O Kaique está on

Kaique Brito viralizou aos 14 anos com vídeos que unem humor e defesa do meio ambiente e dos direitos humanos

Camilla Freitas De Ecoa, em São Paulo Divulgação

Em junho de 2019, a vida do menino Kaique Brito, hoje com 16 anos, mudou. Depois de receber de uma amiga um vídeo pelo WhatsApp, ele decidiu dublá-lo nas suas próprias redes sociais, acrescentando uma boa dose de humor. No vídeo, uma mulher diz que os negros estão, agora, sendo racistas com pessoas brancas.

"Eu sabia que aquilo era absurdo, já tinha visto vídeos e lido sobre", diz o adolescente nascido em Salvador. A acusação de "racismo reverso" não tem cabimento, como explica o advogado e professor universitário Silvio Almeida no livro "Racismo Estrutural": "membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários."

Mas voltemos à história de Kaique. Um amigo o incentivou a postar a dublagem no Twitter e da noite para o dia o vídeo ganhou mais de 100 mil curtidas. Hoje, conta com 160 mil likes, 63,7 mil repostagens e 3,4 mil comentários. "Surreal", comenta sobre a viralização. Com ela, os números de seguidores bombaram, e Kaique soma mais de 240 mil seguidores no Twitter com seus 116 mil no Instagram e 169 mil no TikTok.

Aproveitando o sucesso, ele continuou a abordar assuntos como política, meio ambiente, direitos humanos e causas LGBTQIA+. Sempre usando o bom humor, sua marca registrada. Mesmo quando fez vídeos dublando membros do governo e foi bloqueado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Kaique aproveitou para ironizar o fato. "Não vou ficar neutro, eu viralizei com meu posicionamento, não faz sentido do nada parar de me posicionar sobre as coisas", comenta ele, que também é embaixador do WWF-Brasil e ajuda a divulgar campanhas e discussões promovida pela ONG em defesa do meio ambiente.

Mas o que leva um garoto tão jovem a falar de temas tão complexos? Ecoa bateu um papo com Kaique para entender o que o motiva a ser um jovem ativista e como ele entende a importância das redes para divulgar causas sociais.

Ecoa - Você estourou com um vídeo irônico dublando uma pessoa falando que existe racismo reverso. Como passou a se interessar por essa causa?

Kaique Brito - Eu passei a me interessar por conta da internet. Claro que sempre teve o apoio e incentivo da escola, mas acho que o contato com pautas sociais de forma mais profunda foi na internet. Eu já via que se tratava de um assunto importante e na internet eu comecei a aprender mais.

O humor é natural no seu trabalho, mas muita gente acha que ativismo e a luta pela natureza são chatos. É possível falar sobre esses conteúdos pesados de forma leve? Que dicas você pode nos dar?

Com certeza, mas nunca esquecendo de como esses assuntos são pesados, como essas coisas prejudicam muita gente. Os meus vídeos sempre foram pensados com humor, sabe? Mas cada pessoa vai falando na internet do jeito que mais se sente confortável. Se quiser falar sério, fale, se quiser falar zoando, fale, mas sem perder a essência do que é, realmente, aquilo. E, no final, quando a gente reclama de alguém que acha que racismo reverso existe de forma irônica, a gente está criticando o que aquela pessoa está falando, mas ao mesmo tempo está rindo da situação.

E quais são as suas referências para abordar todos esses temas? Em quem você se inspira e também acompanha nas redes?

Sempre que me perguntam isso, eu nunca consigo lembrar exatamente as pessoas, mas sei listar algumas. Por exemplo, o canal Cadê a Chave no Youtube. Eu sempre acompanhei eles jogando Minecraft, mas eles também têm alguns vídeos mais políticos e assim eu comecei a gostar. Tem o Leví Kaique lá no Twitter, também, acompanho bastante ele. E eu lembro que eu assistia muito o Luba, ele falava muito sobre homofobia. De modo geral, acho que sempre fui me atraindo na internet por quem fala sobre esses assuntos.

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Em relação aos comentários negativos, como você lida com eles?

É uma coisa que eu acho que ninguém nunca está 100% preparado, mas eu já tinha esse pensamento prévio de que, na internet, isso é comum, que todo mundo passa. Só que quando aconteceu comigo foi diferente. Costumo pensar que as pessoas estão julgando um vídeo meu, elas não me conhecem.

E seus pais, não se preocupam?

