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De leitura coletiva a shows: Ações nas redes ajudam a amenizar a tristeza

O historiador e escritor Luiz Antonio Simas  - Zé Guimarães / Folhapress
O historiador e escritor Luiz Antonio Simas Imagem: Zé Guimarães / Folhapress

Juliana Vaz

Colaboração para Ecoa, em São Paulo

20/03/2020 14h00

No livro "O Corpo Encantado das Ruas", o escritor e historiador carioca Luiz Antonio Simas fala sobre a magia das esquinas, vias e dos becos da cidade, sobre os encontros que dão a dimensão afetiva da vida em comunidade. No enfrentamento ao coronavírus, com a população evitando locais públicos, as reuniões escassas e as ruas começando a ficar vazias, a perda do aspecto social também preocupa — para além da tragédia de saúde e econômica.

"Um dos meus livros preferidos é 'Decamerão', de Boccaccio, um livro de contos em que jovens se isolam para se proteger da peste bubônica que assolou a Europa no século 14. Como muitas pessoas me pediam para comentar o livro e também para falar sobre o 'O Corpo Encantado das Ruas', comecei a fazer essa leitura para passar o tempo", diz o autor.

Diariamente em suas redes, ele tem lido trechos dos livros, sendo acompanhado por centenas de pessoas que comentam os vídeos, interagem, socializam.

Foi uma maneira de manter a saúde mental das pessoas - e minha também! Eu tenho privilégio de poder estar em casa, mas quem não tem essa oportunidade, também está passando por uma pressão psicológica absurda

Luiz Antonio Simas, escritor

Diante de uma ruptura do cotidiano que faz com que atividades banais, como uma visita a um amigo ou uma cerveja no boteco, tornem-se uma realidade distante, iniciativas como a do autor têm sido frequentes nas redes. São cantores fazendo shows, contadores de histórias infantis fazendo leituras, atrizes e atores abrindo canais de conversa com o público.

"Não sabemos quanto tempo a quarentena pode durar e se manter ativo é uma forma de cuidar da saúde mental", recomenda Ligia Lacava, psicóloga comportamental pela Universidade de São Paulo (USP) e doutoranda da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP). "Temos que trabalhar o sistema cognitivo e neurológico, que é totalmente plástico e precisa de estímulo, produzindo neurônios", diz ela.

Abaixo, Ecoa reuniu iniciativas que estão surgindo nas redes para enfrentar esse período, criando ambientes de socialização a partir da cultura e estimulando o cuidado com o outro.

A atriz e contadora de histórias Flávia Scherner - Divulgação - Divulgação
A atriz e contadora de histórias Flávia Scherner
Imagem: Divulgação
Histórias e atividades para crianças

"Estamos acostumados a brincar e ficar com as crianças, mas nessa situação não prevista, estendemos as atividades. Histórias e peças de teatro online dão autonomia para a turma e um respiro para conseguirmos trabalhar de casa", diz a produtora cultural Daniele Torres, de São Paulo. Ela tem uma filha de 11 anos, outra de 1 ano e 8 meses, além de uma enteada de 6 anos.

Pensando nos pequenos e em suas famílias, contadores de histórias estão criando conteúdo especial para o período. A atriz Flávia Scherner tem feito sessões de leitura diárias em seu perfil Fafá Conta, em horários variados, escolhendo livros com temas instigantes para todas as faixas etárias. Já Mariane Bigio, escritora, radialista e cantora propôs uma "Quarentena Interativa". Todos os dias, às 18h, ela faz uma apresentação ao vivo, cantando cordéis.

O espaço infantil Colorê tem postado diariamente uma ideia de atividade para as famílias, com foco em estimular o lado artístico e criativo. Já a plataforma Auti Books liberou o acesso ao acervo de histórias clássicas.

Ver o artista que você gosta pode ajudar

Inspirado no festival criado em Portugal, uma rede de artistas e produtores se uniu para recarregar as energias e romper o isolamento. "Divulgamos um link e em poucas horas já havia gente suficiente para completar a primeira edição e até para uma segunda. Temos artistas confirmados para quatro edições", conta Monique Ferreira, produtora musical.

Emicida, Maria Gadú, Boogarins e artistas independentes como a multi instrumentista e cantora Mariana Soares e a banda Amsterdan são alguns artistas que se se apresentam a partir de terça-feira (24), entre 13h30 e 23h, no festival Fico em Casa BR.

Já a gravadora Universal Music organizou um festival à distância com cinco shows por dia, entre hoje (20) e 29 de março. Sandy, Michel Teló, Paula Fernandes, GAAB, As Bahia e a Cozinha Mineira farão lives em suas contas de Instagram durante o Música em Casa.

Para quem gosta de ópera, desde o dia 16 e até domingo (22), diariamente às 20h30 (horário de Brasília), o Museu Metropolitano de Arte de Nova York tem oferecido uma semana gratuita de espetáculos emblemáticos dos últimos 14 anos. É preciso baixar um aplicativo para assistir.

Entre as instituições de arte, muitas estão levando seus acervos gratuitamente para a rede. Uma delas é a Pinacoteca de São Paulo. Pelo perfil do Instagram do museu, é possível acompanhar postagens com curadores contando a história de obras, todos os dias. Já o aplicativo Google Arts & Culture reuniu 500 museus pelo mundo que estão oferecendo visitas online gratuitas.

Conversa, dança e literatura para aproximar

O encontro de uma cantora com uma nutricionista, falando sobre diversas questões. Anelis Assumpção decidiu entrevistar pessoas que admira nesse período. A primeira convidada para a conversa - à distância, é claro - foi a nutricionista Neide Rigo, conhecida por compartilhar seu conhecimento sobre PANCs (plantas comestíveis não convencionais) e criatividade na hora de cozinhar.

Já a bailarina Isadora Zendron levou suas aulas de dança ao som de hits pop para as redes pela primeira vez esta semana. Com resposta positiva de alunas — a atividade é voltada para mulheres —, ela já tem outra aula marcada para o próximo domingo.

O resultado esperançoso das leituras de Luiz Antonio Simas, vencedor do prêmio Jabuti em 2016, tem sido um alento em meio à pandemia. Para quem assiste e para ele. O historiador pensa agora em convidar outros autores para ler os próprios livros, e não descarta uma rodada de discussão literária. Como na rua, na sala de aula ou no bar, só que provisoriamente na rede.

Outras boas ações para acompanhar:

  • A editora L&PM está liberando um livro por dia para incentivar a leitura.
  • A Fundação Getúlio Vargas (FGV) disponibilizou 55 cursos gratuitos, com certificado, incluindo de temas como sustentabilidade.
  • O espaço cultural Casa do Saber está organizando conversas com pensadores discutindo o momento atual em suas redes sociais, e liberou o acesso gratuito por um mês a seus cursos.
  • O projeto Vozes Femininas oferece um curso online e gratuito para promover a autoestima e emancipação de mulheres deficientes.

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