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Comunidade do Vale do Jequitinhonha se une contra as mudanças climáticas

Quintal de Sidinalia, na comunidade de Tesouras - CPCD
Quintal de Sidinalia, na comunidade de Tesouras Imagem: CPCD

Diana Carvalho

de Ecoa, em Araçuaí (MG)

27/10/2019 04h00

Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), tem pouco mais de 36 mil habitantes. Desse número, quase 40% da população vive no campo, em comunidades rurais. Uma delas, a de Tesouras, fica a 30 km da cidade, na Chapada do Lagoão.

Área de Preservação Ambiental (APA) e considerada a grande 'caixa d'água' do município, com 139 nascentes, a Chapada vem sofrendo ao longo dos anos com o baixo volume de água devido a queimadas e outras degradações do solo.

José dos Santos, morador da comunidade de Tesouras - CPCD - CPCD
José dos Santos, conhecido como Zezé das Tesouras, principal articulador da comunidade
Imagem: CPCD
"Lagoão era um lugar que tinha até peixe. Hoje, nosso córrego não corre mais. Quando chove, junta bastante água, mas, aí, dá dois meses e está tudo seco. Se a natureza fosse respeitada, não estaríamos passando por essa crise. Por isso, pra nós, é muito importante manter a pouca água que temos", conta José dos Santos.

Conhecido como Zezé das Tesouras, ele mora há 78 anos na região e é um dos principais articuladores pela preservação da Chapada.

"Em vez de gastar recurso para abrir um poço artesiano aqui, para tirar a água que está no subsolo, lutamos por barragens que ajudam a 'segurar' a água que está indo embora e ainda evitam enxurradas. Já a água do subsolo deixamos quietinha, reservada", explica Zezé.

O poder do coletivo

Diante da pouca água para produção agrícola e uso doméstico, moradores se uniram para conseguir recursos e mão de obra para a construção de barragens.

Com a ajuda de mutirões e do Arasempre, projeto do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), que desenvolve diversas ações de cuidado com o meio ambiente, foram feitas sete barragens na região entre 2016 e 2018. A iniciativa retém a água da chuva e facilita o abastecimento uniforme, evitando o desperdício e irrigando o solo de maneira efetiva.

Barragem em Tesouras, na Chapada do Lagoão - CPDC - CPDC
Barragem em Tesouras, na Chapada do Lagoão
Imagem: CPDC

"A ideia da construção de barragens em grotas secas, local em que só se passa água quando chove, partiu da própria experiência dos moradores de Tesouras, que vivem ali há muitos anos e uniram forças para permanecer", conta o engenheiro agrônomo Carlos André Pereira, que acompanhou as ações do CPCD durante um ano e meio.

Com as barragens, o volume de água aumentou e, aos poucos, a população local foi retomando a sua atividade produtiva. Inicialmente com hortaliças e depois com a criação de pequenos animais.

O famoso quintal de Sidinalia

Morando há 18 anos em Tesouras, Sidinalia Santos aplicou técnicas de permacultura em seu quintal após participar de oficinas promovidas pelo projeto Arasempre.

A área livre de sua casa, com terreno inclinado e seco, foi se transformando em área verde e hoje é referência quando o assunto é cultivo e alimentação saudável. Ela criou uma horta em formato de mandala. O canteiro, em formato circular, facilita o manejo, a irrigação e a colheita. É possível plantar alho, beterraba, cenoura, pimentão, couve, rabanete, cebola, rúcula, maxixe e alface.

Sidinalia durante um mutirão de plantação de mudas em Tesouras, na Chapada do Lagoão - CPCD - CPCD
Sidinalia durante um mutirão de plantação de mudas em Tesouras, na Chapada do Lagoão
Imagem: CPCD
Com isso, Sidinalia conseguiu não só otimizar o espaço livre, como plantar diferentes hortaliças. A moradora de Tesouras conta ainda com um banheiro seco em seu quintal, solução simples e ecológica que contribui para a fertilização do solo e evita o desperdício de água.

De cimento, madeira e ferro, o banheiro tem um tambor que acumula dejetos humanos junto com serragem, folhas secas e palha de arroz. Depois de cheio, o tambor é fechado e exposto ao sol por 6 a 8 meses. Após esse período, o composto pode ser usado como adubo.

"Quando a gente se reúne em grupo, descobrimos várias ações que podem ser feitas. A horta mandala é só uma delas. Vamos somando nossas experiências e assim conseguimos preservar a natureza, a Chapada, e a nossa comunidade em Tesouras", conclui.

Preservação é o caminho

Outras iniciativas também aconteceram com o intuito de preservar ainda mais a região: o cercamento e proteção de 65 nascentes e a conscientização sobre a destinação correta de resíduos líquidos, aplicando, por exemplo, a tecnologia do círculo de bananeiras. A água cinza - proveniente da pia, lavagem de roupa e banho -, que antes tinha como destino os ralos, hoje serve como nutriente para plantação.

Atividades agroflorestais foram feitas no entorno das barragens com o plantio de 1.500 mudas, entre nativas e frutíferas, com o objetivo de diminuir a evaporação e reflorestar a área. Além disso, caixas de captação de chuva foram adaptadas em diversas casas. Por meio de calhas no telhado, a água que cai é depositada numa caixa de 16 mil litros e se mantém protegida de contaminações.