Topo

Oportunidade de estudar em escolas de elite muda vida de 4.800 estudantes

O projeto Ismart tem como objetivo oferecer bolsas de estudos em escolas privadas e programas de desenvolvimento para jovens de baixa renda - Projeto Ismart
O projeto Ismart tem como objetivo oferecer bolsas de estudos em escolas privadas e programas de desenvolvimento para jovens de baixa renda Imagem: Projeto Ismart

Debora Komukai

Colaboração para Ecoa

22/02/2020 04h00

Se você passar o olho no currículo da jovem Naira Sathiyo Ferreira, formada em uma faculdade tradicional de Direito em São Paulo com pós graduação em Gestão Pública, provavelmente vai pressupor que ela teve condições financeiras para investir nos estudos ao decorrer da vida. Um engano.

Em 2010, Naira estudava no 9º ano do ensino fundamental na Escola Estadual Paulo Rossi, na zona sul de São Paulo. Sem condições de financiar uma educação privada para os três filhos, a mãe e dona de casa Carla Ferreira investia horas do dia estudando junto das crianças e não deixava de sonhar com uma oportunidade melhor de ensino para Naira e os irmãos. Com um sorriso no rosto, a jovem, hoje com 23 anos, relembra:

"Passei minha infância e pré-adolescência inteira fazendo provas de bolsa de estudos sempre com o apoio da minha mãe. Ela me levava para todo lado. Mas, mesmo quando eu conseguia algum desconto ainda não era o suficiente para pagarmos".

Em 2011, a história de Naira mudou completamente ao conseguir uma bolsa integral para estudar em um dos colégios mais tradicionais de São Paulo. "Minha mãe conheceu o programa da Ismart, que dá oportunidade a estudantes de baixa renda, após a filha de uma amiga próxima da família, que trabalhava como doméstica, ter ganhado uma bolsa de estudos em uma escola particular", conta Naira.

Pouca idade, muito desafio

A oportunidade estimulou Naira a estudar. Porém, ela não teve sucesso logo de cara: "Eu tinha 11 anos, estava no final do sexto ano, eram cinco fases e eu não passei na última etapa. Eu não acreditei, foi muito difícil", relembra Naira. Mas, com o apoio dos pais, a jovem decidiu se inscrever no processo seletivo do projeto mais uma vez. No final, para a alegria da família, não apenas ela conseguiu a bolsa, mas, o irmão mais novo Nathan Ferreira também.

Carla Ferreira incentivou a filha, Naira, a conquistar uma bolsa de estudos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Carla Ferreira incentivou a filha, Naira, a conquistar uma bolsa de estudos
Imagem: Arquivo Pessoal
A sigla Ismart é a abreviação do Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talento, fundado em 1999. O projeto é gratuito e tem como objetivo oferecer bolsas para jovens de baixa renda, de 12 a 14 anos, em escolas particulares ou em uma plataforma online, além de dar acesso a programas de desenvolvimento e orientação profissional, do Ensino Fundamental até o fim da universidade.

"Antes de mais nada identificamos esses jovens, que na maioria das vezes estão na rede pública de ensino. A partir daí eles são estimulados a desenvolverem suas habilidades e a alcançarem o seu pleno potencial", relata Mariana Monteiro, diretora executiva do Instituto.

Sem fins lucrativo, o Ismart é mantido por patrocínios e doações. Atualmente, conta com uma rede de 70 funcionários e atua em diferentes regiões do Brasil, como São Paulo, Cotia, São José dos Campos, Sorocaba, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Com uma rede de 3.500 alunos ativos, o Instituto trabalha com duas frentes principais: projeto alicerce e projeto bolsa talento. No primeiro, alunos do 7º ano do ensino fundamental, participam de um curso preparatório para o ensino médio nos colégios particulares, parceiros do Ismart, e continuam frequentando a escola pública no contraturno. Já no bolsa talento, alunos do 9º ano do ensino fundamental ingressam em colégios particulares parceiros para cursar o ensino médio com bolsa de estudos integral.

