O que te move?

Formada em dança, Flora Bitancourt tornou-se empreendedora social e multiplica o impacto positivo de empresas

Juliana Domingos de Lima De Ecoa, em São Paulo (SP) Fernando Moraes/UOL

O movimento e o contato com o seu corpo e consigo mesmo é a maior porta de autoconhecimento pra entender quem a gente é e o que a gente veio fazer aqui. Quando a gente consegue se conectar com a nossa dança, que é a nossa vida, tomamos melhores decisões e fazemos coisas mais conectadas com quem somos.

A dança ajuda a encontrar o que nos move. E o que me move é a transformação das relações humanas, é construir relações mais verdadeiras, para que a gente consiga se relacionar com todos, valorizando nossas diversidades, nossas pluralidades, independente de quem nós somos.

Um novo mundo de oportunidades se abriu quando disseram que o que eu fazia gerava impacto no mundo. Eu me descobri empreendedora social, pertencente a um grupo de pessoas que querem construir esse mundo melhor. Isso me abriu a cabeça de muitas formas e possibilidades, da visão apenas da aula de dança para uma visão do quanto aquela prática gerava benefícios para o todo. (Flora Bitancourt)

Fernando Moraes/UOL

De professora de dança a especialista em impacto positivo

O movimento pode ser do corpo. Pode acompanhar o ritmo de uma música e ser uma forma de expressão. Pode também significar uma ação coletiva, uma mobilização de pessoas para um mesmo fim. Mover é movimentar, mas é também comover, inspirar, desencadear uma ação.

Todos esses sentidos estão presentes no trabalho da empreendedora social e consultora Flora Bitancourt. Com formação em dança, ela fez da expressão corporal uma maneira de empoderar, promover o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal de diferentes grupos, de pessoas com Síndrome de Down a outros empreendedores sociais. Hoje, atua como especialista em impacto positivo na consultoria que fundou, a Impact Beyond.

"Tive dois filhos, mas também pari muitos projetos. Quando você encontra esse caminho de criar, essa expressão através do fazer, vira viciante. Sou viciada em criar novos projetos, eu confesso", diz Flora, que será, também, por três meses, curadora de Ecoa, sugerindo boas histórias para nosso site

Apaixonada pela dança desde muito jovem, Flora se encantou com a possibilidade de fazer dela sua profissão. "Foi uma grande alegria poder sair da escola e entrar numa faculdade de dança. Eu sentia que ia fazer o que eu amava pelo resto da vida", diz.

Enquanto cursava dança na Unicamp, outros caminhos se abriram. Em um intercâmbio em Lisboa, Portugal, ela descobriu a Dança Movimento Terapia, modalidade de psicoterapia que usa o corpo e o movimento para despertar a autoconsciência e o desenvolvimento pessoal.

De volta ao Brasil, no último ano de graduação, fundou seu primeiro projeto, o Movimentarte, instituto que oferece aulas de dança, teatro e musical para pessoas com Síndrome de Down. A iniciativa se tornou ONG em 2015 e já impactou dezenas de pessoas, inclusive formando cinco bailarinos profissionais.

A dança empodera as pessoas para que explorem sua expressividade, comunicação, autoconhecimento e se posicionem no mundo como indivíduos que lutam suas próprias batalhas. [O Movimentarte] gera oportunidades e quebra paradigmas sobre a pessoa com deficiência

Flora Bitancourt , empreendedora social

Fernando Moraes/UOL Fernando Moraes/UOL

Jornada do corpo

Uma das "crias" do Movimentarte é o bailarino Ian Retz, que já se apresentou em várias partes do Brasil e fora do país, em eventos como o Festival Internacional de Dança de Viena.

Através do Movimentarte, Ian encontrou na dança sua grande paixão e também um caminho profissional que lhe trouxe autonomia. "A sensibilidade e a dedicação da Flora foram fundamentais, especialmente esse foco voltado à profissionalização", diz a Ecoa Oswaldo Retz, pai de Ian.

A partir do projeto e do impacto positivo que estava criando, Flora soube que o que fazia era empreendedorismo social e foi convidada a participar de uma aceleração do programa global Red Bull Amaphiko. "No processo de entender o que era o meu propósito, eu via o quanto a dança tinha me ajudado", conta.

Com essa percepção, ela começou a associar esses aprendizados ao empreendedorismo social e criou uma metodologia chamada "body journey" (jornada do corpo, em português), que proporciona aos empreendedores experiências que os conectam consigo mesmos e com aquilo que os move.

