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Pela primeira vez, alunos negros foram maioria nas universidades públicas

Douglas Belchior (ao centro), fundador da UNEafro, em comemoração aos dez anos da ONG, completados em abril - Arquivo Pessoal
Douglas Belchior (ao centro), fundador da UNEafro, em comemoração aos dez anos da ONG, completados em abril Imagem: Arquivo Pessoal

Fred Di Giacomo

Colaboração para Ecoa

29/12/2019 04h00

Nunca na história do Brasil os cidadãos negros haviam sido maioria nas universidades públicas. Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em novembro de 2019 mostram que essa realidade mudou. As instituições de ensino superior brasileiras (que lideram os rankings de melhores universidades do país) sempre foram taxadas de elitistas, mas a partir de 2018 passaram a ter 50,3% de suas vagas ocupadas por pessoas negras. A instituição aponta a política de cotas - iniciada no começo dos anos 2000 e oficializada em lei em 2012, durante o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT) — como principal motivo da mudança. Vale lembrar que tanto a política de cotas raciais quanto a preparação de jovens negros para o vestibular e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) têm sido lutas do movimento negro brasileiro e de organizações como a EDUCAFRO e a UNEafro.

Contrastando com a boa notícia plantada no passado, o Ministério da Educação anunciou, em setembro, o corte de 11 mil bolsas para pesquisa no Brasil. As bolsas são, na verdade, "o salário" que sustenta milhares de cientistas no nosso país.

Uma startup fundada por duas cientistas brasileiras negras, no entanto, procura facilitar e revolucionar a vida de nossos pesquisadores por meio da digitalização dos seus processos. A iBench foi fundada no Rio de Janeiro pelas pesquisadoras Débora Moretti e Andreia Oliveira. Seu primeiro produto é o iBenchMarket, um marketplace lançado em fevereiro, onde os cientistas brasileiros podem comprar material de laboratório online, comparando os preços dos principais fornecedores do país. A iBench foi acelerada pela OBr.global dentro do programa StartUp Brasil (CNPq/MCTIC/Softex) e, este ano, a empresa foi selecionada, entre 5000 projetos, para ser acelerada pelo programa BNDES Garagem.

A iBench foi fundada no Rio de Janeiro pelas pesquisadoras Débora Moretti e Andreia Oliveira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A iBench foi fundada pelas pesquisadoras Débora Moretti e Andreia Oliveira, no Rio de Janeiro
Imagem: Arquivo Pessoal
"Foi muito nítido perceber que o que estudei de inovação e empreendedorismo ajuda muito pouco na prática. O BNDES Garagem foi essencial para fazermos a validação do negócio. Tanto pelo acompanhamento bimestral, quanto para nos incentivar. O papel do BNDES é importante para os empreendedores seguirem em frente. A rede de apoio é essencial em tantos aspectos da vida, por que não seria no empreendedorismo? Este ano a iBench foi selecionada para o Demo Day (10 empresas de destaque dentro das 40 e poucas que chegaram até o final do programa BNDES Garagem) e recebeu uma menção honrosa no Demo Day do StartUp Brasil em São Paulo", conta Débora Moretti, mestre em bioquímica e fundadora da iBench.

O desafio da iBench agora é se tornar um negócio lucrativo. "O que mantém um desafio é ter uma cabeça de negócios. Eu e a Andreia temos essa formação mais científica, que é totalmente separada da [ideia de] obtenção de lucro, que é o que toda empresa precisa fazer. Para sustentar a empresa, precisamos de uma visão muito específica que começamos a ter agora. A vida tem sido nossa escola nessa área", afirma Débora.

Método Paulo Freire ajuda refugiados em Berlim

O Pisa é um exame internacional aplicado pela pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que mede as habilidades de alunos do ensino médio em leitura, matemática e ciências. Os resultados do teste foram divulgados em dezembro e mostraram o Brasil entre os piores países do ranking (em matemática ficamos na 70ª posição, entre 79 países, atrás dos vizinhos Peru e Colômbia). Estamos estagnados no mesmo lugar desde 2009, último ano em que tivemos avanços significativos no exame.

Paulo Freire - Reprodução - Reprodução
O método pedagógico desenvolvido por Paulo Freire nunca foi aplicado de forma oficial nas escolas brasileiras
Imagem: Reprodução
Muitos culpam Paulo Freire, o Patrono da Educação Brasileira que Bolsonaro chamou de energúmeno, pelo desastre dos nossos jovens de 15 a 16 anos no Pisa. A verdade é que o método pedagógico desenvolvido por Freire nunca foi aplicado de forma oficial nas escolas brasileiras. Ele é, no entanto, aplicado com êxito no ensino de alemão e no processo de integração de imigrantes sírios que têm chegado a Berlim, capital da Alemanha.

