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Ícone feminista e LGBTQIA+, Frida Kahlo é pouco lembrada por deficiência

Por Juliana Domingos de Lima

Crédito: Getty Images

A “Fridamania” estampou a imagem de Kahlo em diversos lugares, associando sua força e liberdade ao feminismo e à luta LGBTQIA+.

Uma das artistas mais importantes do século 20, a pintora mexicana Frida Kahlo se tornou nos últimos anos um símbolo cultural onipresente. 

Crédito: Getty Images

Cadeira de rodas  que pertenceu a Frida, em exibição na Casa Azul, em Coyoacán, Cidade do México

Esse fenômeno a tornou uma figura muito conhecida, mas recebe críticas por apagar alguns aspectos da sua identidade. Um deles é a deficiência física que moldou a vida e a obra da artista desde a juventude. 

Pesquisadores acreditam que Frida tenha nascido com espinha bífida, malformação que gera complicações ortopédicas. Além disso, ela contraiu poliomielite aos seis anos, e a paralisia fez com que sua perna direita ficasse mais fina. 

Em consequência da diminuição de circulação na perna, ela teria dor crônica pelo resto da vida.

Crédito: Guillermo Kahlo/Wikimedia Commons

Frida era muito próxima do pai, quem teve influência importante em seu interesse pela arte. 

Fora da escola e isolada dos colegas por conta da doença, ela recebeu aulas de literatura, ciências naturais e filosofia do pai, Guillermo Kahlo. O alemão naturalizado mexicano era fotógrafo e também a ensinou sobre seu ofício, deixando que o ajudasse a retocar, revelar e colorir fotos.

Crédito: Wikimedia Commons

Esse período a marcou profundamente, e se refletiu em pinturas futuras como “Eles pedem aviões e ganham asas de palha” e “As duas Fridas”.

O afastamento devido à doença e a sequela na perna a tornaram uma criança introvertida e solitária. De volta à escola, teve que ouvir insultos e zombarias dos colegas. 

Crédito: Getty Images

Em 1925, Frida tinha 18 anos. Ela voltava da escola para casa com o namorado quando um bonde atingiu o ônibus de madeira no qual estavam. O acidente deixou vários mortos e lhe causou ferimentos quase fatais: muitas fraturas e a perfuração da pélvis por uma barra de ferro. 

Frida em 1926

Crédito: Guillermo Kahlo/Wikimedia Commons

A recuperação foi longa — um mês no hospital e mais dois em casa, acamada. O tratamento incluiu o uso de um colete de gesso, que imobilizava sua coluna. Enquanto repousava, para curar o tédio, começou a pintar retratos da família, dos amigos e de si mesma. 

Crédito: Getty Images

Nos anos seguintes ao acidente, ela continuou sentindo dores e passou por dezenas de cirurgias. Uma delas, na coluna vertebral, a fez com que precisasse usar um espartilho metálico. 

O autorretrato “A coluna partida”, de 1944, foi pintado pouco depois dessa operação. Nele, há lágrimas em seu rosto mas também um olhar determinado.

Crédito: Wikimedia Commons

Como mostra a exposição online “As aparências enganam --o guarda-roupa de Frida Kahlo”, o estilo marcante de suas roupas também estava ligado à deficiência. Os vestidos de tehuana que usava eram, ao mesmo tempo, uma afirmação de  identidade, herança cultural e convicção política, e uma forma de atrair a atenção para a parte superior do corpo. Ela também decorava seus espartilhos ortopédicos. 

Crédito: OMAR TORRES/AFP

Se Frida Kahlo fazia questão de incluir sua deficiência em seus autorretratos tão marcantes para a história da arte, por que tentam esconder isso a todo custo? A sociedade ainda enxerga a mulher com deficiência como inferior, incapaz, frágil e outros adjetivos carregados de capacitismo. Ter Frida representada com toda a sua verdade seria  ótima oportunidade para incentivar debates urgentes relacionados à pessoa com deficiência. Frida foi potência, foi genial, foi mulher com deficiência.

Luísa Pitanga
Influenciadora (@luisapitanga) e ativista anticapacitismo 

Além das críticas às representações que apagam sua deficiência, há outras sobre a tendência à colocá-la como santa ou exemplo de resiliência, estereótipos que pessoas com deficiência lutam para desconstruir hoje. No livro de 2021 “Frida Kahlo e minha perna esquerda” (ainda sem publicação no Brasil), a autora americana Emily Rapp Black problematiza a romantização do  sofrimento da artista. Black aponta que a dor está presente em sua arte, mas não tornou Frida uma artista. Seu talento e visão fizeram isso. 

Crédito: Divulgação

Edição: Fernanda Schimidt

Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Publicado em 9 de outubro de 2021