Melhor é ser criança

A juventude brasileira é otimista e está disposta a lutar por um mundo melhor

Paula Rodrigues de Ecoa Arte/UOL

Eles são jovens — e até bem crianças —, otimistas e estão determinados a construir, já, um futuro melhor. Catarina Lorenzo tinha só 9 anos quando decidiu que iria "salvar o planeta do aquecimento global" e passou a integrar movimentos de proteção ambiental. No mês passado, ela foi até Nova York para, junto de outros 15 jovens do mundo todo, integrar o Comitê dos Direitos da Criança da ONU (Organização das Nações Unidas).

Comovido com a fome das pessoas de sua comunidade, aos 16, Luan Torres de Moraes criou um projeto para plantar árvores frutíferas e, assim, disponibilizar alimento gratuito a quem precisasse. "Ouvi muita gente dizer que tudo isso era 'coisa de criança'. Mas e daí? É mesmo!", diz. Hoje ele faz parte do programa "Jovens Transformadores" da ONG internacional Ashoka.

Já Fernanda Freitas estava prestes a se formar no ensino médio quando decidiu que, antes de entrar na faculdade, deixaria uma escola pública de melhor qualidade para seus sucessores. Em 2015, ela deu início, junto com seus colegas, a um movimento que se expandiu para outros colégios do estado de São Paulo e conseguiu reverter uma medida do então governador Geraldo Alckmin que determinava o fechamento de instituições de ensino para reorganizar as vagas.

Histórias assim não acontecem por acaso. Segundo uma pesquisa da Agenda Juventude Brasil, da Secretaria Nacional de Juventude, 44% dos brasileiros e brasileiras na faixa etária entre 15 e 29 anos acreditam que o país vai melhorar no futuro.

"Por serem muito otimistas, quando encontram algo incompatível com o mundo em que sonham viver, os jovens não medem esforços para se engajar", diz Mariana Resegue, 31, secretária executiva do Em Movimento, rede que dá suporte a jovens que têm a intenção de se envolver em causas socioambientais e é composta por sete organizações (Ashoka, Fundação Arymax, Historioriama, Impact Hub, Instituto Arapyaú, Instituto Elos e +Unidos).

A reportagem de Ecoa ouviu cinco jovens de diferentes partes do país que, diante de um problema coletivo, decidiram agir e modificaram a realidade de onde vivem. São histórias inspiradoras que revigoram a crença de que é possível, sim, promover transformações.

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Contra o aquecimento global

"Desde muito pequena sonho com duas coisas: ser surfista de ondas grandes e cuidar do meio ambiente. Herdei o amor pelo esporte do meu pai, que é surfista e sempre me levou para o mar.

Certo dia, eu estava mergulhando em uma piscina natural, rodeada de corais e notei algo estranho. Eles estavam embranquecendo, sinal de que estavam morrendo. Fiquei preocupada, afinal, os recifes são as casas de várias espécies marinhas. Quanto mais nadava em direção a eles, mais a temperatura da água aumentava. Mergulhei para o fundo, onde, em geral, a água é mais fria. Mas não adiantou. Continuava quente. Fiquei tão incomodada que acabei saindo da água.

Pensei: 'Se eu não aguentei por uns momentos, como os peixes e os corais poderiam viver naquela temperatura?' Mais tarde, em uma aula de ciências ambientais, entendi o que passou. Aquilo era efeito do aquecimento global. Eu tinha que fazer algo!

Comecei, então, a praticar ações junto com um grupo de surf que, ao final de cada campeonato, se reúne para ir de ponta a ponta da praia recolhendo o lixo. Também virei guia mirim da mata do Vale Encantado, uma floresta remanescente da Mata Atlântica em Salvador. Sou eu quem leva as crianças para observar os pássaros, a vegetação e mostrar a importância de preservar aquele local.

Quando uma amiga da minha família ficou sabendo da minha história, tudo mudou. Ela faz parte da 'Heirs To Our Oceans' [que poderia ser traduzido para 'herdeiros dos nossos oceanos', em português], uma ONG global de jovens que cuidam dos oceanos, e me convidou para falar na ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York. Ali percebi que o meu sonho, aquele de querer parar o aquecimento global, estava começando a acontecer.

