fizeram história

Clementina de Jesus quebrou barreiras com canto de raiz africana 

Por Juliana Domingos de Lima

Crédito: Manuel Pires/Folhapress

Sambista fluminense de voz inconfundível e potente, Clementina de Jesus causou forte impacto no cenário musical brasileiro. Seu repertório e sua maneira de cantá-lo evidenciaram a contribuição central negra e africana para a cultura do país.

Crédito: Lewy Moraes/Folhapress

Nascida por volta de 1900 (há divergências sobre a data exata), em Valença, no sul do estado do Rio de Janeiro, Clementina era neta de escravizados. A região em que cresceu era povoada por negros bantus e jongueiros, que foram a base de suas referências musicais. 

Crédito: Lewy Moraes/Folhapress

Seu pai, o pedreiro Paulo Batista dos Santos, era também violeiro, e a mãe, Amélia de Jesus dos Santos, parteira e lavadeira, vivia entoando cânticos católicos e cantigas de jongo. Clementina começou a cantar ainda criança, no coro da igreja. 

Crédito: Manoel Pires/Folhapress

A família se mudou para o Rio e Clementina passou a adolescência em Oswaldo Cruz, na zona norte, berço da Portela. Aos 12, ela já integrava o bloco Moreninhas das Campinas, um dos que deram origem à agremiação. 

Crédito: Lewy Moraes/Folhapress

Crédito: Arquivo Nacional/Domínio público

Clementina com Pixinguinha em 1968

Clementina esteve envolvida nas principais rodas musicais do RJ no início do século. Frequentou a casa de Tia Ciata e ensaiou com  as pastoras que se apresentavam com Heitor dos Prazeres. Dirigiu as escolas Unidos do Riachuelo e Índios do Acaú. Ao mesmo tempo, trabalhava como empregada doméstica, lavadeira e cozinheira. 

Em 1938, conheceu Albino Pé Grande, com quem se casou e foi morar no morro da Mangueira, onde viveu até o fim da vida. Passou a desfilar na verde e rosa, mas se dizia portelense.

Crédito: Geraldo Viola/Creative Commons 

A carreira profissional na música só deslanchou quando Clementina já tinha mais de 60 anos. O produtor e compositor Hermínio Bello de Carvalho a ouviu cantar pela primeira vez em 1963, em uma festa religiosa no bairro da Glória. Impressionado, articulou sua estreia nos palcos, o que abriu as portas do sucesso.

Crédito: Lewy Moraes/Folhapress

Não acho que Clementina seja uma ponte para o passado. Clementina na verdade é o passado, o presente, e só pode ser o futuro de um Brasil que nos foi negado.

Thiago André
Historiador e podcaster, em episódio do podcast 'História Preta'

Em 1966, Clementina foi convidada a se apresentar no exterior: representou o Brasil ao lado de outros músicos no Festival de Artes Negras em Dakar, no Senegal, e foi também a Portugal. Gravou ainda seu  primeiro disco solo.

Crédito: Instituto Memória Musical Brasileira/Reprodução

Ao longo de 20 anos, foram 13 álbuns gravados, entre eles “Marinheiro Só” (1973), que combina cantos populares e composições de uma nova geração, e “O Canto dos Escravos” (1982), que imortalizou cantos de trabalho de escravizados.

Clementina de Jesus e Nelson do Cavaquinho em show de 1972

Crédito: Arquivo Nacional/Domínio público

Identidade, alma ancestral
Da negritude, retrato mestiço
De fato a voz dos escravos
Ginga, capoeira, partideira, axé!
A Mocidade se ajoelha aos seus pés!

Samba enredo 'Quelémentina, Cadê Você?'
Homenagem a Clementina feita pela escola paulistana Mocidade Alegre no enredo de 2022

A Rainha Quelé, como Clementina era conhecida, morreu em 1987 de um AVC, reverenciada pelos maiores nomes da música brasileira. 

Crédito: Ricardo Chaves/Creative Commons

Edição: Fernanda Schimidt

Reportagem: Juliana Domingos de Lima

Publicado em 5 de fevereiro de 2022