Racismo ambiental

Por que algumas comunidades são mais afetadas por problemas ambientais? Futuro depende do fim da desigualdade

Diana Carvalho e Fernanda Schimidt De Ecoa, em São Paulo Avener Prado/Folhapress

Imagine acordar num dia e notar uma movimentação estranha na vizinhança. Carros que não costumam frequentar a região vão e vem em um trajeto suspeito, repetido inúmeras vezes. O ar é tomado pela apreensão. Um grupo de moradores se reúne e decide seguir um dos veículos para descobrir o que está acontecendo. Encontram homens trabalhando: quebrando pedras, fotografando o espaço, retirando amostras para pesquisa. Uma máquina prepara-se para perfurar o solo, outra está a postos para abrir uma estrada em meio às árvores. "Queremos comprar essa área, temos dinheiro", ouvem de um deles.

A cena poderia ter saído do filme "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, mas se trata de uma história vivida pela advogada Rafaela Eduarda Miranda Santos, na comunidade quilombola de Porto Velho, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Os intrusos eram funcionários de uma empresa de mineração que havia recebido uma autorização do então Departamento Nacional de Produção Mineral para fazer pesquisas no local, sem consulta à população, que ali reside desde o século 18. "Eles apenas consultaram fazendeiros que se encontravam no entorno e alguns que ainda não foram desapropriados do nosso território. É lamentável a gente viver situações como essa. Consultaram essas pessoas e não a nossa comunidade detentora do território", explica ela, que integra a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) no Vale do Ribeira.

Invasões ao território para extração de recursos não são o único problema enfrentado pelas comunidades brasileiras mais vulnerabilizadas. Acesso a água limpa e tratada, rede de esgoto e coleta de lixo são alguns dos direitos básicos historicamente negados a uma grande parcela da população brasileira.

A pandemia de Covid-19 acionou o alerta para como a desigualdade estrutural opera em todas as esferas, inclusive ao ditar quem serão suas principais vítimas. Esta realidade, no entanto, é global e deve ser agravada ano após ano com a intensificação da crise climática, que inclui aumento da temperatura atmosférica a índices insalubres, maior incidência de tempestades e enchentes, entre outros fatores.

"Essas comunidades são historicamente excluídas dos processos de participação política e dos processos legislativos. São empobrecidas, vulnerabilizadas com a falta de saneamento básico, com a expulsão de seus territórios, com o não reconhecimento e a não efetivação de seus direitos, com a marginalização e com a invisibilização, com a contaminação e a destruição de seus territórios, do solo e a da água", explica Miranda.

Há um termo que define por que certas comunidades são afetadas de maneira desproporcional por problemas ambientais: racismo ambiental.

Fazer com que as pessoas compreendam esse problema costuma ser fácil se você pedir para que pensem para onde elas não gostariam de se mudar. Onde estão as fábricas na sua cidade? Em que lugares a água é mais suja? Agora se pergunte quem mora lá. É quase sempre o grupo de pessoas mais pobre e de pele mais escura

Kerry Ard, doutora em Sociologia e professora de Meio Ambiente e Recursos Naturais na Ohio State University

Daniel Marenco/Folhapress Daniel Marenco/Folhapress

"É inadmissível um lixão na zona sul. E por quê?"

Neta de nordestinos que migraram para as favelas do Rio, Dani Monteiro é a mulher mais jovem a ocupar um cargo de deputada (Psol) na Alerj. Nascida e criada no Morro São Carlos, bairro do Estácio, região central do Rio, a ativista de 27 anos é didática falar sobre como a desigualdade afeta mais uns do que outros.

"Quando você dá um menor valor para uma população, você diz que ela pode viver daquela forma. Quando se fala de aterramento de lixo sanitário, se entende que é possível aterrar em lugares como Caxias, mas não se pensa em fazer isso em Ipanema e Copacabana. Não é somente uma questão de espaço, mas porque se tem a ideia de que aquela população de Caxias, que é majoritariamente negra e de baixa renda, pode conviver próxima ao lixo. Por isso a gente define como racismo ambiental, porque se usa a inferiorização do outro para se negar direitos básicos. É inadmissível um lixão na zona sul. E por quê?", diz Monteiro.

