Pole position verde

Campeão da Fórmula E, Lucas Di Grassi acredita em futuro com veículos elétricos nas ruas e no ar

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo (SP) Divulgação

Lucas di Grassi é ex-piloto da Fórmula 1 e campeão da categoria só com carros elétricos, a Fórmula E. No futuro, prevê que ônibus, motocicletas, patinetes, bicicletas, caminhonetes e carros particulares sejam elétricos iguais ao carro que o tornou campeão. As cidades serão, acredita ele, mais silenciosas, menos perigosas e poluídas. Em duas décadas, pode haver até um carro voador no céu, aposta. E elétrico. "Será mais barato do que um helicóptero e um pouco mais caro do que um Uber."

Nascido em São Paulo e morador de Mônaco, di Grassi defende que as fontes renováveis brasileiras, como as hidrelétricas, eólicas e solares podem ajudar o país a estimular o fim dos carros movidos a combustível fóssil, que usam petróleo e emitem poluentes na atmosfera, e criar uma cadeia sustentável e renovável. O mesmo objetivo está na agenda de grandes poluentes, com os Estados Unidos, Europa e China.

Segundo ele, seria preciso aliar governo com a iniciativa privada para criar pontos de recarga, competição entre empresas e isenção de taxas para baratear o veículo eletrificado. O piloto de 37 anos foi a Brasília apresentar ideias a ministros, mas acredita que nem Jair Bolsonaro (PL) nem os governos anteriores de Dilma Rousseff (PT), Lula (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lideraram o país para uma energia mais verde.

Para Ecoa, di Grassi aponta caminhos para chegar a um futuro mais sustentável. "No futuro, [ter um carro a combustão] vai ser igual fumar no avião."

Audi Communications Motorsport/Divulgação Audi Communications Motorsport/Divulgação

Ecoa - Se a gente continuar usando carros movidos a combustível fóssil, o mundo vai acabar?

Lucas di Grassi - Não. Os carros não são toda a poluição na terra e eu ainda não acho 100% sustentável ter um carro elétrico de 4 toneladas usado para transportar uma pessoa de 80 kg. Um carro como esse precisa derreter aço, alumínio, cobre, níquel, cobalto. A energia consumida por quilômetro é muita alta. As pessoas pensam que é só usar carro elétrico, parar de comer carne e [vai ser sustentável]. Não é assim. É preciso olhar a sustentabilidade de uma forma geral, desde a cadeia produtiva. No Brasil, se tivesse infraestrutura e segurança, uma bicicleta elétrica seria bem melhor do que um trajeto feito por carro, mesmo elétrico. Sustentabilidade também é diferente de poluição. Um carro movido a etanol é carbono neutro, por exemplo, pois vem da cana-de-açúcar, mas você morre asfixiado igual a um carro a gasolina se ligá-lo. Ele também produz monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio.

Como tornar o carro elétrico mais acessível?

Não temos carro elétrico, porque o governo não faz nada e poderia até fazer: não cobrar IPVA de carros elétricos, impor rodízio. O custo para comprar um carro elétrico o torna acessível para pouca gente, mas poderia ter empréstimo a juro zero para comprar um carro elétrico, e você rapidamente pagaria com a economia de gasolina. Só que os juros no Brasil são altos e prejudicam a população pobre — o oligopólio de bancos torna tudo muito caro. Além disso, existe o lobby das montadoras, da Petrobras e o pré-sal tanto defendido pela esquerda, um negócio sem timing e que só introduz mais combustível fóssil na nossa matriz energética, né? Ficamos 20 anos discutindo esse timing. Mas há uma série de erros políticos inerentes à falta de planejamento do Brasil.

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Há algum país onde já se tem uma realidade de carros elétricos na rua?

Total. A China é o principal mercado de carros elétricos. A poluição do ar é tão intensa em Xangai que a pessoa não consegue respirar. Tem o carro, a scooter elétrica. Aliás, para um motorista de Uber em São Paulo que roda 200 km por dia no Brasil e paga R$ 8 de gasolina, sai mais em conta em ter um elétrico. Os países poluidores, como Estados Unidos e China, e o bloco europeu, que emitem grande parte do CO2 no mundo, já têm bastante carro elétrico. A tendência é a mobilidade elétrica. Você tem uma série de benefícios e o peso na carteira é o que mais influencia no final. Quando você economizar e tiver uma qualidade de produto melhor, todo mundo vai trocar para elétrica.

Qual invenção elétrica é uma novidade muito futurística?

A gente pode falar de carro voador, né? A Embraer está fazendo um táxi elétrico que voa como um helicóptero. Diminui o barulho na cidade, aumenta a eficiência e é 10 vezes mais barato do que ir de helicóptero entre São Paulo a Campinas e um pouco mais caro do que um Uber.

Um carro elétrico já consegue ser tão eficaz quanto um de combustão convencional?

