Amor vira-lata

Com o projeto 'Casa do Vira Lata', Gabriel Chaves criou um lar para acolher cães e gatos abandonados

Maiara Marinho Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP) Guilherme Sidrim/UOL

"Onde eu moro, em Ferraz de Vasconcelos, tem um Rodoanel que faz divisa com outras cidades. Em abril de 2019, falaram que uns filhotes tinham sido abandonados ali, em um local que é uma estrada próxima de uma área de construção, não tem nem acostamento. Eu achei muito perigoso e fui pegar os filhotes.

Quando cheguei lá, vi que eram 17, todos com sarna. Levei para minha casa. Quando falei para o meu pai que teríamos que colocar um portão na garagem para deixar os filhotes seguros enquanto deixava meu carro na rua, ao invés de de questionar, ele já chegou com uma solução: colocar câmera para a segurança do carro e garantir a separação na garagem para a segurança dos filhotes. Aí eu fiquei com 17 filhotes em tratamento. Foi quando eu fiz um perfil no Instagram chamado 'Adota um Cão'. Comecei a postar os filhotes lá, o Instagram cresceu, doei todos em 5 meses.

Depois disso, comecei a resgatar outros filhotes, cuidava e os colocava para adoção. No dia 4 de janeiro de 2020, o projeto se transformou na 'Casa do Vira Lata' e, em fevereiro de 2021, expandi o projeto para adoção de gatos também. Atualmente estou construindo um canil e a ideia é formalizar o projeto para transformá-lo em um abrigo até o final deste ano".

Guilherme Sidrim/UOL
Guilherme Sidrim/UOL Guilherme Sidrim/UOL

Amor independente da raça

Numa viela localizada na cidade de Guarulhos, Gabriel Chaves aluga uma casa que é o lar de cães e gatos à espera de adoção. O local é todo equipado para os bichinhos ficarem confortáveis. Logo na entrada do portão principal, a cachorrinha Lívia espera feliz para receber quem chega. Adora o carinho que recebe, mas reclama, com latidos, se o carinho é destinado para outro animal. "Ela quer atenção só pra ela", comenta Gabriel.

Em média, por ano, são cerca de 100 doações de animais que chegaram ali por motivos variados, a maioria fruto de abandono. Mas este ano já superou o número, chegando a 126 doações até o mês de junho. Ao todo, nesses três anos, já foram mais de 700 animais acolhidos.

Nas redes sociais, Gabriel mostra o cotidiano de um protetor de bichos com bom humor, mas sempre falando sério. Agora já são mais de 146 mil seguidores no Instagram, 60 mil no Twitter e 1 milhão no Tik Tok. Com o grande alcance de suas redes sociais, ele as usa como plataformas para levar a mensagem de que não existe cachorro ou gato de rua. "Existem animais nas ruas, e eles precisam de nós", relembra frequentemente.

No início, quando começou de maneira espontânea com o resgate de 17 filhotes na estrada, Gabriel recebia várias mensagens perguntando quando ele teria cães de raças, como yorkshire e shih tzu, para adoção.

Por isso, ele resolveu rebatizar o projeto. O que antes era 'Adota um Cão', se tornou 'Casa do Vira Lata', para que assim todos soubessem logo de cara o que iriam encontrar por ali: amor pelos animais, independente da raça.

Não existe agendamento de resgate, a pessoa que está fazendo a adoção, não está fazendo nenhum favor, ela está adotando porque ela quer adotar, porque ela acredita que é capaz de dar amor para um bicho.

Gabriel Chaves, idealizador do projeto 'Casa do Vira Lata'

Guilherme Sidrim/UOL

A casa, onde hoje moram os bichos, é cercada por playgrounds, em todas as salas os gatinhos pulam de um brinquedo a outro. De diferentes tamanhos, cores e jeitos, os animais circulam livremente. Em um dos cômodos, os medicamentos e utensílios para cuidados ficam organizados em prateleiras. O local como um todo é amplo, organizado, limpo e cheio de amor. É ali que Gabriel, junto com o seu companheiro Diego Rueda, estudante de medicina veterinária, se dedicam com muito apreço pelo projeto.

Para manter essa iniciativa de pé, no entanto, eles contam com parcerias e apoios. O financiamento pelas plataformas Picpay e Apoie-se oferecem as opções de doação mensal de R$1 até R$50. Além disso, a marca Vetnil oferece R$15 mil por ano para compra de medicamentos, uma parceria com a marca de ração Royal e um apoio anual de verba de R$12 mil. Gabriel também tem uma parceria com a Chevrolet, que doou um carro para uso do projeto.

Guilherme Sidrim/UOL Guilherme Sidrim/UOL
Guilherme Sidrim/UOL

Como adotar?

Mesmo morando em outra cidade, o fundador do projeto vai todos os dias até Guarulhos e fica lá até a noite, dando atenção aos animais e organizando as adoções. Lá, a médica veterinária Valquiria Tavares visita o local todas as quartas e domingos para medicar, trocar curativos e conferir se todos estão saudáveis. É um cuidado contínuo fruto de uma parceria consolidada. Tudo feito para que a futura adoção seja realizada de maneira responsável.

O processo é todo acompanhado por Gabriel. A pessoa interessada em adotar precisa indicar o animal que ela quer pelo nome. Depois disso, é feita uma entrevista de maneira virtual. Nela, o protetor de animais pergunta a idade da pessoa, onde ela mora, com quem mora, se já teve um animal antes, o que aconteceu com ele.