Este entendimento de que há populações com direitos e outras, não, é fruto direto do racismo estrutural que opera na sociedade brasileira. O mesmo sistema que permite que policiais atirem em jovens dentro de casa ou pisem em pescoços de senhoras no asfalto é aquele que define onde cada grupo pode ou não morar e quais riscos à vida estarão sujeitos.

"Alguns estudiosos argumentam que a injustiça ambiental é uma parte essencial do capitalismo. No curso regular do capitalismo, há o que se chama de externalidades, coisas que acontecem ao se fazer os negócios (como poluição) e pelas quais a empresa não assume responsabilidade. Nessa teoria, as externalidades vão afetar alguém ou algum lugar, então é útil ter uma população com menor valor na sociedade para assumir esses efeitos", argumenta a pesquisadora Ard.

Lalo de Almeida/Folhapress  Lalo de Almeida/Folhapress

Escolha entre falta de água ou água contaminada

O exemplo mais gritante no Brasil é a falta de saneamento básico, um direito assegurado pela Constituição e definido por lei. A medida estabelece preservar ou modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população, a produtividade do indivíduo e facilitar a atividade econômica.

Para isso, é preciso oferecer um conjunto de serviços: infraestrutura e Instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. Porém, atualmente, 100 milhões de brasileiros não têm acesso a coleta e tratamento de esgoto, e quase 35 milhões não recebem água tratada em casa.

"Em favela não tem diferença, o cano do esgoto anda ao lado do cano de água, esses canos se embolam ali no meio, e a água se contamina. Esse é o lado mais grave dessa desigualdade. A contaminação da água causa inúmeras doenças para quem convive diariamente com a falta do básico para se ter uma condição de vida digna", explica Monteiro.

A desigualdade é ainda maior quando se leva em conta o recorte geográfico. No Norte do país, apenas 57,05% da população é abastecida com água potável, enquanto que na região Sudeste 91,03% da população conta com esse serviço.

A cinco minutos do centro de Belém, capital do Pará, há um caso emblemático. Casas de palafita construídas sobre as águas do rio que se desemboca na Baía do Guajará são ligadas entre si por pontes estreitas de madeira para formar a Vila da Barca, comunidade com seis mil pessoas. Ali, não há esgotamento sanitário. Os resíduos são despejados na lama, o que contamina o rio e a água que sai da torneira dos moradores.

"A primeira questão aqui é a falta de água. Por incrível que pareça, as casas que ficam mais próxima da rua são as que conseguem ter água na torneira. As que ficam mais próximas ao Rio, a água não chega. Então o que acontece? Se o morador tem recurso, ele compra uma bomba para poder ter água encanada todos os dias em casa. Agora, se ele não tem, ele acaba tendo que pegar água do Rio quando enche, que é quando ainda não tem sujeira. Aí, eles fazem tudo com essa água, com exceção de tomar banho e cozinhar alimento", conta Inêz Medeiros, coordenadora geral da Associação de Moradores da Vila da Barca. Ela explica que, quando o rio enche, a água entra em contato com a tubulação que faz o abastecimento da comunidade. "Isso afeta diretamente a qualidade de vida e saúde dos moradores. Tanto as crianças quanto os adultos da região apresentam muitos problemas estomacais, diarreias, problemas de pele, coceiras", diz.

A comunidade foi retratada no curta-metragem "Vila da Barca" em 1964. De lá para cá pouca coisa mudou. Um projeto habitacional foi iniciado, mas suas obras estão inacabadas há cerca de 15 anos. O espaço virou refúgio para pessoas em situação de rua e dependentes químicos.

Com seus 4.500 habitantes, Vila da Barca é uma verdadeira cidade abandonada à sua própria sorte. Sem escolas, sem assistência médica, com uma primitiva e pobre economia, ameaçada pelas águas poluídas, pela tuberculose, pelo tifo, pelas mais variadas infecções. Marginalizada, Vila da Barca tende a permanecer nesse estado até que seja encontrada necessária solução

"Vila da Barca", curta-metragem de Renato Tapajós (1964-65)

Fabio Braga/Folhapress Fabio Braga/Folhapress

Os maiores desastres ambientais

Dois dos maiores desastres ambientais da história recente brasileira reforçam os pontos levantados pelos especialistas ouvidos para esta reportagem.

No dia 5 de dezembro de 2015, uma barragem da mineradora Samarco se rompeu em Mariana, Minas Gerais, poluindo a bacia do Rio Doce com rejeitos de mineração, destruindo casas e comunidades do distrito de Bento Rodrigues e matando 19 pessoas. Das vítimas imediatas do rompimento da barragem, 84,5% eram negras.

Os impactos ambientais foram sentidos ao longo de todo o curso do Rio Doce, por 600 km até chegar ao Oceano Atlântico. A lama tóxica tomou conta das águas, matando peixes e a subsistência de comunidades ribeirinhas, entre eles o povo Krenak. A água não era apenas a fonte de animais, mas também era usada para beber e irrigar plantações.

Quatro anos depois, em 25 de janeiro de 2019, outra barragem de minério se rompeu, na Mina do Córrego do Feijão, sob responsabilidade da Vale, em Brumadinho (MG). Desta vez foram 259 mortos e 11 desaparecidos. Nas duas localidades mais atingidas pelo desastre, o Córrego do Feijão e o Parque da Cachoeira, a maioria da população se declara como não branca: 58,8 % e 70,3%, respectivamente, segundo o último censo do IBGE de 2010. A renda familiar média em Córrego do Feijão, por exemplo, era de menos de 2 salários mínimos.

"Quando vemos pessoas expulsas de seus territórios por empreendimentos como hidrelétricas e minerações, ou mesmo quando elas não são expulsas, elas têm de aguentar os impactos sociais e ambientais desses projetos de 'desenvolvimento'. Com muitas aspas nesse 'desenvolvimento'. É um desenvolvimento para quem? De que tipo de desenvolvimento a gente está falando? Ele contempla essas perspectivas tão diversas desses povos e comunidades? Ele contempla a diversidade das populações rurais e urbanas?", questiona a advogada e quilombola Rafaela Miranda.

Raul Spinassé/Folhapress  Raul Spinassé/Folhapress

Metais em água contaminam peixes, mariscos e população

As manchas de óleo, que surgiram ao longo de quilômetros pelas praias do Nordeste no ano passado, após um vazamento estimado de 2,5 mil toneladas de petróleo cru no oceano Atlântico chocaram o Brasil. Redes de ONGs e voluntários se juntaram para limpar com as próprias mãos o material viscoso e altamente tóxico que se acumulou na costa.

A comunidade de pescadores da Ilha da Maré, na Baía de Todos os Santos, em Salvador, vem denunciando acidentes como esse desde 2001. Porém, neste caso, os responsáveis são conhecidos da população local. A região possui mais de 40 empresas da área petroquímica.

"Aqui, o petróleo é derramado nos manguezais e só com muita mobilização é que conseguimos, algumas vezes, a sua coleta. Mas o que mais nos preocupa é a situação de vulnerabilidade com relação à saúde. Isso é muito grave", alerta Eliete Paraguassu, líder comunitária, pescadora e quilombola que atua desde 1990 na defesa do meio ambiente.

A contaminação das águas está afetando não só a pesca artesanal, de peixes e mariscos, como a saúde da população que vive no entorno. Um estudo realizado pela pesquisadora Neuza Miranda, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostrou que 90% das crianças da região estão contaminadas por metais pesados: chumbo, cádmio e mercúrio.

"A Ilha de Maré é considerado o bairro mais negro de Salvador, é um quilombo, e vive um descaso medonho do poder público, do Estado, que não nos considera sujeitos de direito", acusa a integrante do Movimento de Pescadores e Marisqueiros da região.

Bettmann Archive Bettmann Archive

Direito civil e ambiental caminharam juntos

O movimento contra a injustiça ambiental começou a tomar forma há mais de quatro décadas nos Estados Unidos como parte essencial da reivindicação por melhores condições de vida para a população negra. O estopim foi um processo de uma moradora de Houston, no Texas, contra uma empresa de gestão de resíduos que queria abrir um aterro sanitário em seu bairro de classe média, em 1979. Ela alegava que a escolha do local teria sido baseada no fato de que se tratava de uma população majoritariamente negra.

O caso não foi para frente, mas foi o suficiente para que o sociólogo Robert D. Bullard, casado com a advogada que representou a moradora, começasse a se debruçar em estudos que analisam o impacto de problemas ambientais nas comunidades negras, indígenas e de baixa renda, e se tornasse um dos líderes das manifestações populares contra aterros de lixo e material tóxico próximo a bairros pobres, rendendo o apelido de "pai da justiça ambiental".

A primeira vitória na corte aconteceu em Warren County, na Carolina do Norte, em 1983, contra a inauguração de um aterro de PCB (bifenilpoliclorado) em uma região rural, e virou precedente para novos casos. Ativistas e população mantiveram protestos durante seis semanas, enquanto 10 mil caminhões de solo contaminado eram despejados no local. O episódio viu nascer outro líder do movimento: Benjamin Franklin Chavis Jr., criador do termo "racismo ambiental".

"Comecei a receber ligações de todo o país depois disso, com pessoas contando que o que estava acontecendo em Warren County não era incomum. A correlação era notória. A maior concentração de aterros era sempre em regiões negras", explicou Chavis em entrevista para um perfil no "The New York Times" em 1993.

Mais de 600 líderes de todos os estados americanos participaram da primeira reunião de cúpula de ativistas negros para liderança ambiental em Washington, em 1991. Ali, foram definidos quais seriam as principais demandas do movimento e a ampliação do escopo do grupo para incluir também questões de saúde, usa de terra, transporte, moradia, alocação de recursos e empoderamento da comunidade.

Falar do meio ambiente não é falar só da natureza. É falar dos povos e comunidades que vivem ali, é falar da humanidade, da diversidade das populações e das experiências humanas

Rafaela Eduarda Miranda Santos, quilombola da comunidade de Porto Velho, no Vale do Ribeira, e advogada da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone)

Matuiti Mayezo/Folhapress Matuiti Mayezo/Folhapress

Vale da Morte virou símbolo de recuperação

Foi nesta época que o Brasil enfrentava um dos casos mais trágicos de racismo ambiental. No litoral de São Paulo, Cubatão viu um crescimento vertiginoso de seu polo industrial com mais 30 fábricas instaladas na cidade desde a década de 1950. A estratégia de desenvolvimento, no entanto, transformou o município em uma verdadeira estufa de fumaça tóxica. Cubatão ficou mundialmente conhecida como "Vale da Morte".

Estudos realizados na década de 1980 mostravam que a população que vivia em torno das fábricas, maioria de baixa renda, apresentava problemas pulmonares. Na Vila Parisi, bairro próximo a indústrias de petróleo, constatou-se um aumento no nascimento de crianças com problemas neurológicos e nos casos de anencefalia (sem cérebro). Entre os componentes químicos tóxicos liberados no ar estavam monóxido de carbono, benzeno, óxidos de enxofre e nitrogênio, hidrocarbonetos e material particulado (partículas de poluentes suspensas no ar). A chuva ácida era uma realidade e afetava a vegetação, o solo e as construções da cidade.

Nesta época, a gasolina brasileira ainda tinha chumbo em sua composição, um metal altamente tóxico, que se acumula no organismo e provoca inúmeros problemas de saúde, afetando sistema nervoso, rins, ossos, sangue e tecidos.

Em 1984, um vazamento de gasolina de um oleoduto da Petrobrás causou um incêndio que atingiu em cheio casas de palafitas na comunidade Vila Socó. A tragédia causou a morte de famílias inteiras. O número de vítimas, no entanto, é contestado até hoje por lideranças formadas a partir do desastre. Estima-se que mais de 500 pessoas morreram no incêndio. Oficialmente, 93 corpos foram encontrados.

A tragédia levou a prefeitura a colocar em prática um rígido programa de despoluição ambiental em 1985, com controle de emissão de poluentes no ar e de despoluição dos rios e reflorestamento da Mata Atlântica. O projeto rendeu a Cubatão uma homenagem da ONU durante a Rio-92, como cidade-símbolo da recuperação ambiental. Apesar de ter se livrado do posto de cidade mais poluída do mundo, os níveis de partículas de poluição no ar estão em alta nos últimos anos, em especial as PM2,5 (mais finas e perigosas).

Wolfgang Rattay/Reuters Wolfgang Rattay/Reuters

Efeitos da poluição na saúde

O principal vilão na crise climática é o carbono, emitido na forma de CO2 (dióxido de carbono) e CH4 (metano), compostos conhecidos como os gases do efeito estufa. São eles os responsáveis pelo aquecimento da atmosfera, que tem como efeito colateral uma série de mudanças estruturais no funcionamento do globo: do padrão dos ventos, à temperatura dos oceanos e aumento do nível do mar, ao derretimento do "permafrost" e à maior incidência de queimadas, tempestades e enchentes.

Porém não é só o meio ambiente que está sujeito ao efeito nocivo desses gases. A poluição do ar que respiramos traz graves riscos à saúde.

A fuligem que é carregada pelo vento durante uma queimada, por exemplo, é apenas uma pequena parte visível do problema. São as partículas microscópicas que entram em contrato com nosso sistema respiratório e provocam doenças graves, como asma, bronquite, doença pulmonar obstrutiva crônica, pressão alta e doenças cardiovasculares. Conhecidas pela terminologia PM10 e PM2.5, em referência ao diâmetro de cada partícula em micrômetros (a milésima parte do milímetro), elas são aspiradas pelo organismo e se depositam no nariz, garganta e pulmões. Quanto mais fina a partícula, mais perigosa e traiçoeira por se alojar diretamente nos brônquios, caso da PM2.5.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 7 milhões de pessoas morram prematuramente por ano em decorrência da poluição do ar. Desse total, 91% ocorrem em países de baixa e média renda no Pacífico e Sudeste Asiático.

A poluição afeta seriamente o sistema de saúde brasileiro. Segundo o então ministro da saúde Luis Henrique Mandetta, "somente em 2018, o custo com internações devido a problemas respiratórios ultrapassou R$ 1,3 bilhão. Estimamos que, entre 2008 e 2019, esse gasto chegue a R$ 14 bilhões".

Info: O que dizem os números?

Os EUA possuem vasta pesquisa sobre como a poluição e os problemas ambientais afetam desproporcionalmente comunidades negras, latinas, indígenas ou de baixa renda.

  • Incidência de câncer

    Os 10 maiores produtores de energia a carvão nos EUA têm uma taxa de câncer no pulmão 19% mais alta do que a média do país

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • Comunidades do entorno

    Cerca de 2 milhões de pessoas moram a 5km das 12 piores plantas de carvão dos EUA, 76% delas são negras. Sua renda média per capita anual é de US$ 14.626, contra US$ 21.587 da média nacional

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • Risco de morte

    Pessoas negras de baixa renda têm maior risco de morrer pela emissão de partículas finas de usinas de energia, seguidas por pessoas de negras de classe média, brancas não latinas de baixa renda e negras de alta renda.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • Maior exposição a PM2,5

    Na Califórnia, membros da comunidade latina são 15% mais expostos a índices mais altos de PM2,5 do que o californiano médio. Entre as comunidades negras, a exposição chega a ser 18% mais alta. Para os residentes brancos, o número é 17% menor que a média.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • Transporte público

    Outro grupo com maior exposição a poluentes são as pessoas que não possuem carro: seu contato chega a ser 19% mais alto que a média da Califórnia.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • Menor poder de compra, mais poluição

    A disparidade é ainda maior quando se leva em conta quais grupos são responsáveis pela emissão de partículas (poder compra, acesso, padrões de consumo etc) vs. sua exposição a elas. Membros da comunidade latina respiram 63% mais poluição do que produzem; da comunidade negra, 56%, enquanto que na comunidade branca sua exposição é 17% menor do que sua produção.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL

