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Por que relatório que critica Bolsonaro deve ser levado a sério

Declarações do presidente Bolsonaro foram citadas pelo relatório de direitos humanos  -
Declarações do presidente Bolsonaro foram citadas pelo relatório de direitos humanos

Bárbara Forte

De Ecoa, em São Paulo

15/01/2020 15h10

"Não é um relatório contra o Brasil", defende Everaldo Patriota, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ao comentar o documento divulgado nesta terça-feira (14) pela ONG Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos, na tradução para o português).

A análise deste ano da organização não-governamental dedica nove de suas 652 páginas ao Brasil. No documento, a ONG denuncia o que chama de "carta branca" dada pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) ao desmate ilegal da Amazônia e o incentivo à letalidade policial.

"A ONG que fez esse relatório não tem nenhum recurso público do Brasil. Não é para o Brasil nem para a América Latina. Esses relatórios são anuais e monitoram as situações de direitos humanos em mais de cem países", afirma Patriota.

Segundo Thiago Amparo, professor de direitos humanos da Escola de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), é importante lembrar que o documento da HRW é um dos relatórios mais importantes do mundo. "Junto com o da Anistia Internacional, ele é um dos documentos mais respeitados. É criterioso e sério", avalia.

De esquerda ou de direita?

A Human Rights Watch é uma organização não-governamental de presença mundial fundada em 1978 nos Estados Unidos. No Brasil, ela se estabeleceu em 2014 e tem forte atuação no combate à violência, principalmente a policial e contra os povos indígenas. A entidade produz relatórios sobre violações aos direitos humanos no mundo e denuncia governos que desrespeitam esses protocolos.

Juízes não encontraram práticas de tortura em presídio -  Agência Brasil  -  Agência Brasil
Tortura em presídios é citada em levantamento
Imagem: Agência Brasil
"O relatório não pode ser acusado de ter um viés político-partidário e ideológico, pois ele tem como base tratados internacionais de direitos humanos e é editado anualmente sobre quase a totalidade dos países do mundo, o que faz com que ele tenha uma abrangência universal ao apontar falhas e retrocessos nos direitos humanos -- e também avanços -- em todos os anos, sobre diferentes governos", afirma Amparo.

"'Esse relatório é de uma ONG ligada à esquerda' é um comentário que só tenta desqualificar informações importantes, dizendo que aquilo não tem importância. E nós precisamos vencer essa barreira para mudar o cenário que aparece", complementa Patriota.

Ao que devemos ficar atentos?

Para Amparo, há alguns pontos do relatório que podem ser o ponto de partida para uma reflexão de toda a sociedade civil.

Segurança pública é um desses fatores. Apesar de ter diminuído o número de mortes violentas, aumentou o número de mortes pela polícia. Isso é algo grave e está relacionado com a retórica bélica do presidente com relação à violência policial." Thiago Amparo, professor de direitos humanos da FGV

O relatório da HRW usa dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2014 a 2018 (um ano antes do início do início do governo Bolsonaro) para mostrar que o número de pessoas mortas por policiais vem aumentando gradativamente e chegou, em 2018, a um recorde: 6.220 vítimas.

Para a HRW, ainda que os números não reflitam ações do governo Bolsonaro, desde que o atual presidente assumiu, ele "tem incentivado a polícia a executar suspeitos". O relatório cita a declaração do presidente, em agosto de 2019, em que disse que criminosos deveriam "morrer na rua igual baratas".

Tortura

Tem um retrocesso muito grave no último ano que é o desmantelamento do mecanismo nacional de combate à tortura e a deslegitimação, inclusive pelo Ministério da Justiça, de denúncias de torturas em presídios, como por exemplo no Pará" Thiago Amparo, professor de direitos humanos da FGV

Para a HRW, a retórica sobre o passado influenciou o combate à tortura na atualidade. Denúncias de tortura em presídios sob intervenção federal no Pará foram ignoradas por Bolsonaro e o governo tentou paralisar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cujos peritos foram exonerados e os membros futuros perderam a remuneração. Medidas, por enquanto, revertidas por decisão judicial.

Meio ambiente

A situação da Amazônia e de outros biomas me chama a atenção no relatório. Perdemos uma posição de credibilidade nesse quesito frente ao mundo. Além do retorno dos assassinatos de lideranças indígenas e a criminalização dos movimentos sociais" Everaldo Patriota, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB

Segundo a HRW, o desmatamento no Brasil cresceu 80% entre janeiro e meados de dezembro. "Ao mesmo tempo, o número de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama, principal órgão ambiental federal do Brasil, caiu 25% de janeiro a setembro de 2019."

Queimadas na Amazônia - Joao Laet / AFP - Joao Laet / AFP
Relatório da Anistia Internacional liga governo Bolsonaro ao aumento das queimadas na Amazônia
Imagem: Joao Laet / AFP

O que podemos fazer para mudar a situação?

Para Everaldo Patriota, o melhor é se mobilizar. "A gente tem que encontrar uma forma de se mobilizar acima das siglas partidárias. Porque quando a mobilização está ligada a uma sigla partidária, você a desqualifica", diz.

"Para defender o meio ambiente ou os direitos humanos, eu não preciso ser de direita ou de esquerda. Direitos humanos não são conservadores ou progressistas. Direito humano é estado civilizatório mínimo que a gente teve que buscar no pós-guerra. O pacto social está acima da política", completa.

As convenções internacionais, a declaração universal dos direitos humanos, são status que as pessoas têm para se reconhecer enquanto humanidade" Everaldo Patriota, vice-presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB