De Uganda para o mundo

Vanessa Nakate lidera luta global contra racismo ambiental: "Não existe justiça climática sem justiça racial"

Lia Hama Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP) Miguel Medina/AFP

Em janeiro de 2020, a ativista pelo clima Vanessa Nakate participava do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, junto com outras jovens ambientalistas, incluindo a sueca Greta Thunberg. O grupo posou para fotógrafos e deu entrevista à imprensa cobrando ações de empresas e governos contra a crise climática. Vanessa, no entanto, foi surpreendida ao ver publicada a foto da agência Associated Press: única negra e africana do grupo, ela havia sido cortada da imagem. Apenas as quatro colegas brancas e europeias apareciam na versão editada.

"Eles não cortaram apenas a minha imagem, mas a de um continente inteiro", desabafou a ativista nascida em Uganda. Após a repercussão do caso, a agência reconheceu o erro e pediu desculpas. Aos 25 anos, Vanessa é uma das principais vozes globais na luta contra o racismo ambiental, termo usado para explicar por que determinadas comunidades e regiões são afetadas de maneira desproporcional pelas mudanças climáticas, como é o caso do continente africano. Desde que foi "cortada" da foto, virou capa da revista "Time", foi entrevistada pela atriz Angelina Jolie e recebeu elogios da ativista paquistanesa e prêmio Nobel da Paz Malala Yousafzai.

Formada em administração, Vanessa foi a primeira jovem de seu país a integrar o Fridays For Future, movimento liderado por Greta Thunberg contra a inércia dos governos em frear o aquecimento global. A ativista é fundadora do Rise Up Climate Movement para incentivar ativistas africanos pelo clima, luta pela preservação da floresta do Congo e participa de projetos em escolas de Uganda.

De Kampala, onde mora, ela falou a Ecoa sobre o lançamento do livro "A Bigger Picture" (Pan Macmillan, 2021) e as dicas para quem deseja se tornar ativista. Comentou também sobre a decepção com a COP26, a Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, em novembro do ano passado em Glasgow.

Paul Ellis/AFP Paul Ellis/AFP

Ecoa - Por que é importante discutir racismo ambiental no enfrentamento ao aquecimento global?

Vanessa Nakate - A África é um dos continentes que menos emitem gases de efeito estufa, responsável por menos de 4% das emissões mundiais. Ainda assim, os africanos sofrem alguns dos efeitos mais devastadores das mudanças climáticas. Ciclones, secas e enchentes deixam milhões de pessoas desabrigadas e agravam a situação de fome e pobreza. Apesar de o continente africano estar na linha de frente da crise climática, ele não estampa as primeiras páginas dos jornais em todo o mundo.

Como o fato de ter sido cortada da foto em Davos fez com que você se engajasse na luta contra o racismo ambiental?

Naquele momento comecei a entender a intersecção entre a questão das mudanças climáticas e o racismo. Me perguntei por que eu, única negra e africana do grupo, havia sido removida da foto e por que é importante que vozes como a minha sejam ouvidas. Comecei a ler sobre as intersecções que existem entre o combate às mudanças climáticas e a luta contra o racismo, a pobreza e a fome. Todas essas coisas estão interligadas. Não podemos ser bem-sucedidos numa batalha se fracassarmos nas outras. Não podemos ter justiça climática sem ter justiça racial.

Miguel Medina/AFP Miguel Medina/AFP

Que dificuldades os ativistas africanos enfrentam para participar das discussões sobre mudanças climáticas?

Muitos ativistas africanos não puderam estar presentes na COP26, porque não tiveram acesso à vacinação contra covid, não puderam se credenciar para o evento ou não tinham dinheiro para participar. Se as vozes de boa parte das pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas não são ouvidas, como ter justiça climática? É responsabilidade das nações mais ricas ouvir aqueles que são mais afetados pela crise climática e financiar ações de mitigação e adaptação. Os recursos existem, mas não estão sendo direcionados para isso.

Que balanço você faz dos resultados da COP26? Concorda com Greta Thunberg de que o encontro não foi além do "blá, blá, blá"?

Quando estávamos chegando ao final da COP, a Climate Action Tracker [principal coalizão de análise climática do mundo] nos mostrou que, com as promessas anunciadas ali, estamos caminhando para um aumento de 2,4 graus Celsius na temperatura global em relação à era pré-industrial. Isso significa uma sentença de morte para comunidades que já sofrem os impactos terríveis do aquecimento global. Tivemos 26 edições da COP e as emissões continuam a crescer, as temperaturas continuam a subir e as vidas das pessoas continuam a ser impactadas.

Apenas compromissos não vão brecar a crise climática. Precisamos de ações concretas dos governantes para um futuro sustentável

Vanessa Nakate, sobre a Conferência do Clima de Glasgow

Miguel Medina/AFP Miguel Medina/AFP

De que forma a crise climática afeta seu país, Uganda?