Fonte: Universidades de Harvard, Stanford e Washington, NAACP, Union of Concerned Scientists

Em meio a uma pandemia que ataca o sistema respiratório, a poluição do ar assumiu conotações ainda mais sérias. Qual seria o efeito da Covid-19 em pacientes mais expostos a partículas de poluição? Mais mortes. Esse foi o resultado de um estudo da Universidade de Harvard, publicado em abril, que apontou um aumento de 8% na mortalidade da doença para pessoas que tiveram contato com mais PM2.5.

O estudo aponta também que colegas cientistas estabeleceram uma ligação entre exposição à poluição e graves resultados em pandemias anteriores. Este teria sido o motivo para mais mortes durante a pandemia de H1N1, em 2009, e de Gripe Espanhola, em 1918.

Com maior exposição a poluição e falta de saneamento básico, comunidades em situação de vulnerabilidade sofrem com condições pré-existentes que podem agravar um quadro de Covid-19. Somando-se a isso a dificuldade de acesso ao sistema público de saúde, vê-se uma receita para o desastre, como tem acontecido em diferentes regiões do país.

Duque de Caxias, por exemplo, tem a segunda maior arrecadação de ICMS do Estado do Rio de Janeiro, perdendo somente para a capital, graças ao polo petroquímico que se desenvolveu no entorno da Refinaria Duque de Caxias. Enquanto a Reduc chega a consumir até dois metros cúbicos por segundo de água, a população da região convive com o abastecimento intermitente. A cidade da Baixada Fluminense é a terceira maior em número de mortes pelo novo coronavírus no Estado e tem 82% de sua população, quase 1 milhão de habitantes, em situação de vulnerabilidade.

"De onde moro até um hospital são duas conduções. Duas para ir, duas para voltar. A UPA (Unidade de Pronto Atendimento) fica em outro bairro, no Sarapuí. Com a pandemia, eles apenas medem a temperatura e aconselham a voltar para casa ou a procurar um hospital. O pai do meu primeiro filho morreu no final de abril. Começou a sentir os sintomas e toda vez que ia até a UPA ou não tinha médico ou mandavam de volta. A situação foi ficando mais grave e, quando ele conseguiu vaga no hospital, já era tarde. Foi internado e morreu no dia seguinte", conta Marilza Barbosa, moradora do Morro do Sossego, no bairro do Pantanal, em Duque de Caxias (RJ).

No Brasil, estudos apontam que dos pacientes negros internados com Covid-19, 55% deles morrem, enquanto que para brancos a taxa é de 38%. Nos Estados Unidos, pessoas negras estão morrendo 2,3 vezes mais do que brancas ou asiáticas, segundo estudo do APM Research Lab, que teve acesso ao recorte racial de 91% das mortes por Covid-19 no país.

Fabio Braga/Folhapress Fabio Braga/Folhapress

INFO: Princípios da Justiça Ambiental

Os pontos levantados pela primeira reunião de cúpula em Washington continuam sendo referência importante para a luta ambiental e contra a desigualdade e podem nortear as demandas atuais por mudança. Conheça alguns deles:

  • 1

    O fim da produção de todas as toxinas, dejetos perigosos e materiais radioativos, e que os seus produtores, atuais e do passado, sejam rigorosamente responsabilizados por desintoxicação e contenção.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 2

    O direito a participar como parceiros em todos os níveis de decisão, incluindo necessidades de avaliação, planejamento, implementação, cumprimento e avaliação

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 3

    O cumprimento rigoroso da necessidade de consentimento

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 4

    O direito à reparação para vítimas de injustiça ambiental

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 5

    O direito aos trabalhadores de não serem forçados a escolher entre ganhar a vida de maneira insegura e o desemprego

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 6

    O reconhecimento da relação legal e natural de soberania das populações indígenas

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL
  • 7

    A proteção de todas as pessoas contra testes nucleares e depósito de dejetos.

