Filho da natureza

Ator e defensor do meio ambiente, Mateus Solano incentiva novos hábitos na Globo e recusa propaganda de carro

Juliana Domingos de Lima De Ecoa, em São Paulo (SP) Sergio Santoian/Divulgação

Mateus Solano é um rosto conhecido da televisão. Tão conhecido que sua aparição na tela, na videochamada em que falou a Ecoa de sua casa no Rio de Janeiro, parece um reencontro. Ele conquistou o público com papéis marcantes na última década, que vão do antagonista da novela "Amor à Vida" (2013), Félix Khoury, ao Zé Bonitinho da "Escolinha do Professor Raimundo".

Há alguns anos, Solano passou a usar sua projeção para falar sobre um tema que ele define como "a questão das questões": sustentabilidade.

Mais do que pregar, o ator busca viver de maneira a provocar um impacto cada vez menor no planeta: equipou a casa em que mora com a família com placas solares, um sistema de aproveitamento de água da chuva e uma composteira. Até nas gravações da Globo está sempre dando dicas à produção do que pode ser melhorado em termos de reduzir o desperdício, o gasto de energia ou a geração de lixo.

Ele também deixou de fazer comerciais para empresas que considera como parte do problema ambiental. E se engajou em ações como mutirões de limpeza: "renova a minha esperança no ser humano quando vejo pessoas que não conheço ali lutando por um mundo melhor".

Leia abaixo a entrevista completa.

Ecoa - Acha que ser mais sustentável em casa e nos hábitos do dia a dia é algo que também está ao alcance das pessoas comuns?

Mateus Solano - Sustentabilidade não é só a sua relação com a natureza, com o meio ambiente, mas consigo mesmo, com a sociedade. É a nossa relação uns com os outros. É ser colaborativo, saber que nada se faz sozinho. É aprender com a natureza, e não com o capitalismo, que quer que a gente ganhe porque a gente merece, porque a gente pode ganhar mais. A natureza não ensina assim, ela é colaborativa. A gente tinha que ser uma espécie que colabora com as outras, e não que as assassina, as priva do seu próprio alimento e do seu ambiente.

De que forma isso tudo se cruza com a sua carreira de ator? A pauta ambiental se liga de alguma maneira com os papéis que você faz, com comerciais que topa ou deixa de fazer?

Quando estou fazendo uma novela, fatalmente vou cutucar o povo da infraestrutura, do figurino, todos os inúmeros braços que fazem a novela ir ao ar, para colocar a sustentabilidade ali dentro. Não só para o público, no resultado da novela, mas no dia a dia, porque a gente fica muitos meses convivendo juntos e não dá para ficar esse tempo todo vendo descartável, vendo desperdício de água, vendo as luzes acesas [sem necessidade]. Eu tenho um canal direto com a infraestrutura da Globo onde estou o tempo todo notando coisas e dando dicas [de sustentabilidade]. E eles fazem. Já são duas novelas em que eu comprei 300 copinhos retornáveis e distribuí por toda a [equipe] técnica, para ver se as pessoas iam realmente deixar de usar o copo descartável.

Na publicidade, eu já recusei e tenho recusado muitas coisas de empresas que não tenham compromisso ambiental ou que representam justamente o problema. Já fiz comercial de carro, mas não faço mais, a não ser de carro elétrico ou híbrido, ou de uma empresa que esteja de fato mirando na sustentabilidade.

Bruno Santos/Folhapress Bruno Santos/Folhapress

Desde quando você é ligado em questões ambientais? Como isso começou?

Começou com a minha criação. Costumo dizer que eu fui criado como filho da natureza e não como dono dela. Isso já me distancia de um modo de pensar em que nem animal nós achamos que somos, que vem arrastando a humanidade há milhares de anos para o colapso ambiental.

Mas de um tempo para cá, com essa história de ficar famoso, ter seguidores e tal, senti uma responsabilidade do que fazer com as pessoas que dão bola pro que eu digo. Percebi também que a gente pode apoiar um monte de coisas mas quem apoia tudo não apoia nada, pulveriza de alguma forma a sua influência. Escolhi a questão ambiental [como causa] porque eu acho que é a questão das questões. A gente vem levando tapas na cara dessa questão, antes era de 10 em 10 anos, de cinco em cinco anos, agora a cada mês tem uma tragédia decorrente desse desequilíbrio. A pandemia é uma delas.

Ser cidadão não tem a ver com a minha profissão, com o sucesso que eu tenho nela. A sustentabilidade também me ensina isso.

Mateus Solano, ator e defensor do meio ambiente

Arquivo pessoal

Você mudou sua rotina em função da preocupação com o meio ambiente? Quais hábitos passou a ter ou deixou de ter?

