Despertando mudanças

Dono de casa "verde", Rômulo Estrela quer ver mais iniciativas sustentáveis acessíveis a toda a população

Lílian Beraldo Colaboração para Ecoa, de Brasília (DF) Divulgação

Amante da natureza, o ator Rômulo Estrela, 37, mudou-se há dois meses para uma casa sustentável em um condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O sonho de morar mais próximo ao verde é antigo, mas ganhou sentido de urgência com a pandemia de covid-19 e a ampliação das atribuições de um lar - local que se tornou refúgio no período de isolamento e passou a abrigar atividades de trabalho.

Rômulo resolveu mudar hábitos e a rotina e transformou a própria casa em exemplo de busca pelo equilíbrio entre humanidade e natureza. Diminuir o uso de água, energia, gás e plástico, reutilizar materiais como madeira e metal e pensar a acessibilidade do espaço foram alguns dos critérios exigidos pelo ator e sua mulher, a empresária Nilma Quariguasi, ao projetar a reforma do local.

O ator de São Luís (MA) cita o filho de 5 anos, Theo, como um dos catalisadores dessa vontade de contribuir para a construção de uma sociedade que valoriza os seus recursos naturais e assegura o futuro das próximas gerações.

Conhecido por atuações na TV, entre elas a novela Verdades Secretas 2, Rômulo defende a criação de políticas públicas que tornem iniciativas de sustentabilidade mais acessíveis. Ele critica, principalmente, a falta de acesso à informação de qualidade sobre o tema.

"No início, quando você conhece a sustentabilidade, tudo é muito bonito. Mas quando vai colocar isso em prática, encontra muitas dificuldades. Mais uma vez, é uma questão de acessibilidade. A sustentabilidade é muito elitista", diz.

Em entrevista a Ecoa, o ator reconhece sua posição de privilégio e puxa para si a responsabilidade de, como figura pública, falar sobre a importância de atitudes que mirem o cuidado com o planeta. "Eu tenho um alcance e uma responsabilidade muito grande por ter 2,5 milhões de pessoas acompanhando a minha vida na rede social."

Ecoa - Como é a sua relação com o meio ambiente? Quando você começou a se preocupar com o tema?

Rômulo Estrela - Logo no início da pandemia, a gente começou a questionar muitas coisas. É um despertar que precisa acontecer: para onde estamos caminhando? A gente morava num apartamento onde tinha muito consumo e até desperdício de energia. Isso tudo já estava incomodando.

A sustentabilidade é muito elitista. A gente precisa entrar nesse questionamento, entender que ser sustentável ou morar numa casa sustentável exige muito. Não é barato. A começar pelos produtos disponíveis nos supermercados, nas farmácias, em todos os lugares. Ainda é muito caro comprar um desodorante com uma embalagem 100% reciclável, biodegradável e que seja feito de um composto natural.

Que atitudes sustentáveis você adota no dia a dia?

Hoje usamos água de reúso para praticamente tudo. A gente reservou 20 mil litros de água de reúso. Quase não usamos plástico, quase tudo é de vidro. Isso é uma coisa que incomoda muito a gente. Quando você pede uma comida, vem muita embalagem. É assustadora a quantidade de plástico que chega num jantar por uma plataforma de entrega.

Divulgação Divulgação

O que ainda não está no seu dia a dia e você deseja adotar? Tem alguma que é mais desafiadora?

Eu queria muito usar carros sustentáveis. Tenho uma questão com motores, porque eu sou um apaixonado por mecânica e por velocidade. Tenho um fusquinha e uma kombi. Eu te confesso que, às vezes, entro no meu carro para dar uma volta e olho a mecânica e acho que ela é uma mecânica suja. O carro está super revisado e não fica emitindo fumaça. Mas essa mecânica dos automóveis a combustão ao mesmo tempo em que me fascina - eu adoro, acho nostálgico, tem uma coisa do barulho, do cheiro - eu sei que é o meu calcanhar de Aquiles. Já passou da hora de, por exemplo, buscar um carro elétrico.

Quem te inspira no interesse por causas ambientais e na busca por uma vida mais sustentável?

A gente foi muito inspirado por amigos e tem um papel importante dentro da família, com os nossos parentes. Nossa família é do Nordeste, de São Luís, e quando eles vêm aqui, olham a casa e começam a pensar mais sobre o assunto.

Quando o Theo [filho do ator com a empresária Nilma Quariguasi] nasceu, a gente sentiu um frio na barriga de pensar: que mundo é esse que vamos deixar para trás?

Quando a gente resolveu vir morar em uma casa, a ideia foi ficar um pouco mais em contato com a natureza. Fui criado assim, brincando na rua, entrando no meio do terreno baldio. E estava vendo meu filho preso dentro de um apartamento, como um passarinho de gaiola, sabe? Ele foi um catalisador para que a coisa acontecesse. Olhar para ele e pensar no futuro que ele teria.

Pedro Pinho/ Globo Pedro Pinho/ Globo

O que a casa de vocês tem de diferente?