    Imagem: Guilherme Zamarioli/UOL

Nunca me senti tentada a sair daqui para ir morar em outro lugar. A gente precisa entender que buscar uma qualidade de vida melhor, não significa sair do lugar onde você nasceu, cresceu e passou boa parte da vida. Políticas públicas e direitos básicos é que devem chegar até nós. Independente do lugar em que vivemos

Marilza Barbosa, moradora do Morro do Sossego, no bairro do Pantanal, em Duque de Caxias (RJ)

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Economia pós-pandemia deve olhar para justiça ambiental

O fortalecimento do movimento Vidas Negras Importam pelo mundo e a crise provocada pela pandemia podem colaborar para que este seja o momento para que a discussão sobre o racismo ambiental e seus impactos ganhe projeção nos debates, assim como a violência policial e sua desmilitarização tomaram conta do noticiário nos últimos meses.

A justiça ambiental foi um dos temas-chave do treinamento dado por Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, para líderes globais, entre 18 e 26 de julho, por meio de sua ONG Climate Reality Project.

"As pessoas despertaram para a existência do racismo estrutural e da injustiça ambiental. A pandemia revelou como pessoas empobrecidas e comunidades negras são vitimizadas de maneira desigual. Para estabelecer os melhores planos de recuperação, nós precisamos fazer com que a economia vá para um modo sustentável para que tenhamos uma transição justa e que lide com as desigualdades sociais e econômicas que existem há tempo demais", afirma o vice-presidente da era Clinton e um dos maiores ativistas contra as mudanças climáticas, desde o lançamento do documentário "Uma Verdade Inconveniente", em 2006.

A secretária executiva da Convenção da ONU sobre Mudança Climática, Patricia Espinosa, concorda que o caminho para a retomada da economia passa por uma atuação simultânea por várias frentes. "Não é possível falar sobre recuperação se só olharmos para parte do problema: o crescimento econômico, mas manutenção de desigualdades e discriminação, ou se não abordarmos as mudanças climáticas. Não vai dar certo. Não adianta falar de pobreza, se não falarmos de sustentabilidade e da necessidade de tratarmos todos com igualdade", diz a diplomata, uma das convidadas do treinamento global de Gore.

Dada a atual conjuntura política do Brasil, com recordes de desmatamento e número diário de mortes ainda na casa das 1.000 pessoas, será necessário um esforço conjunto ainda maior. "Para mudar esse cenário são diversas as incidências necessárias, seja denunciando essas situações de racismo ambiental, ampliando as vozes das populações que há muito tempo estão gritando, efetivando seus direitos, incluindo essas comunidades nas tomadas de decisões, internacionalizando essas pautas - pois apesar de muitos desses projetos serem nacionais, dessas políticas racistas serem nacionais, existe muito financiamento internacional", aponta a advogada Rafaela Miranda.

A população que sofre sem acesso a água tratada e esgoto aguarda o desenrolar do novo marco legal do saneamento básico, aprovado no fim de junho. O projeto estabelece metas de universalização do serviço (99% da população terá de ter água potável em casa; e 90% das residências, coleta e tratamento de esgoto) até 2033, com investimento estimado pelo governo de R$ 600 a R$ 700 bilhões e geração, nos próximos cinco anos, de 1 milhão de empregos.

A pesquisadora Kerry Ard lembra que movimentos ambientais que tomaram forma nos anos 1960 e 70 tiveram impactos profundos no meio ambiente, com a criação de duras leis nos Estados Unidos que obrigavam empresas a proteger a saúde do povo. "Precisamos criticamente avaliar e mudar as estruturas existentes há séculos e que perpetuam essas desigualdades. O governo local é um importante ponto de partida e pode ser acessado com organização coletiva", sugere a professora e PhD.

Isso faz com que muitos de nós realmente pensemos como foi possível sermos tão desatentos a essa tragédia que é resultado de circunstâncias injustas e desiguais? Temos de colocar a preocupação com a justiça ambiental no centro dos planos de recuperação econômica. Nós temos de corrigir isso

Al Gore, ex-vice presidente dos EUA e fundador do Climate Reality Project

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