iniciativa que encoraja empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade.

O levantamento aponta que as empresas consultadas entendem que devem prezar pelo bem-estar físico e financeiro de seus funcionários: 97% concordam que as marcas têm obrigação de contribuir para a solução dos desafios que chegam com a pandemia. No entanto, o gargalo ainda é grande: menos da metade (42%) está conduzindo ações educativas e sociais, e apenas uma em cada dez está atuando em parceria com os órgãos governamentais. Em relação à manutenção de empregos, 72% afirmam ter políticas para preservar seu quadro.

Para Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, tem havido uma evolução da discussão. "Desde a primeira semana da crise no Brasil, percebemos uma preocupação com a cadeia de valor, geralmente formada por empresas menores que seriam mais impactadas com a pandemia. Mais de um mês depois, é evidente a evolução dessas discussões, que ganham maturidade com as articulações e um melhor entendimento das necessidades", diz.

Entre as recomendações do relatório, estão ainda a proteção aos trabalhadores e a atuação para além da empresa. Zelar pela saúde e pelo bem-estar dos funcionários é visto como dever dos empregadores.

Saúde versus economia: um dilema?

Por entender que a volta à normalidade econômica — ou a criação de um novo conceito de normalidade — depende das condições de saúde dos trabalhadores, um grupo de empresários criou o movimento Não Demita, em que se comprometem a manter seus quadros, arcando com os salários de seus colaboradores até o dia 31 de maio. O movimento já teve a adesão de mais de quatro mil companhias e evitou a demissão de mais de 1,5 milhão de pessoas, em um cenário complicado: José Ribeiro, coordenador de promoção do trabalho decente da OIT (Organização Internacional do Trabalho), afirmou que aproximadamente 62 milhões de brasileiros estão vulneráveis hoje no mercado de trabalho.

Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos - Clóvis Fabiano / Divulgação - Clóvis Fabiano / Divulgação
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos
Imagem: Clóvis Fabiano / Divulgação
"A pandemia mostra que a riqueza vem do trabalho das pessoas. Não do acúmulo", defende o diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri. "Quando o trabalho foi suspenso, a economia parou, apesar do capital acumulado em bancos. A economia e a riqueza são produtos do trabalho das pessoas e é um absurdo contrapor saúde e economia", diz ele. Segundo Caio, além de respeitar as medidas orientadas pelas autoridades da saúde, as companhias precisam ter ações equilibradas.

Temos de entender que o desenvolvimento sustentável está baseado em garantir condições dignas para trabalhadores e trabalhadoras, reduzir as desigualdades e não impactar a natureza e o meio ambiente como temos feito até agora

Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos

O movimento Não Demita se contrapõe a algumas ações do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), como a medida provisória nº 927, que previa a suspensão de contratos de trabalho, com cortes de salário por quatro meses durante a pandemia de coronavírus. Outra medida polêmica foi o aval dado pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) para acordos individuais, permitindo aos empresários realizar cortes de jornada e salário.

Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, o maior do país em número de trabalhadores — são 500 mil representados —, diz que a organização veio atuando a fim de estabelecer acordos coletivos mais benéficos aos trabalhadores. "Desde o início da pandemia, buscamos dialogar com os patronais em duas linhas. Primeiro, defendendo a saúde do trabalhador: somos favoráveis à restrição horizontal. Segundo, com acordos. Fizemos convenções coletivas, antes da decisão do STF, abrangendo os comerciários. Desta forma, o negociado vale mais do que o legislado", diz ele.

Outra preocupação que vem sendo levantada é a proteção a grupos sociais mais vulneráveis, já que os impactos da pandemia são percebidos de formas diferentes em função das desigualdades no país. "Os reflexos são ainda mais agudos entre as populações pobres, que moram nas periferias, e a população negra — especialmente as mulheres negras. Se temos um grupo de empresas que têm políticas afirmativas de equidade racial e de gênero, elas precisam atuar com ainda mais energia e investimento, para criar redes de proteção ainda mais amplas para os trabalhadores de suas empresas e reduzir o impacto da pandemia em áreas-chave do Brasil", defende Caio Magri.