A criação de Flora foi aplicada em cinco países — África do Sul, Áustria, Brasil, Estados Unidos e Inglaterra —, em imersões que ajudaram os participantes a trabalhar habilidades necessárias a empreendedores sociais e a estruturar seus negócios.

"Com isso, acabei me aprofundando muito no que é o empreendedorismo social. A maioria dos empreendedores passa por uma ou duas acelerações na vida, eu passei por cinco, com gente do mundo inteiro", diz.

Ao fim do programa, em 2019, ela criou a Impact Beyond, uma consultoria de impacto para fazer uma ponte entre o empreendedorismo social e o mundo corporativo.

A partir da experiência com os empreendedores e de um bom diálogo com as empresas, Flora consegue transmitir aos primeiros como construir o negócio para atrair investimentos e às segundas por que devem investir em projetos de impacto positivo. Recentemente, ela trabalhou com clientes como Ambev e Instituto Votorantim.

"A Flora atua em muitas frentes. Ela capta recursos, escreve o projeto, desenvolve, lida com a equipe. Ter esse olhar sistêmico é um grande desafio", diz a Ecoa Silvia Luz, diretora da organização Social Good Brasil que já trabalhou com Flora em vários projetos.

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Mãe empreendedora

Em meio à gestação desses vários projetos, também vieram dois filhos. Apesar das dificuldades, Flora se diz muito grata pelos aprendizados da maternidade e conta que lhe deram ainda mais força.

"Eu tinha a sensação de que eu perderia muitas oportunidades por ser mãe. E, pelo contrário, eu nunca parei por causa dos meus filhos. Eu sinto que eles só me impulsionaram a acreditar ainda mais na minha força, em quem eu sou e a seguir meu sonho", diz.

O mais velho, Joca, de seis anos, a acompanhou pequeno nas viagens para outros países aonde levava a metodologia do "body journey", em palestras e reuniões: "fui rompendo esses sistemas que acham que a mãe não pode habitar alguns lugares".

"Eu gostaria de deixar para os meus filhos um mundo onde todas as pessoas, sem distinção, acreditem nos seus sonhos, nas suas potências e no seu poder de transformação. Se eu acredito em quem sou, eu ocupo meu lugar no mundo. Isso pode fazer com que todos saibam que são capazes de fazer algo por esse mundo", diz Flora.

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Viver em diversidade

Flora acredita que um ponto comum entre os vários projetos que criou e nos quais se envolve é proporcionarem espaços de conexão verdadeira entre as pessoas e de descoberta de si, dos outros e do mundo.

Foi assim no Movimentarte, onde a oportunidade de se relacionar com pessoas com deficiência tornou a luta pela diversidade uma causa essencial para ela. "Foi tão transformador na minha vida que eu comecei a construir um raciocínio sobre por que a gente se priva de se relacionar com o outro por conta de pré-julgamentos e o quanto isso é um peso para todos nós na sociedade", diz. Para ela, esse questionamento fez qualquer discriminação e violência contra minorias ser intolerável e leva a querer agir.

O aumento da pobreza e da fome no país durante a pandemia de covid-19 também mexeram com Flora. Em maio de 2021, ela articulou a campanha emergencial Fome de Ação para somar com outras iniciativas que têm atuado no combate à fome no Brasil.

"Eu não conseguia mais dormir, não conseguia falar que eu trabalho com diversidade e desigualdade sem estar fazendo nada numa situação como essa na pandemia", diz. Até o momento, a iniciativa distribuiu 8.082 cestas básicas em várias regiões do país.

Em um mundo amortecido face à dor do outro, Flora acredita que encontrar o que é intolerável para cada um ajuda a gerar movimento e encontrar soluções. "Todo mundo tem que se posicionar por algo, se mover por algo para que a gente consiga sair das situações alarmantes", defende.

No caso dela, são as desigualdades sociais: "Quando você encontra esse propósito, ele é essa chama que não te deixa mais ficar parado".

"Dizem que diversidade é chamar pra festa e inclusão é tirar pra dançar. Eu gosto de acrescentar que viver na pluralidade é dançar como se ninguém estivesse olhando. É sobre a gente conseguir viver sem tantas barreiras entre as pessoas. Isso me impulsiona, me faz sorrir, faz meu olho brilhar, me faz querer criar mais espaços assim"

Flora Bitancourt , empreendedora social

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