Por causa do aumento das temperaturas globais, vemos aumentar a ocorrência de eventos extremos, como inundações em algumas áreas e secas severas em outras. Uganda é um país fortemente dependente da agricultura. Para muitas comunidades, muita chuva ou pouca chuva significa perder casas, plantações e vidas e agravar a situação de fome e miséria. Essas questões me levaram a iniciar há três anos os protestos em frente ao Parlamento de Uganda, a organizar palestras sobre mudanças climáticas e a participar da instalação de painéis solares e fornos que não usam lenha em escolas.

Como você decidiu se engajar na campanha pela preservação da floresta do Congo?

Até alguns anos atrás eu mesma não sabia nada sobre a floresta do Congo. O mundo todo fala sobre a destruição da floresta amazônica, mas quase ninguém ouvir falar sobre a do Congo. Entre 2000 e 2014, uma área maior do que a de Bangladesh foi destruída. Se nada for feito, a floresta pode desaparecer até o final deste século. Espécies, como o okapi, apelidado de "girafa da floresta", já correm risco de extinção. Muitas comunidades dependem da floresta que se encontra ameaçada pela agricultura e por projetos de extração de madeira e minérios. Um ecossistema inteiro pode desaparecer simplesmente porque o resto do mundo nem sabe de sua existência, apesar de sua importância para o clima.

Você se considera tímida, no entanto, tornou-se uma das faces mais conhecidas do ativismo ambiental. Como lida com essa atenção voltada para você?

Quando estou numa conferência global onde muitas pessoas me reconhecem, às vezes é um pouco sufocante e me escondo para ficar sozinha. Mas gosto de encontrar outros jovens ativistas como eu. O ativismo às vezes é uma jornada solitária e saber que outras pessoas compartilham do mesmo sonho me fortalece.

Miguel Medina/AFP Miguel Medina/AFP

Você enfrentou uma crise de depressão em 2019. Nesse período, pensou em desistir da luta ambiental?

Chegou um momento em que não tinha mais forças para ir às ruas e realizar protestos. Me sentia deprimida e frustrada por não ver resultado para tanto esforço. Os governantes não estavam fazendo nada, os desastres climáticos continuavam a acontecer. Mas, quando saí da depressão, percebi que não estava sozinha nessa batalha. Há muitos de nós lutando pela mesma causa.

Que pessoas te inspiram?

Minha primeira inspiração foi a Greta Thunberg. Depois descobri inúmeras outras pessoas, como Wangari Maathai, ambientalista do Quênia com forte atuação na área de proteção e conservação ambiental e que ganhou o Nobel da Paz em 2004.

Você conhece ativistas brasileiros?

Tenho um amigo brasileiro chamado Kaime Silvestre. A gente se conheceu na Cúpula da Juventude da ONU sobre o Clima em Nova York em 2019, e ele também estava presente na COP 26 em Glasgow no ano passado. É advogado, ativista e tem feito um trabalho incrível voltado para a proteção da floresta amazônica.

Vamos publicar um resumo do último capítulo de seu livro, "A Bigger Picture", com dicas para se tornar um ativista pelo clima. De maneira geral, que conselhos você daria?

Uma forma de se engajar é se unir a grupos ambientalistas já existentes em seu país, apoiando com recursos financeiros ou com ajuda jurídica. Também pode ser apenas divulgando seus trabalhos. Não é preciso começar nada sozinho, afinal, todos estamos juntos por uma mesma causa.

10 dicas para se tornar ativista, por Vanessa Nakate

  • 1

    Encontre sua paixão

    Ser ativista pelo clima pode ser exaustivo. Mas a paixão por um determinado assunto -- por exemplo, a preservação da floresta amazônica -- ajuda a enfrentar trolls que tiram sarro em vez de buscar soluções.

  • 2

    Estude

    Ninguém espera que você seja um climatologista, mas é importante manter-se bem informado. A tarefa do ativista é chamar a atenção de governantes e cidadãos para que os cientistas sejam ouvidos.

  • 3

    Encontre sua turma

    Conecte-se com pessoas que tenham os mesmos interesses que você. Isso faz com que não se sinta sozinho e possa aprender mais.

  • 4

    Compartilhe

    Divida seus conhecimentos com familiares, amigos, colegas e conhecidos. Mas tente não assustá-los e, sim, chamá-los para se unir à sua luta.

  • 5

    Fale em voz alta

    Tenha coragem para falar em voz alta e se posicionar de forma firme e clara.

  • 6

    Escute

    Ouça o que as comunidades diretamente afetadas pelas mudanças climáticas têm a dizer.

  • 7

    Use a criatividade

    Há muitas formas de fazer ativismo: poste uma foto, organize um webinar, coloque um cartaz na janela, faça uma música.

  • 8

    Acredite

    Como diz Greta Thunberg: "Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença".

  • 9

    Seja a mudança

    Vote em candidatos que priorizem a agenda ambiental; pressione os governos para que implementem projetos de energia renovável; coma menos carne; reduza o consumo, reutilize e recicle os materiais; compre de empresas socialmente e ambientalmente responsáveis.

  • 10

    Pense de forma interseccional

    O combate às mudanças climáticas deve levar em conta questões sociais e raciais, que fazem com que certas comunidades sejam afetadas de maneira desproporcional.

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