Moda consciente

'Não dá para comprar 30 blusinhas de PET reciclado e dizer que sou sustentável', diz Marina Santa Helena

Luíza Antunes Colaboração para Ecoa, de Sheffield (Inglaterra) Laís Telles

"Quando eu falo de se informar, acho que é o básico. A roupa está em contato com o nosso corpo o dia inteiro. Não dá para comprar 30 blusinhas de PET reciclado e dizer 'sou sustentável'", diz a consultora de estilo, pesquisadora e influenciadora digital Marina Santa Helena.

Em sua pesquisa sobre estilo e sustentabilidade, no mestrado em têxtil e moda pela USP, ela pensa em como as pessoas podem otimizar as peças que já têm para criar o seu estilo pessoal. Para além disso, Marina se define como uma mulher de mil profissões. Além de consultora, comanda dois podcasts: "Estilo Possível", sobre moda, e o "Wanda", sobre cultura. Também é professora de sustentabilidade na indústria têxtil da pós-graduação em Negócios de Moda do Senac.

Um de seus principais questionamentos é até que ponto se pode pensar em sustentabilidade na moda dentro do sistema capitalista. "A sustentabilidade é muito frágil dentro dele. Muita gente até fala que ela nem existe." Também aponta que a responsabilidade sobre o consumo não deveria recair exclusivamente sobre o consumidor. "São as empresas que gastam mais água, mais insumos, liberam mais carbono na atmosfera. É importante que primeiramente as empresas tomem a iniciativa, e também os governos."

Ainda assim, ela acredita que informação e repensar hábitos pessoais podem sim contribuir. Na conversa com Ecoa, Marina reflete sobre a indústria da moda e a sustentabilidade e apresenta possíveis soluções envolvendo o consumo consciente.

Laís Telles Laís Telles

Ecoa - Está cada vez mais claro que a sustentabilidade precisa ser pensada não só de forma ambiental, mas também social e econômica. Como você vê a evolução da discussão sobre sustentabilidade na moda nos últimos anos?

Marina Santa Helena - Existem inúmeras iniciativas hoje, dentro do segmento da moda, para se dizer que um produto é sustentável. Por exemplo, o Brasil é o único país que tem toda a cadeia de beneficiamento de algodão. Do plantio à fiação, tudo é feito no país. Existem várias iniciativas que olham para isso, que avaliam se é um algodão orgânico, ou se utiliza menos agrotóxico. Pensar nas pequenas comunidades que estão produzindo esse algodão, remunerar melhor, ter um sistema de cooperativa, tudo isso são coisas que são faladas e pensadas nos últimos 10 a 20 anos.

Tem sido muito cobrado que as empresas tenham essas iniciativas. A grande dificuldade de se ter um produto sustentável, de colocar um selo e dizer que ele é sustentável, é ter um padrão único. São muitas camadas envolvidas, nada é simples quando a gente fala de sustentabilidade.

Para um consumo consciente é necessário que o consumidor fique atento à cadeia produtiva daquilo que compra. Como se informar sobre isso?

A informação é sempre o melhor caminho para qualquer coisa que a gente vá consumir, e é primordial para que a gente pense a sustentabilidade. A roupa tem uma etiqueta de composição, é obrigatório ter isso. É para você ver de que é feita e de onde veio. E pensar a respeito. Será que sendo brasileiro, tendo uma cadeia completa de algodão no país, precisa consumir uma peça que vem de outro lugar, com uma matéria-prima duvidosa, que daqui a um tempo nem vai conseguir usar mais porque não resiste a tantas lavagens? Além disso, para encontrar mais informações, tem o Google, as redes sociais, relatórios de marcas, livros e filmes. Tem muita coisa disponível gratuitamente, basta buscar.

Tem marcas que aparecem toda hora em propagandas nas redes sociais lançando muitos modelos, 7 mil novos modelos por dia. Será que é necessário? Uma roupa inteiramente de poliéster, uma roupa que vem a um preço muito baixo... Acho que é para se desconfiar.

Marina Santa Helena, consultora de estilo e pesquisadora

Divulgação

Para produzir peças de poliéster ou outros tecidos sintéticos, gasta-se mais de 70 milhões de barris de petróleo todos os anos. Além disso, elas demoram mais de 200 anos para se decompor. Muitas marcas apresentam peças de poliéster reciclado como uma alternativa sustentável. É o suficiente?

