Brasileiro cria teste rápido e barato para detectar rejeição em transplante

Um projeto desenvolvido pelo médico curitibano Leonardo Riella, 39, pode transformar o prognóstico de milhares de pacientes que passam por transplantes de rins todos os anos: trata-se de um exame de urina, semelhante a um teste de gravidez comprado em farmácia, mas que detecta de maneira precoce e com baixo custo problemas de infecção ou de rejeição desses órgãos transplantados.
Professor-assistente na Escola de Medicina de Harvard, nos EUA, desde 2012, Leonardo é formado em medicina pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com residência em clínica geral e especialização em nefrologia pela Universidade Harvard. Atualmente também é nefrologista e diretor-assistente de transplante de rins no Brigham and Women's Hospital, em Boston, ligado à universidade.
Ao longo dos anos, o médico se deparou com a questão recorrente da descoberta tardia de processos de rejeição em transplantes de rins, com consequências graves para os pacientes.
"Os processos que levam à perda do rim acabam sendo irreversíveis quando são detectados tardiamente", explicou.
No hospital que é referência no procedimento — realizou o primeiro do tipo no mundo, em 1954 —, ele atende pacientes que estão se preparando para o transplante de rim ou que já foram transplantados.
"A ideia era criar um exame que fosse simples, que fosse rápido, que não fosse caro, o que era uma grande dificuldade, e que o paciente pudesse monitorar em casa."
No Brasil, 5.836 transplantes de rins foram realizados em 2018, de acordo com o Ministério da Saúde. Nos EUA, esse número é quase quatro vezes maior: foram 21.167 procedimentos no ano passado.
Alternativa barata
Hoje, a principal maneira de os pacientes saberem se estão passando por problemas de infecção ou de rejeição é por meio de exames de sangue realizados em hospitais ou laboratórios, em geral com diagnóstico tardio, pois os indicadores só aparecem elevados quando o dano ao rim já está em estágio avançado.
O médico pondera que, uma vez estáveis, os pacientes transplantados acabam visitando o médico a cada seis meses ou uma vez por ano, retardando a descoberta de problemas.
"Esse projeto nasceu de uma necessidade clínica de melhor monitorar os pacientes transplantados e de não existir nenhum exame que consiga detectar precocemente o processo de rejeição", afirmou.
Segundo Riella, um exame de sangue acaba de ser disponibilizado no mercado americano para detectar a rejeição de transplantes, a um custo de US$ 1.500 (cerca de R$ 6.300) por teste. "É inviável. Pode ser o melhor exame do mundo, mas não temos como financiar isso com nosso sistema de saúde."
A alternativa que ele desenvolveu tem custo estimado em menos de US$ 5 (R$ 21). Testes realizados em pacientes do hospital indicaram alto grau de precisão e sensibilidade do exame.
Como o teste funciona
O exame desenvolvido por Riella e equipe mensura vários elementos, sendo alguns para detectar rejeição — algo que pode acontecer em qualquer momento após o transplante — e outros para detectar infecções oportunistas por vírus.
Como em um teste de gravidez de farmácia, o paciente direciona a urina sobre a tira absorvente. Em menos de uma hora, sai o resultado.
"Há vários vírus que podem afetar o rim isoladamente, sem causar sintomas como febre, mas que aos poucos vão causando inflamações e lesões que podem ser irreversíveis se você não tratar precocemente", afirma Riella, que também é membro da Fundação Pró-Renal, com sede em Curitiba.
Grosso modo, o teste adapta enzimas conhecidas como CRISPR/Cas13 para identificar citocinas, que são marcadores inflamatórios de rejeição, e a presença de vírus diretamente na urina. Um deles é o BK, vírus que acomete entre 10% e 15% dos rins em transplantados.
Uma vez detectados os marcadores, o paciente é então encaminhado para exames mais aprofundados de sangue ou para a biópsia de rim, que é o principal mecanismo de aferição de rejeição.
Reconhecimento do trabalho
O estudo elaborado pela equipe está em fase de "peer review" ou "revisão dos pares", em tradução livre. Isso significa que outros especialistas da comunidade científica estão revisando o trabalho, processo utilizado na publicação de artigos e na concessão de recursos para pesquisas. Detalhes sobre os marcadores mensurados e a tecnologia utilizada devem ser divulgados em algumas semanas.
O projeto foi um dos três finalistas neste ano do Bright Futures Prize (Prêmio Futuros Brilhantes), concurso internacional realizado pelo Brigham Hospital e que contou com mais de 300 inscritos. O brasileiro ficou em segundo lugar. A vencedora foi a pesquisadora israelense Natalie Artzie, da divisão de engenharia médica do Brighan, com um projeto de detecção de células cancerígenas cerebrais em crianças por meio de gel-adesivos.
No futuro, Leonardo Riella prevê que o teste pós-transplante possa ser usado no monitoramento de pacientes com enfermidades que também provocam comprometimento renal, como lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou como teste rápido para identificar mutações genéticas.
O processo de validação do exame deve levar em torno de dois anos. A partir daí, a questão será identificar interessados em viabilizá-lo comercialmente.
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