Desde que comecei, há uns cinco anos atrás, a realmente mergulhar mais de cabeça na questão e decidir ser o meu discurso — não apenas ter um discurso, mas também praticá-lo —, são muitas as mudanças no meu dia a dia. Fico sempre ligado nos Rs: como Reaproveitar, Reciclar, Repensar o meu consumo. Essa última eu acho que é a principal: repensar a nossa forma de consumir, se a gente precisa das coisas que está comprando, se as empresas têm alguma responsabilidade ambiental mínima que seja, se aquilo tem menos plástico.

Não saio de casa sem uma garrafa para não comprar garrafinhas de plástico, sem uma sacola retornável. Não uso realmente plástico descartável, descartei do meu dia a dia.

Tenho um carro híbrido, teto solar na minha casa, coisas que são inviáveis para a maioria da população, mas não deixo de falar. Carrego meu carro com a energia do sol. E tenho uma composteira também: restos de frutas, de legumes, acabam virando adubo para as minhas plantas, muitas vezes para frutas e legumes que eu planto na minha casa, e reaproveitamento da água da chuva. Mas o mais importante disso tudo é o repensar, estou sempre repensando e, numa bola de neve do bem, conquistando novas formas de ser mais sustentável de uma forma gostosa, prazerosa e natural.

Quais benefícios isso trouxe para a sua vida?

Muitos, não só esse prazer genuíno de uma bem-aventurança, de se sentir conectado com o sentido de estar aqui vivendo, mas tem um retorno financeiro também tanto na minha conta de luz quanto o que acabo não gastando. Várias economias acabam decorrendo dessas atitudes sustentáveis que a gente toma no dia a dia. Vejo meus filhos também mais conectados, porque eu faço aquilo que falo, vejo-os levando esse exemplo para os coleguinhas e multiplicando na escola, onde a gente acaba levando projetos que falam sobre isso.

É um trabalho de cidadania. Lembro de um mutirão de limpeza em que eu estava perto da lagoa suja tirando lixo e vi que tinha um gari me olhando e dando risada, [ele disse] 'Mateus Solano, o que você está fazendo aí, rapaz?'. Estava implícito no discurso dele que eu sou um ator de sucesso e não tinha que estar catando lixo. Mas o fato de eu ser um ator de sucesso não me torna um cidadão de sucesso.

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Você citou seus filhos. Você se preocupa com como a crise climática vai afetar o futuro deles?

É muito triste saber que inevitavelmente, graças às ações que vieram de antes de nós, mas que estamos replicando, os meus filhos vão ter um mundo pior do que o que eu tive, com menos ar puro, com oceanos mais ácidos, com o clima maluco, sem falar das enchentes, de todas as desgraças que podem varrer as cidades litorâneas, por exemplo.

Você pode estar no time dos que limpam ou dos que sujam, a gente tenta estar mais no dos que limpam e menos no dos que sujam. Meus filhos veem esse dia a dia, têm esse exemplo, replicam isso, levam para a escola, como eu disse, de uma forma natural.

Artistas engajados em alguma causa são mais cobrados do que aqueles que não têm envolvimento com causas?

Claro, a gente é sempre cobrado, ainda mais nessa terra de ninguém que é a internet. As minhas atitudes refletem o meu pensamento, mas sou muito aberto a ouvir tudo que tenham a dizer sobre mim. Por exemplo, eu como carne, às vezes faço um churrasco. Com todo absurdo que está por trás, é cada vez mais difícil comer carne. Mas eu vou num passo a passo, de uma forma natural. Eu acho que essa naturalidade passa [para os outros], é difícil me cobrarem, mas podem cobrar também.

Você pretende então deixar de comer carne?

Sim, eu quero parar. Estou caminhando com naturalidade, sem falar 'amanhã eu vou parar'. Mas aqui em casa a gente come muito menos carne, especialmente a vermelha.

A pessoa mais negacionista hoje, vai ser uma pessoa muito mais sustentável daqui a 10 anos, porque não tem outro jeito se a gente quer sobreviver como espécie.

Mateus Solano, sobre engajar as pessoas para mudar hábitos

Por outro lado, sabemos que a nível global os mais ricos estão entre os maiores responsáveis pelo aumento de emissões nas últimas décadas. Como a elite brasileira pode ser parte da solução quando se trata de cuidar do planeta?

Quando a gente fala de cuidar do planeta, está falando principalmente para essa elite. A gente não pode pedir ao cidadão que está ali precisando de coisas básicas que não consuma descartável. Como falar isso se a marmita vem num negócio descartável, como falar para separar o lixo se a pessoa vai ter que andar meia hora para chegar no ecoponto porque o caminhão do lixo reciclável não passa na frente da casa dela?

Sem equidade social, a luta ambiental é jardinagem, como dizem por aí. Quando eu não me privo de falar do meu carro elétrico e placa solar, é porque eu sei que posso influenciar pessoas que podem e devem aquecer esse mercado para que daqui a pouquíssimo tempo essas coisas sejam uma realidade para todo mundo.

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