O Paulo Freire Institut foi fundado em Berlim, em 1999, mas sua fundadora, a educadora alemã Ilse Schimpf-Herken, conheceu Paulo Freire, pessoalmente, em 1971. Desde então, ela manteve contato com o autor de "Pedagogia do Oprimido" e utilizou seus métodos em trabalhos na universidade Technischen Universität Berlin. O Paulo Freire Institut se formou como parte de outras 18 instituições que criaram a INA (Academia Internacional de Berlim), que trabalha com pedagogia alternativa e tem enfoque na primeira infância.

"Em 2015, nossa chanceler (Angela Merkel) disse sua célebre frase 'Nós vamos conseguir' e em 4 de setembro anunciou que ia abrir as fronteiras para os milhões de refugiados sírios. Temos na nossa constituição da pós-guerra (pela história que tivemos com os nazistas), um artigo que diz que a Alemanha nunca mais negará visto às pessoas que estão em perigo. Por isso chegaram, em 2015, quase um milhão de refugiados sírios aqui. E nossas instituições não estavam preparadas", conta Ilse Schimpf-Herken, doutora em educação e fundadora do Paulo Freire Institut.

"Nós do Paulo Freire Institut dissemos: esse é um momento no qual temos que apoiar [os refugiados sírios] com toda a experiência que temos em trabalho psicossocial nas guerras e nas ditaduras da América Latina. Então começamos a trabalhar com as mulheres sírias cujas famílias estavam nos abrigos. Havia muitos projetos de ensino de alemão e formação profissional [que funcionavam] para os homens, mas as mulheres ficavam em casa cuidando dos filhas e filhos e não tinham projetos para elas. Fizemos círculos de diálogo levando em conta os traumas que elas havia sofrido. Queríamos lhes dar a segurança para que essas pessoas criassem raízes na Alemanha, por isso as levamos a bibliotecas, a parques, e a passeios no bairro de Moabit, para que conhecessem a vizinhança onde estavam morando e se sentissem melhor."

No entanto, como Moabit — o bairro onde ficava a escola que serviu de abrigo inicial para os refugiados sírios — era muito central, logo a escola-abrigo teve que retomar suas atividades costumeiras. As famílias sírias foram, então, empurradas para bairros mais distantes. O Paulo Freire Insitut passou a trabalhar com as escolas desses bairros na formação dos jovens refugiados.

"Trabalhamos com elas e eles sobre intraculturalidade. Formamos grupos nesses cursos de boas-vindas para que esses meninos se expressem, brinquem, pintem e façam trabalhos em grupo. Fizemos muito isso neste ano", conta Ilse, que diz ter dedicado toda sua vida a divulgar a obra do pensador brasileiro Paulo Freire na Alemanha.

Um milhão pela educação

Em 2019, o Brasil teve dois Ministros da Educação que se mantiveram bastante ocupados dando declarações polêmicas. Quem se lembra quando o ex-ministro Velez disse que "as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual" ou quando o atual ministro Weintraub disse que "as universidades têm plantações extensivas de maconha, além de os laboratórios de química estarem desenvolvendo droga sintética"?

O país também viu um corte, em abril, R$ 1,7 bilhão na verba do MEC. Essa situação levou cerca de um milhão de pessoas às ruas para defenderem a educação no dia 15 de maio. Os protestos, que ficaram conhecidos como 15 M, se desenrolaram em 222 cidades.

Estudantes - Nacho Doce/Reuters - Nacho Doce/Reuters
Em São Paulo, estudantes participaram da manifestação contra os cortes na educação promovidos pelo governo federal, em maio
Imagem: Nacho Doce/Reuters

Esse foi o principal destaque da educação apontado pelo colunista de ECOA Rodrigo Ratier, que escreve sobre o tema em sua coluna — ele é doutor na área. "O 15 M foi sem dúvida o principal movimento de contestação à gestão Bolsonaro, porque, primeiro, foram os movimentos de rua mais relevantes. Foi uma pauta que efetivamente mobilizou a oposição. A educação mostrou que pode ser um campo de resistência à administração Bolsonaro. E aí não vai nenhum viés, a priori, contrário à administração, mas eu vejo que é natural que o campo se posicione dessa forma porque o [ex-Ministro da Educação Ricardo] Vélez, o Bolsonaro e, principalmente, o [Ministro da Educação Abraham] Weintraub, elegeram os professores e alunos como inimigos. Se você fizer uma coletânea das declarações dessa turma aí, os alunos são maconheiros, vagabundos, fazem balbúrdia nas universidades públicas? Os professores são doutrinadores, são militantes travestidos de docentes. Por isso se justifica a resistência da educação a essas medidas."

Rodrigo, que participou dos protestos do 15M, acredita que as manifestações deram resultados:

"Foi o suficiente para barrar a velocidade de algumas medidas como o "Disque-Denúncia" que o Weintraub e a Damares [Alves, Ministra da Família] querem criar, [foi o suficiente para barrar] essa sanha mais privatista, foi importante para que os cortes nas Universidades fossem revistos, mas não foram suficientes para barrar todos os cortes da área. Por exemplo, os cortes de bolsas de mestrado e doutorado foram 17 mil, isso coloca a situação da pesquisa na pós-graduação numa situação complicadíssima", afirma o especialista.