O melhor gol

Cinco craques do futebol que batem um bolão em outro campo, o social

Renato Rogenski De Ecoa Divulgação

Questionada certa vez por um repórter sobre como explicaria a felicidade para uma criança, a teóloga alemã Dorothee Sölle respondeu de forma direta e cortante: "Não explicaria. Daria uma bola para que ela jogasse". É com esse poder de entreter que o futebol acaba representando muito mais.

No caso de meninos e meninas em zonas de risco e conflito, nas grandes periferias do Brasil, a bola pode ser o prato de comida para quem aspira uma carreira profissional ou simplesmente uma mola para o desenvolvimento social.

É nisso que acreditam alguns craques, do passado e do presente, que levaram sua atuação para muito além do campo. Eles enxergam o futebol não apenas como um campo de desenvolvimento social, mas também como uma maneira de retribuir tudo que a bola lhes deu.

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Chance de outro caminho

Jorge de Amorim Campos, 55, o Jorginho, lateral-direito titular da Seleção Brasileira no tetracampeonato de 1994 é responsável, desde 2000, por fazer aproximadamente 400 crianças cruzarem socialmente as fronteiras da comunidade carioca de Guadalupe, no Complexo do Muquiço, onde o jogador foi criado.

O campo utilizado hoje para o trabalho com as crianças é o mesmo em que Jorginho jogava na infância e que era cuidado pelo falecido Antônio Carlos, o "Seu Catanha", que o ex-atleta considera como o seu primeiro grande educador na área esportiva.

Cresci aqui e vi muitos amigos se envolverem com o tráfico e a criminalidade, morrerem cedo ou destruírem suas vidas e a de suas famílias. E o futebol teve um papel fundamental em minha vida em termos de formação, educação e desenvolvimento cultural. Hoje falo três línguas com as oportunidades que o esporte me deu, por exemplo."

Jorginho, ex-jogador e lateral-direito da Seleção Brasileira em 1994

Divulgação Divulgação/Instituto Projeto Neymar Jr.

Mais famoso e bem-sucedido jogador brasileiro da atualidade, Neymar, 27, é outro atleta que também joga no time do terceiro setor.

Em 2014, ele fundou o Instituto Neymar Jr, na comunidade de Jardim Glória, em Praia Grande (SP), onde o atacante do Paris St Germain passou grande parte da sua infância.

Eu sempre falo que, nessa época, se não fosse pelo futebol e pelo fato de a minha família ser tão presente, o meu futuro poderia ter sido outro."
Neymar, atacante do PSG e da Seleção Brasileira

À reportagem de Ecoa, o jogador disse que conhece bem a realidade das crianças e adolescentes que hoje estão no Instituto. "Poder contribuir para algo bom na vida delas é muito importante para mim. O futebol me deu tudo, então é por causa do que eu amo fazer que temos o Instituto Neymar."

Divulgação/Instituto Projeto Neymar Jr. Divulgação/Instituto Projeto Neymar Jr.
Instagram/FundaçãoEdmilson

Percalços maiores

A ideia de todos eles é marcar gols nas jogadas do campo social. O problema é que, muitas vezes, os desafios pelo caminho são tão ou mais difíceis que os times adversários que esses atletas e ex-atletas já enfrentaram nos gramados.

Com a palavra, o volante e zagueiro Edmilson, titular da Seleção Brasileira no pentacampeonato em 2002, que há 15 anos conduz a Fundação Edmilson em Taquaritinga, cidade do interior de São Paulo e terra natal do ex-jogador:

Inicialmente a fundação foi bancada 100% por mim e pela minha família. Depois, já no período pós-carreira, a gente passou a se reestruturar melhor e principalmente se desenvolver em questões importantes como gestão e as leis de incentivo. Ainda assim, encontramos muitas dificuldades para mostrar para as empresas como elas podem direcionar seus valores de impostos estaduais e federais para a fundação."
Edmilson, zagueiro da Seleção Brasileira no penta de 2002

Outro exemplo de entidade que tentar driblar a falta de investimento e doações das empresas para continuar respirando e auxiliando crianças é a Fundação Cafu, criada em 2004 pelo capitão do penta. Fincada no coração do Jardim Irene, periferia da zona sul de São Paulo, o projeto, que já contou com 900 educandos, hoje se desdobra para atender cerca de 200 alunos, com um contingente de sete funcionários. Com o momento econômico conturbado no país e o enxugamento da torneira nas companhias, muitas doações secaram no terceiro setor.

Para ajudar a fechar a conta, um dos caminhos utilizados pelos ex-jogadores está em utilizar a força global de sua imagem para trazer recursos de outros países. Edmilson, por exemplo, revelou que 35% de toda a verba anual de sua fundação vem de doações internacionais. Jorginho também utiliza o mesmo expediente na Alemanha, onde atua na fundação Star4Kids, que ajuda a trazer recursos do país europeu para o Bola pra Frente.