Tem os materiais, boa parte deles reutilizada. Reutilizei todo o piso, por exemplo. A casa tem uma unidade geradora de energia solar fotovoltaica. Todo o aquecimento de água também é solar. Quase não uso gás, só como último recurso. E a nossa água é de reúso. Os meus objetivos principais eram esses, então eu tive que mudar toda a estrutura para receber essas coisas. Tive que mudar o teto inteiro, a hidráulica e a elétrica. Nosso próximo passo é tentar organizar o alimento, com uma horta própria. Também fazemos a coleta seletiva do lixo, mas ainda desprezamos esse lixo orgânico. Não quero mais fazer isso, quero utilizar como adubo na horta.

Você acha importante que pessoas famosas se engajem nessa luta?

Eu não só acho importante como eu acho fundamental. A minha família foi reflexo dos amigos próximos, das pessoas com que a gente convive. Isso é importantíssimo. Se a gente não tiver isso, a gente não vai mudar. Esquece! Mas se você vê outras pessoas fazendo, você entende o processo de cada um. É um pouco sair da zona de conforto. E, depois que introjetar a ideia, é só ir fazendo mais um pouquinho e, aos poucos, escalando.

Eu, enquanto figura pública, tenho, sim, que falar sobre sustentabilidade. Sou espelho para algumas pessoas, tenho um alcance muito grande e uma responsabilidade muito grande por ter 2,5 milhões de pessoas acompanhando a minha vida na rede social. Eu tenho que ter uma responsabilidade com isso.

Tem muita coisa ainda para fazer. Tem muita coisa para aprender também. O que eu desejo é que a gente tenha isso cada vez mais forte que isso seja o mais acessível possível. As pessoas precisam ter conhecimento de que isso é importante, que a gente já está numa situação delicada.

Divulgação

Que dicas você daria para quem se interessa pela causa ambiental, mas não tem recursos para se mudar para uma casa sustentável?

Você pode fazer algumas coisas dentro da sua própria casa. Pode procurar entender: quanto de água gasta num banho? Ou quanto de água gasta lavando sua calça jeans ou suas roupas? E, a partir daí, tentar diminuir. Você pode evitar o uso de saco plástico e procurar reutilizar embalagens ou, pelo menos, usar o refil o máximo possível. Vou dar um exemplo: eu saía de casa e parava no posto para comprar uma garrafa de 1 litro e meio de água. Hoje, eu tenho garrafas aqui e eu não saio de casa sem elas. É uma mudança de atitude e de hábito. No início, eu me atrasei muito porque sempre tinha de parar pra encher a garrafa. Mas, depois de um tempo, você já deixa tudo programado.

Como você acha que vai ser o planeta que você vai deixar para o seu filho?

Eu tenho muito medo do que vai acontecer. A gente está vivendo cada vez mais um distanciamento das classes sociais. Quem tem dinheiro vai ter muito mais possibilidades, vai ter acesso a um ar mais limpo, água mais pura, espaço verde preservado. Quem não tem, vai ficar cada vez mais subjugado, em um lugar de limitação absoluta e vivendo com o que é possível viver.

Isso vai implicar diretamente no mundo que a gente vai viver no futuro. A gente tem como reverter algumas questões. Mas, mais uma vez, a gente precisa de uma política pública mais interessada em resolver também esses problemas.

Eu me coloco no lugar de privilégio. Estou falando desse lugar em que posso comprar um filtro que tenha carvão ativado. Mas não adianta. Preciso que isso seja acessível para todo mundo. Que política é essa que eu estou criando aqui, dentro meu microcosmo? Eu adoraria que a gente tivesse mais acesso a movimentos relacionados a sustentabilidade e que isso fosse mais barato.

Rômulo Estrela, ator

Além da sustentabilidade com que outras causas você se identifica?

Adoro falar sobre o que é a masculinidade. Essa desmistificação do que é ser masculino, do que é ser homem. Estou num lugar público, em que eu sou visto como galã de novela, um homem hétero, cis, normativo, potente, forte, viril. E os meus personagens flertam com isso. Mas ser homem, para mim, não é isso. Nunca foi.

Meu pai tinha outro tipo de referência do que é ser masculino. Um cara que olha para a mulher e reconhece a força e a potência dela, que não se sente diminuído por ela ganhar mais, por ter que ir para a cozinha ou cuidar dos filhos.

Na minha casa, somos eu e minha irmã. E os direitos que eu tinha, minha irmã sempre teve também. Normalmente, o pai está sempre dizendo para o filho: "não chora, você tem que fazer isso, você tem que fazer aquilo. Um homem assim faz assado". Eu não tive isso, mesmo vindo de uma cidade do Nordeste, onde a gente tem o machismo enraizado.

Quais são seus projetos atuais como ator?

Estou ensaiando o 'Alienista', de Machado de Assis. A gente estreia em março, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Eu faço Simão Bacamarte. Em maio, começo a gravar a próxima novela das 6, Mar do Sertão, com a TV Globo. Estou muito feliz, muito animado.

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