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"Compartilhar o trabalho doméstico fortalece as famílias", diz agricultora

Maria do Céu Silva, 41, agricultora do Polo da Borborema, assessorado pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia - AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
Maria do Céu Silva, 41, agricultora do Polo da Borborema, assessorado pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia Imagem: AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Paula Rodrigues

De Ecoa, em São Paulo

09/03/2020 15h00

Após reportagem publicada pelo hoje (9) sobre o "trabalho invisível" doméstico de meninas e mulheres ao redor do mundo, Ecoa convidou uma agricultora que luta pela divisão justa do trabalho doméstico na Paraíba para relatar sua experiência na transformação de um cenário desigual.

Na semana passada, uma pesquisa da Rede Nossa São Paulo trouxe um dado novo: cresceu a percepção (45%) de maior divisão de tarefas do lar, porém a alta está mais presentes nas classes A e B. Leia abaixo o relato da agricultora Céu:

"Eu sou Maria do Céu Silva, 41 anos, agricultora. Também faço parte da direção do sindicato dos trabalhadores rurais de Solânea, na Paraíba. Venho contar um pouquinho da minha experiência dentro desse tema da divisão justa do trabalho doméstico, como mãe de dois rapazes que moram comigo, um de 20 e outro de 19 anos.

Venho de uma família em que minha mãe sempre me incentivou a compartilhar os serviços de casa — mas sempre com minhas irmãs mulheres. Quando casei, também compartilhava com meu esposo, mas era sempre aquela 'ajudinha' que ele me dava. Depois, me separei e fiquei com meus dois filhos.

Trabalho dentro de um processo de formação e mobilização de e com mulheres, em que nós organizamos uma marcha que esse ano entra em seu 21º ano. Nós, como mulheres agricultoras, tratamos de diversos temas que sempre nos incomodaram. Mas, ao mesmo tempo, nos reconhecemos como mulheres capazes de transformar vidas em ambientes em que sofremos muita violência — inclusive neste trabalho doméstico. Porque mulheres agricultoras trabalham muito em casa e trabalham mais ainda no roçado.

Minha vida não foi diferente: era sempre em relação ao roçado, agricultura familiar e trabalho de casa. Então, comecei a ensinar meus filhos as atividades que precisávamos trabalhar juntos em casa. Como eu trabalho todos os dias, de segunda a sexta, eles ficavam muito em casa sozinhos. Conversei com eles e propus uma tarefa: um dia eu faria as coisas de casa, no outro seria o meu filho mais novo e no outro, o mais velho. Isso foi me dando a possibilidade de passar para eles o quanto é importante trabalho doméstico mesmo para homens.

Nós vivemos em uma sociedade machista e precisamos desconstruir essa ideia de que arrumar a casa é trabalho de menina. Muitos têm o conhecimento de que varrer uma casa é trabalho de menina, lavar a louça é trabalho de menina... Nunca reconhecendo que o trabalho doméstico pode ser do homem e da mulher. Isso eu fui construindo, fui aprendendo também nas formações.

Teve uma em que nós tratamos esse tema dentro da formação da nossa marcha com mulheres agricultoras. Eu vi muita mulher escravizada dentro da própria casa por causa do trabalho doméstico. Nós começamos a discutir, a trazer desenhos para que as mulheres refletissem sobre onde elas trabalham e onde os homens trabalham hoje. Fizemos várias atividades muito importantes, em que descobrimos que nós, mulheres, sempre trabalhamos muito fora de casa.

E, aí, comecei a trazer isso para dentro da minha casa. Meus filhos já sofreram com muitas piadinhas quando os colegas chegavam aqui e viam que eles estavam lavando a louça. Mas isso não impediu deles aprenderem o que tínhamos combinado dentro de casa: que a responsabilidade de manter a casa limpa é da família.

Foi assim que trouxe dentro de casa essa reflexão que a gente faz com outras mulheres, com nossa vontade de mudar a sociedade e de compartilhar o trabalho doméstico com nossos companheiros. Isso é para fortalecer as famílias. E para que nós, como mulheres, possamos nos reconhecer como transformadoras de pensamentos de muitas pessoas, para quebrar esse mito, o preconceito de que existe serviço de homem e de mulher dentro de uma casa. E não é assim. Todos têm que contribuir e participar.

No Brasil, ainda temos muita relação de escravidão nesse sentido do trabalho de casa, apesar de ter melhorado muito sim. É importante que esse trabalho de casa seja dividido de forma justa. Hoje uu fico muito feliz, porque eu saio, continuo indo para minha luta e meu trabalho, e meus filhos continuam fazendo as tarefas de casa.

Me sinto muito feliz em passar isso para outras mulheres, Se a gente consegue fazer isso no meio rural, outros espaços também podem fazer. O negócio é dialogar e mostrar a importância do papel de cada um."

Céu, agricultora