Do que nenhum desses atletas duvida é o potencial do esporte como instrumento de desenvolvimento social sob os mais diversos aspectos. E que, apesar dos obstáculos pela frente, acompanhar a evolução dos jovens é extremamente gratificante.

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Batem bolão em outro campo

Confira abaixo cinco jogadores que já defenderam a Seleção Brasileira e hoje suam a camisa para virar o jogo da exclusão social e da falta de oportunidade nas comunidades.

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Ex-jogador: Cafu

Times por onde passou: Seleção Brasileira, São Paulo, Real Zaragoza (Espanha), Juventude, Palmeiras, Roma (Itália) e Milan (Itália)

Projeto: Fundação Cafu
Quando: 2004
Onde: Bairro Jardim Irene, São Paulo (SP)

Impacto: A fundação já chegou a prestar atendimento a 950 jovens educandos do bairro e das comunidades vizinhas, por meio de oficinas esportivas e culturais. Atualmente, no entanto, o projeto passa por dificuldades financeiras e escassez de recursos. Sem a doação da iniciativa privada, o ex-jogador luta para manter as atividades com seus próprios recursos e a realização de eventos diversos. Por conta do período difícil, precisou reduzir seu efetivo de funcionários e o número de pessoas atendidas, impactando hoje por volta de 200 jovens.

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Ex-Jogador: Edmilson

Times por onde passou: Seleção Brasileira, XV de Jaú, São Paulo, Lyon (França), Barcelona (Espanha), Villarreal (Espanha), Palmeiras, Real Zaragoza (Espanha) e Ceará

Projeto: Fundação Edmilson
Quando surgiu: 2005
Onde: Taquaritinga (SP)

Impacto: O projeto atende aproximadamente 1.100 crianças de 5 a 17 anos de comunidades carentes em contraturno escolar. Além de Taquaritinga, a entidade atua na Vila Rubi, zona sul de São Paulo, e Carapicuíba, região metropolitana da capital, e conta também com parcerias em diversas outras regiões do Brasil e até mesmo em outros países onde Edmilson jogou, como Japão e Espanha. Além do futebol, os jovens participam de diversas atividades esportivas representando Taquaritinga e a Fundação Edmilson.

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Ex-Jogador: Jorginho

Times por onde passou: Seleção Brasileira, América-RJ, Flamengo, Bayer Leverkusen (Alemanha), Bayer de Munique (Alemanha), Kashima Antlers (Japão), São Paulo, Vasco da Gama e Fluminense

Projeto: Instituto Bola pra frente
Quando surgiu: 2000
Onde: Complexo do Muquiço, no Rio de Janeiro (RJ)

Impacto: O projeto atende aproximadamente 400 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, moradores da comunidade e matriculados em qualquer instituição pública. Os alunos passam três horas por dia no instituto, três vezes por semana. Entre as atividades esportivas, há futebol, handebol, basquete, voleibol, badminton, hóquei sobre a grama e rugby. Fora do esporte ainda há oficinas pedagógicas e culturais diversas.

Divulgação/Instituto Projeto Neymar Jr.

Jogador: Neymar

Times por onde passou: Seleção Brasileira, Santos, Barcelona (Espanha) e PSG (França)

Projeto: Instituto Neymar JR
Quando surgiu: 2014
Onde: Comunidade Jardim Glória, em Praia Grande (SP)

Impacto: A instituição já atendeu mais de 10 mil crianças entre 7 e 17 anos. As atividades pedagógicas, esportivas, culturais e de saúde preventiva acontecem em um complexo de 8.400 m², em área cedida pela prefeitura da cidade. As modalidades oferecidas são basquete, futebol, futsal, handebol, jogos de tabuleiro, dança, judô, natação e vôlei. Além de atividades para crianças, o atendimento abrange a família dos alunos com cursos profissionalizantes, palestras e atividades físicas, que englobam hidroginástica, musculação, dança, ginástica funcional, futebol, futsal e vôlei.

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Ex-jogador: Raí

Times por onde passou: Seleção Brasileira, Botafogo-SP, Ponte Preta, São Paulo e PSG (França)

Projeto: Fundação Gol de Letra
Quando: 1998
Onde: Bairro Vila Albertina, em São Paulo (SP), e Caju, no Rio de Janeiro (RJ)

Impacto: A fundação atende crianças, adolescentes e jovens, aliando práticas educacionais e de assistência social ao desenvolvimento comunitário e de suas famílias. Mais de 20 mil educandos já foram atendidos desde o início do projeto, que tem cerca de 3.700 participantes atualmente. Ao longo desses anos, a fundação também tem investido esforços na sistematização de suas práticas e metodologia para ajudar outras comunidades e organizações. Ao todo, são 13 projetos de disseminação, atingindo seis estados brasileiros, além de Guiné Bissau.

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