Sempre é dito que reciclar é muito melhor do que usar uma fibra virgem, uma fibra nova que foi feita do zero. De fato, o poliéster é uma fibra não renovável, porque é feita de petróleo. Mas essa reciclagem raramente é feita de outras roupas. Uma roupa de poliéster reciclado muitas vezes vem de garrafa PET, que hoje tem sido bastante usada dentro da composição desse novo poliéster.

A curto prazo é interessante. Mas a longo prazo, é como se tirasse o lixo de algum lugar e jogasse no outro. A pessoa vai usar aquela roupa de poliéster reciclado, que é uma mistura de coisas, por exemplo, um pouco de algodão e um pouco de poliéster. O algodão é biodegradável e o poliéster não. E não dá para separar mais. E depois, como se recicla isso? É como se a gente estivesse adiando o problema.

Qual a alternativa possível?

Eu sou da turma que gosta de buscar roupas usadas. Eu acho que a melhor roupa é sempre aquela que já está pronta. Se for comprar uma nova, dou prioridade a marcas de slow fashion, de preferência nacionais. Uma marca de slow fashion é um sistema oposto ao fast fashion. O fast fashion vem colocar novos modelos, novos estilos, 7 mil roupas novas por dia. Traz muita novidade, mas nem sempre é algo de qualidade, algo que vai durar. É imediatista. E o slow fashion se opõe a isso. É uma roupa que demora mais para ser feita — se você comprar, não vai chegar no dia seguinte. É mais pensada dentro de um sistema sustentável, com tecidos naturais como linho, algodão, às vezes cânhamo.

Laís Telles Laís Telles

Brechós têm ganhado cada vez mais espaço no mercado de moda. Mas muita gente ainda tem preconceito. Como convencer mais pessoas a buscar esse tipo de peças?

As pessoas têm preconceito com brechó porque a maioria delas não tem acesso a roupa nova. As roupas são doadas da irmã, da prima, do bazar da igreja. E isso causa uma sensação de 'quero uma roupa nova'. A roupa nova é um dispositivo de ascensão social, uma moeda social. Esse preconceito é justificado por uma questão social, por uma questão econômica do Brasil.

Mas, em se falando de brechós, a gente vê que tem uma tendência de luxo. Tem muitas marcas grandes no Brasil e no exterior comprando brechós, comprando partes de sites de revenda de roupas online.

E de fato tem muita roupa disponível no mundo. Muita roupa boa, roupa de qualidade, que deveria voltar a circular e que as pessoas jogam fora. E isso é um movimento que, por essas pessoas que consomem moda de luxo adotarem, faz com que se estenda também para outros consumidores de moda. Essa movimentação já está acontecendo, e eu vejo isso se expandindo no futuro.

Por que a indústria da moda gera tanta roupa que é depois jogada nos aterros sanitários, nos lixões pelo mundo, se tem gente que não tem o que usar? Se tem tanta roupa disponível no mundo, por que nem todo mundo tem acesso? Isso é uma coisa que a gente pode pensar dentro dessa lógica de tentar entender melhor a moda.

Marina Santa Helena, consultora de estilo e pesquisadora

Laís Telles

Uma das premissas do consumo consciente é consumir menos. Você acha que é uma tendência as pessoas comprarem menos? Qual seria sua sugestão para elas aproveitarem melhor o que já têm?

Eu espero que, mais do que uma tendência, isso seja a regra a partir de agora. Por que é necessário ter tantas peças? Vamos pensar de um jeito a utilizar mais as peças que a gente tem.

A primeira coisa é ver tudo o que já existe lá dentro do guarda-roupa. Quais são as peças que te incomodam, que peças te deixam confortável? E a partir disso entender o que tem e o que não tem, e tentar maximizar aquilo.

Fazendo essa otimização, investindo em peças que são mais certeiras, a coisa fica mais fácil. Você vai numa loja com um objetivo. Você não vai comprar 30 blusinhas. Ninguém precisa disso. Sempre recomendo fazer uma lista do que precisa mesmo, olhar a situação de um jeito macro, não ser imediatista.

E cuidar bem das peças. Olhar as instruções de lavagem, de como cuidar melhor da peça para que ela dure mais tempo.

Vamos pensar juntos uma roupa? Ela não é só o tecido. Ela tem forro, botão, zíper, linha. Para ser reciclada, precisa ser despida de tudo isso, ser separada de todos esses materiais. Tem muitas marcas de slow fashion que olham para isso: o botão é biodegradável, os processos de tingimento são mais amigáveis ao meio ambiente. Essas seriam algumas alternativas.

Marina Santa Helena, consultora de estilo e pesquisadora

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