Os programas do Ismart também inclui eventos com os pais dos bolsistas para estimular o apoio e ajudar o desenvolvimento dos alunos em sala de aula - Projeto Ismart - Projeto Ismart
Os programas do Ismart também inclui eventos com os pais dos bolsistas para estimular o apoio e ajudar o desenvolvimento dos alunos em sala de aula
Imagem: Projeto Ismart

Mudança de vida

Sathiyo, que significa felicidade, é o segundo nome de Naira. Um sentimento que claramente transcreve o que ela sente ao narrar como a educação mudou a vida dela e de toda família. "O Ismart foi um divisor de águas. Eu nem sei como mensurar isso", conta a jovem, que acredita na educação como a principal chave para mudar qualquer setor da sociedade.

Rafaela Herrer - Divulgação - Divulgação
Rafaela Herrera participou da primeira turma do Ismart em São Paulo
Imagem: Divulgação
A mesma opinião tem Rafaela Herrera, de 28 anos. "Foi um encantamento ao entrar na escola nova e perceber a oportunidade que eu estava tendo", relembra a engenheira, que foi eleita como uma das 90 brasileiras(os) com menos de 30 anos que estão impactando o país na lista "Forbes Under 30", de 2019.

Rafaela cresceu entre os bairros do Campo Limpo e Capão Redondo, ambos na zona sul de São Paulo. Ex- aluna da Escola Estadual Comendador Miguel Maluhy, a jovem entrou no projeto Ismart durante a primeira turma de São Paulo, em 2004. Hoje, ela trabalha com projetos ligados a startups e inovação.

Passo a passo

A iniciativa, que já impactou 4.800 estudantes, teve no ano passado 22 mil inscritos para as 350 vagas da bolsa presencial e mil vagas para a bolsa do projeto online, que foi iniciado em 2014.

Para se inscrever no processo seletivo, que abre anualmente, é necessário seguir algumas regras: dependendo do projeto que escolher, é preciso estar no sétimo ou nono ano do ensino fundamental da rede pública ou privada e nunca ter reprovado de ano. Para conseguir a bolsa de estudos é necessário passar por cinco fases. Porém, a parte mais desafiadora é se manter dentro da própria rede de ensino.

"Nunca vou esquecer o primeiro dia de aula na escola nova. Era aula de matemática e o professor disse que iria revisar seno e cosseno. Eu nunca tinha ouvido sobre isso na minha vida. Daí, saí me perguntando o que estava fazendo ali e por que tinha saído da minha antiga escola na qual eu costumava ser a primeira da turma", relembra Naira sobre as dificuldades que enfrentou durante o ano letivo. Hoje, ela trabalha como assessora jurídica na Assembleia Legislativa de São Paulo.

"Nem todo mundo consegue se descolar da sua realidade e pensar que pode sonhar mais alto, que isso lhe pertence. É um exercício de uma realidade que antes nem sabíamos que existia", acrescenta Rafaela.

Conhecimento compartilhado

Por ter conseguido uma bolsa de ensino na adolescência, Rafaela cresceu com a vontade de retribuir, de alguma forma, a oportunidade que lhe foi dada. A jovem atua há cinco anos como voluntária em projetos ligados a educação e liderança para jovens de comunidades de São Paulo.

A mesma iniciativa teve Naira, que em 2019 iniciou o projeto Geração, ao lado da mãe e do irmão. Por meio de mentorias, eles ajudam estudantes de escolas públicas a ingressarem em programas como o Ismart.

"A gente sabe que tem muita criança com potencial, mas não tem oportunidade. Por isso, apresentamos o projeto em comunidades e contamos como a educação mudou a nossa vida", conta Naira, que separa parte dos finais de semana para ajudar crianças do bairro Mirandópolis, na zona sul de SP, a estudar.

 A equipe do Ismart. - Projeto Ismart - Projeto Ismart
A equipe do Ismart. O Instituto nasceu no Rio de Janeiro em 1999 e atualmente está presente em São Paulo e Belo Horizonte
Imagem: Projeto Ismart
Segundo pesquisa do movimento Todos Pela Educação, um dos maiores desafios dos estudantes brasileiros é o de aprendizagem. A cada 100 crianças, só 45 têm aprendizado suficiente em leitura. Já no ensino médio, a cada 100 jovens, apenas 9 possuem aprendizado adequado em matemática.

"É por conta deste cenário que esperamos alcançar e apoiar cada vez mais estudantes. O nosso grande objetivo é quebrar o ciclo de pobreza, mudar a elite brasileira e não desperdiçar talentos. Nós acreditamos que o talento existe independente da classe social, o que falta é oportunidade para todos", finaliza Mariana Monteiro, diretora executiva da Ismart.