Espero que todos entendam que estou fazendo isso para conseguir ter um futuro. A juventude está acordando porque estamos entendendo melhor o que está acontecendo. Antes, eram só os adultos que falavam sobre isso. Agora as crianças se levantaram e mostraram que têm voz também. Se depender da gente, não vamos deixar as mudanças climáticas continuarem a acontecer."

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Árvores para combater a fome

"A realidade ao meu redor sempre foi a da fome. Cresci vendo gente pedir comida na rua. E, apesar de eu nunca ter passado por isso, convivi diariamente com crianças que iam para a escola só para ter o que comer. Comecei a reparar nisso no ensino médio, justo quando a filosofia entrou em minha vida. As aulas me fizeram questionar, principalmente, as desigualdades sociais e os problemas ambientais.

Vendo que ninguém estava fazendo nada para resolver esses problemas, decidi que eu faria. Aos 17 anos, juntei uns amigos e criei o CASA (Centro de Apoio Social e Ambiental). Começamos, então, a realizar mutirões para limpar o rio que corta minha cidade. Também tive a ideia de plantar árvores, porque elas são importantes para o clima.

Até que um dia pensei: 'Será que não dá para juntar as duas coisas? Tentar amenizar as consequências das mudanças climáticas e também a fome da minha comunidade, de uma vez só? Já que queria arborizar a cidade, por que não fazer com árvores frutíferas? Afinal, elas podem se tornar fontes de alimentos'.

Assim nasceu o Arbo, um projeto que visa a reduzir a fome por meio do plantio e mapeamento de árvores frutíferas. São alimentos livres, orgânicos e de qualidade para quem mais precisa. Minha meta é plantar um milhão de mudas.

Sei que muita gente duvida, mas eu não. No início, principalmente, ouvi muita gente dizer que tudo isso era 'coisa de criança'. Mas e daí? É mesmo! O problema é que as pessoas não perceberam que as crianças também podem ter ideias boas. Uma coisa que sempre levarei comigo é essa ideia de que todos têm o mesmo poder de fala. Hoje, somos 40 jovens de 15 a 30 anos, que, com zero apoio financeiro, estamos conseguindo plantar árvores para reduzir a fome no nosso bairro. E tudo isso começou com uma pessoa só."

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Não feche minha escola!

"Fechar escolas sempre vai me parecer uma ideia absurda. É assim hoje e foi assim em 2015, quando, junto com colegas, ocupei a Escola Estadual Diadema. Fomos os primeiros a promover uma ocupação como resposta à reorganização proposta pelo governo do Estado de São Paulo naquele ano.

Antes, procuramos outras formas de tentar resolver o problema: abaixo-assinado, online e físico, manifestações pela cidade, reuniões nas secretarias do Estado, mas nada resolveu. Foi então que aprendemos sobre a Revolta dos Pinguins, no Chile [movimento de secundaristas que ocupou escolas, em 2006, para propor mudanças no sistema educacional do país].

A decisão era perigosa, ninguém tinha experiência nisso, então fizemos várias reuniões para decidir como seria. Organizamos equipes, algumas atividades e estratégias. Foi nesse momento que fui escolhida porta-voz da escola. Assim, eu era uma das responsáveis por falar com a mídia.

Ao todo, ficamos por três meses dentro da escola. Não era fácil, tínhamos cansaço físico e mental. Mas estávamos lá por algo maior. Durante aquele período, pensamos em uma escola dos sonhos, onde todos tivessem prazer em estudar. E colocamos em prática.

Arrumamos ambientes que nunca eram usados, tivemos aulas ministradas por voluntários, mais interessantes do que as normais, aprendemos sobre assuntos que não nos ensinavam na grade escolar, propusemos temas sobre os quais queríamos aprender mais, usamos até instrumentos musicais que nunca tinham sido usados na escola.

Falando da minha experiência pessoal, aquilo tudo me transformou. Por ser a porta-voz, percebi, de fato, como nossa sociedade é carente de notícias sérias. Foi aí que tive a certeza de que queria ser jornalista. Hoje, estou no quarto semestre, quase me formando. Acredito que tudo aquilo nos fez mudar nossa maneira de ver o mundo.