Feito isso, é solicitado o envio de um áudio com todas as pessoas da casa se apresentando e informando que estão em acordo com a adoção, inclusive os inquilinos de quintal, se for o caso. Depois, a pessoa mostra em vídeo todos os cômodos da casa e o local destinado para o bichinho. E, por último, Gabriel vai até o local conhecer a instalação e fazer mais perguntas, conhecer de perto o futuro lar adotivo.

Quando a adoção é formalizada, no dia seguinte ele já envia mensagem para saber como foi a primeira noite. No caso de filhotes, os pais adotivos recebem um vale castração gratuito. Então, quando chega a data para fazer o procedimento, ele entra em contato para conferir se está tudo certo para o animal ser castrado. O vale é oferecido através de uma parceria com a clínica Social Vet, parceira do projeto.

"Se quando a gente chega é diferente do que foi mostrado ou na verdade a gente percebe que o animal não vai ficar em segurança, por exemplo, se não tem telas na casa, ou algo assim, eu falo que infelizmente a adoção não vai poder acontecer e geralmente é bem tranquilo", diz

Guilherme Sidrim/UOL Gabriel Chaves e Diego Rueda trabalham juntos na Casa do Vira Lata

Gabriel Chaves e Diego Rueda trabalham juntos na Casa do Vira Lata

Arquivo Pessoal
Roger, Jade e Paolo foram adotados na Casa do Vira Lata

Os "rocamboles"

Gabriel relata que raramente ocorrem devoluções, mas sempre que uma família retorna informando que quer devolver o animal adotado, ele não pensa duas vezes e aceita de volta. Geralmente, são 3 ou 4 devoluções por ano e costuma ser resultado de separações de casais.

"A Jade, por exemplo, foi devolvida depois de 2 anos. Ela foi adotada, viveu com a família por esse tempo todo, mas o casal desistiu da adoção porque se separaram. Muitas vezes é por conta da separação. Eu nunca insisto para a pessoa ficar. Quando ela fala que quer devolver, eu na hora aceito", comenta.

Apesar da devolução, a Jade já conseguiu uma casa nova. A Vanessa Chornek e o seu companheiro moram em São Paulo, os dois viram um vídeo no Tik Tok que o Gabriel fez, em que era possível ver um cachorrinho passando por trás dele.

"Na hora eu pirei, ele estava todo saltitante. Virei o celular para o meu namorado e falei, é meu filho!", conta. Era o Roger, o primeiro cão adotado por eles. Com o tempo pensaram, "por que não adotar mais um?". Assim, já estão com quatro: o Roger, Paolo, Jade e, mais recentemente, o Caio — mais conhecidos nas redes sociais pelo apelido carinhoso de "rocamboles".

Ela já havia adotado outros animais ao longo de sua vida, mas geralmente em feiras, sem o processo acompanhado como é feito com o Gabriel. As adoções feitas com a Casa do Vira Lata foram realizadas desde abril do ano passado.

Dá uma sensação de que eles realmente se importam com a vida dos animais, por todo o processo. Conhecer o protetor, como foi o resgate, conhecer a história desse animal, saber todo o histórico é muito importante para nós, estamos muito felizes

Vanessa Chornek, tutora do Roger, Jade, Paolo e Caio

Guilherme Sidrim/UOL

Gabriel, que é formado em Logística, trabalhava como Analista de Abastecimento em uma empresa e resolveu, em fevereiro deste ano, sair do emprego para se dedicar integralmente ao projeto. Teve o apoio de seus chefes e comenta que foi uma saída tranquila.

"Eu saí do meu emprego porque construí uma rede de apoio. Além das parcerias e doações mensais, quando a gente faz um resgate específico, um resgate muito delicado, realizamos uma campanha com o valor necessário para o cuidado daquele animal. Quando batemos a meta, encerramos a campanha e fazemos a prestação de contas", diz.

Pretende seguir se dedicando a este novo trabalho. Em Ferraz de Vasconcelos, um canil é construído para que haja uma estrutura maior e mais organizada como é em Guarulhos, que por sua vez ficará destinado apenas para os gatos.

Para o futuro, comenta, "espero criar um asilo de animais, um imóvel com clima rococó com caminha espalhada por tudo, com todos cães velhinhos espalhados, descansando". Igual a Preta, uma vira-lata de idade que gosta mesmo é de cochilar enrolada na sua roupinha de crochê e que seguia dormindo calmamente mesmo depois de todo o alvoroço que causamos com nossa chegada.

Para apoiar o trabalho da Casa do Vira Lata é possível contribuir com a vaquinha online ou doar qualquer valor via Pix: contato@casadoviralata.com.br

+ Especiais

Bruno Santos/ Folhapress

Drauzio Varella

Médico lança livro e fecha clínica para se dedicar ao atendimento na cadeia: 'urgência'

Ler mais
Pedro J Marquez/Divulgação

Davi Kopenawa

"Precisamos da força de vocês da cidade para que os homens de dinheiro não mexam mais a terra"

Ler mais
Fred Othero

Bruna Linzmeyer

Atriz usa redes sociais para dialogar e construir uma narrativa LGBTQIA+ positiva

Ler mais
Topo