Em relação aos meus pais, essa coisa de 'hate' já é algo mais novo. Teve uma vez que meu pai me ligou porque estava preocupado com a quantidade de 'hate' que eu estava recebendo por um negócio que postei. A gente vê como o nosso governo é, e o que aconteceu com o Felipe Neto, por exemplo. Mas eu não vou parar de fazer o que eu faço, até porque dá certo.

Você recebe mensagens de outros jovens dizendo que passaram a pensar e falar mais com outras pessoas sobre determinada causa de direitos humanos ou ambiental que você aborda nas suas redes?

Cara, isso é uma coisa muito singular do que aconteceu comigo, porque eu viralizei já com meu posicionamento. E eu acho que a partir daí já vieram me seguir pessoas que concordavam comigo. Eu recebo, sim, mensagens de pessoas da minha idade, mas meu público ainda é mais adulto. O que acontece é eu receber mensagens de pessoas felizes dizendo que o que eu estou falando é o que elas pensam. Às vezes, meu vídeo sai da minha bolha na internet e é isso que eu mais gosto, porque, quem sabe, isso pode criar uma reflexão e instigar um tiquinho o pensamento de alguém que pensa diferente, que não faz parte do grupo das pessoas que já concordam comigo.

Outros criadores de conteúdo deveriam tentar se associar a alguma ONG que fale sobre esses assuntos socioambientais ou realmente seguir e passar o assunto para frente

Kaique Brito

Instagram/Reprodução

E por que você acha que o diálogo na internet com pessoas que pensam diferente é tão importante?

Quando as pessoas dialogam ninguém perde. Às vezes, a pessoa só tem um pensamento porque acha que vai beneficiar ela mesma, mas não vai. Por exemplo, se a pessoa tem uma opinião de que é bom o desmatamento, a grilagem, ela precisa ver como isso impacta negativamente a vida dela. Eu acho que quando tem diálogo, ela pode perceber isso. E eu percebi isso quando sai da bolha do meu bairro e fui estudar em outra escola. Chegando lá, eu ouvi opiniões que nunca tinha ouvido e minha mente explodiu. Eu tinha vários pensamentos gordofóbicos, por exemplo, e pessoas gordas na minha sala me falaram sobre o problema desses pensamentos e aprendi muito com elas. Não se ganha nada sendo preconceituoso, sabe?

Da Greta, na Suécia, às crianças processando São Paulo por conta do aquecimento global, por que essa geração mais jovem tem sido protagonista na luta pelo meio ambiente?

Acho que é porque essa é uma geração que está mais acostumada com a internet. Às vezes, uma criança de doze anos está pesquisando alguma coisa no YouTube e cai em um vídeo de alguém falando sobre meio ambiente, se interessa por aquilo e usa a internet para buscar mais informação, e as redes sociais para repassar essa informação. É tudo mais fácil.

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Por outro lado, muita gente critica o impacto das redes sociais na radicalização da política. Mas você as usa como ferramenta de mudança. Qual importância você vê nas redes sociais para divulgar essas causas?

Toda, toda importância. A internet é literalmente o nosso grande poço de informações, a gente só tem que ver de onde essa informação vem e como a gente a está usando. Na internet o alcance é muito maior, então, ela tem um papel muitíssimo importante, porque democratiza mais o acesso às informações. Só que tem que usar fontes confiáveis, e isso é um constante exercício que eu acho que todo mundo deveria fazer porque a gente não nasceu preparado para a internet. O simples ato de você seguir um site de notícias no Twitter ou no Instagram já ajuda. Se você está lá no YouTube, pesquise. Tem o Google também! A partir dessas plataformas você ganha tanto conhecimento que não sei nem explicar.

O que jovens como você podem fazer para ajudar a mudar o mundo?

Cada vez mais, a gente só precisa pensar e falar desses assuntos socioambientais e passar a prestar mais atenção nisso. E, também, sair um pouco daquela responsabilização superindividual. A gente sempre fala muito "vamos economizar água" e não que seja uma mentira, não é, vamos economizar água mesmo. Mas tem que ser mais que uma apresentação com cartaz na escola falando para economizar, isso envolve muito, muito mesmo, política. A gente tem que, cada vez mais, se ligar nisso, fazer a nossa parte, mas nos atentar a quem está lá em cima nos cargos de poder. Fazer pressão nos políticos é que faz toda a diferença. Como eu já disse, também tem que se atentar às fontes de informação e ter um pensamento mais crítico.

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