Ocupamos nossa escola porque queríamos nos envolver nos assuntos que eram de nosso interesse. Queríamos estar presentes no processo de decisão sobre nossa escola. Com o mesmo orgulho que eu tinha na época, eu digo que faria tudo de novo. Porque sei que fomos responsáveis pelo maior movimento secundarista de São Paulo. Graças a nós, a escola não foi fechada. Hoje existem outros jovens estudando lá. Ela ainda forma pessoas. Não tem como se arrepender disso!"

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Juventude na agenda internacional

"Até os 14 anos, eu não me via participando ativamente de nenhuma causa. Tinha essa impressão de que pessoas comuns não poderiam resolver um problema grande. Para mim, isso era para quem tinha dinheiro e tempo - e eu não tinha nenhum dos dois.

Até que entrei para os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia, onde, em quatro anos, aprendi a tocar violino. Imagine: mais de 100 jovens aprendendo e ensinando uns aos outros, para que pudessem apresentar 30 minutos de algo que emociona a todos.

Aprendi também sobre a força que o trabalho em equipe tem. Aí, em 2016, naquele contexto político em que muita gente ia protestar nas ruas contra o governo, percebi que existiam pessoas com questões mais urgentes do que aquelas, pessoas que não tinham acesso a condições básicas de vida nem informação.

Vi que muitos não tinham nem ideia do que estava acontecendo. Vivemos a era da informação, e, por isso, existe essa impressão de que todo mundo sabe de tudo. Fato é que, apesar de todo o conhecimento estar na internet, isso não significa que ele seja acessível.

Comecei, então, a querer me envolver com projetos de disseminação de informação. Entrei para o Engajamundo, uma organização idealizada e coordenada por jovens. Passei a dar formações em escolas e universidades pensando em construir um espaço saudável e acessível. Lá os jovens, principalmente os negros e periféricos, podem aprender, ensinar e se engajar nas causas que são importantes para eles.

Quero descomplicar assuntos de interesse global, ensinar de jeito simples, acolher e conectar pessoas de modo que todos possam, juntos, se fazer ouvir nos espaços de poder.

Pensar em desistir acontece toda semana. Eu mesmo sou negro e de periferia, e, por muitas vezes, é bem como o [rapper] Emicida diz na música dele: 'Só água na geladeira, e eu querendo salvar o mundo'. Mas ao mesmo tempo eu sei que existem pessoas que não conseguem sonhar. Uma parcela da população nasce em um contexto de escassez e vulnerabilidade tão grande que todo dia é uma luta pela sobrevivência mesmo. Penso que estou criando um modelo de futuro inclusivo em que sonhar não seja um privilégio de ainda menos pessoas."

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Da aldeia para a ONU

"Desde muito criança, nós indígenas participamos das lutas dos mais velhos. Além disso, aprendemos práticas para ter cuidados com a mãe natureza. Quando eu tinha sete anos, por exemplo, participei do reflorestamento das nascentes de um rio em meu território.

Como eu morava em um lugar afastado, em terras indígenas Xakriabá, em São João das Missões (MG), onde não havia muita informação sobre o resto do mundo, eu não entendia como funcionavam essas questões climáticas. Eu tinha uma visão de que nada era ruim, tudo à minha volta era maravilhoso. Até que saí de lá aos 15 anos e vim morar em Ribeirão Preto (SP).

Claro que tive vários benefícios por causa dessa mudança. Consegui abrir mais minha mente sobre outros acontecimentos. Principalmente os relacionados às questões climáticas e, por ser lésbica, ao movimento LGBTQI+. Mas existiram, e ainda existem, os malefícios da mudança. Ainda me sinto mal com esse mundo de fora da aldeia, com o ar, a água e também a falta de respeito por parte de quem não é indígena.

Já das pessoas ligadas aos meus ancestrais sempre tive grande apoio. Sei que ser uma das lideranças da juventude indígena é muita responsabilidade, mas também me faz sentir que as pessoas confiam em mim. Isso me dá forças para que cada vez mais busque visibilidade para que o Brasil e o mundo inteiro ouçam nossas vozes.

Por isso aceitei o convite da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) para participar das discussões sobre questões climáticas na Cúpula do Clima da ONU. Eu queria pedir ajuda lá de fora, mostrar o que estamos passando aqui dentro. Confesso que me senti muito feliz de ver os jovens à frente desse movimento contra as mudanças climáticas. Foi uma preciosidade ver que as pessoas estavam ali para ouvir o que alguém tão jovem como eu tem para falar. Me motivou."

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