Médio. Obviamente, ainda há uma limitação da autonomia. Em trajetos longos como Rio de Janeiro e São Paulo não é possível rodar 500 km sem recarregar. Mas para a frota do Uber funciona super bem o carro elétrico, quando o cara roda 200 km em centros urbanos. Motos do iFood, vans de entrega e todo o transporte coletivo emitem uma poluição absurda, e faz sentido a eletrificação, até mais do que a frota privada. É possível ter um ônibus que recarregue em algumas paradas, seguindo a mesma rota determinada, e rode 24 horas. São coisas que existem. Lembra dos ônibus elétricos em São Paulo? Há o desenvolvimento de uma recarga wireless, em que um robô faz a recarga, uma empresa chamada Arrival; a BYD está criando caminhões, ônibus e caminhões elétricos. Quem roda muito precisa ser eletrificado.

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Você foi à Brasília falar de eletrificação. O governo Bolsonaro demonstra interesse no tema?

Conversei com o ministro [da Infraestrutura] Tarcísio Gomes de Freitas e alguns outros. No final, independentemente de quem governe o Brasil, ele precisa de uma série de coisas do governo e fora do governo. Nosso sistema presidencialista requer o Congresso. Um presidente tem poderes limitados. Não digo se isso é bom ou ruim, mas um presidente tem poder limitado do que pode fazer. O [presidente] Jair Bolsonaro não é um cara com uma base científica e tecnológica. Ele tem ministros, como o Tarcísio, que deixou claro para mim a criação de pontos de recarga [para veículos elétricos] em estradas como a [rodovia federal Presidente Dutra] entre Rio-São Paulo. Existe um movimento, não na dimensão que eu gostaria, e é o primeiro governo a fazer. O governo do PT ficou discutindo sobre o pré-sal e, nos últimos 16 anos, ninguém fez nada em relação à sustentabilidade. Ao contrário. Queriam aumentar o uso do petróleo e da Petrobras. Não sou contra usar a queima do óleo em benefício da população brasileira, mas se falou muito e se fez pouco. Desde que nasci, em 1984, desde quando tenho qualquer memória, não lembro de um presidente que liderou a modernização da indústria, diminuiu a burocracia, melhorou a parte tributária e acabou com privilégio político para acertar o Brasil. É quase sempre o mesmo resultado e é frustrante.

Quando se compra um carro, ele fica 95% do tempo parado, o carro perde valor. É como pagar aluguel para ficar só 2 ou 5 dias do mês em casa. Não faz sentido.

Lucas Di Grassi, piloto campeão da Fórmula E

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Embora haja o movimento por mais carros elétricos nas grandes cidades, não seria melhor investir em transporte coletivo?

Sem dúvida. Em uma cidade na Suíça, perto de onde moro, tem algumas cidades pequenas onde não se pode entrar com carro. Só existem microveículos elétricos, que operam como táxi, e trens e ônibus eletrificados. Funciona e me fez pensar em São Paulo. É uma cidade pequena, mas a multiplicação de várias cidades como essa, com uma cidade menor e com acesso a hospitais, poderia ser uma cidade mais eficiente. Ou não. Por exemplo, não daria para uma cidade assim comportar uma USP ou um grande hospital, que são mais eficientes por serem justamente maiores. Por isso, sou a favor da micromobilidade: uma scooter, um patinete para distâncias para você se locomover; ter bairros autônomos dentro da cidade e diminuir distâncias.

O microbility, em inglês, seria pegar uma bicicleta até um local, voltar de Uber, ou pegar um patinete até o metrô. Faz até mais sentido do que sair com um veículo elétrico.

Você acha que a gente vai ver esse futuro das cidades eletrificadas ainda na nossa geração?

Sem dúvida. A gente vai ver isso daqui 20 anos em São Paulo. Há 20 anos ninguém tinha celular. As transições são rápidas. O carro a combustão vai ficar caro e talvez será de colecionador. O elétrico, mais barato com novas tecnologias combinadas. [Hoje] você lembra que as pessoas fumavam no avião e fica pensando: como isso era possível? Não tem mais volta.

Carl Bingham/LAT Images Carl Bingham/LAT Images

Lewis Hamilton tem defendido uma Fórmula 1 mais sustentável, mas o grande problema ainda é a logística. A Fórmula E resolveu esse problema?

Olha, 95% das emissões da Fórmula 1 são do transporte. Levar um carro de Abu Dhabi até o México e depois para a China consome muito mais recursos do que o próprio carro. Na Fórmula E, fizemos um calendário maior de provas. Tiramos o avião e mandamos de navio, que é um pouco mais eficiente. O sistema de recarga de carro já está pronto, para evitar locomoção para montar. O grande diferencial é que a Fórmula E tem uma tecnologia que vai ser usada no futuro. Se a gente desenvolver um veículo com mais autonomia, ele poderá ser usado como base para motores elétricos do mundo inteiro. Os motores da Fórmula 1 custam 1 milhão de euros e não vão chegar em carro de rua. O da Fórmula E custa sete mil dólares.

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