Por escolhas melhores

Nova colunista de Ecoa, Bela Gil fala sobre reforma agrária, alimentação saudável e o lado positivo dos memes

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo Divulgação

Esqueça todo esse papo de ter que parar de comer isso ou aquilo. Bela Gil não quer te fazer mudar. "É de fato o tal do 'você pode substituir tal alimento por outro' e não o 'você tem que'. A frase é bem indicativa: não é uma imposição." A soteropolitana que ficou conhecida por levantar a bandeira de uma vida mais saudável, com alimentação e consumo consciente, só quer te mostrar que existem alternativas. E apesar de entender que comer seja um ato político, ela também sabe que, em uma sociedade tão desigual quanto a brasileira, a alimentação, que é um direito humano e constitucional, virou praticamente um privilégio.

Para se ter ideia, no Brasil, enquanto 5,2 milhões de pessoas passam fome, cerca de 26,3 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas por ano, como afirma o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2018", da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). É contra esses números e tudo que eles representam em relação à fome e à produção excedente de alimentos que ela travou uma luta de uma vida toda, que começou aos 14 anos e não tem data para acabar.

"Faz parte desse sistema falido ter gente passando fome. Uma sociedade na qual ninguém passa fome, significa uma sociedade em que todos terão a liberdade, a verdadeira liberdade. Quando você está com insegurança achando que vai passar fome, você aceita qualquer coisa. Aceita qualquer trabalho, por exemplo", diz. Para ela, porém, alimentação só será para todos e todas quando o país passar por uma reforma agrária, ou seja, uma reestruturação justa na distribuição de terras. Sendo esta a reforma que ela julga ser "a mais importante que a gente tem para fazer hoje aqui no Brasil."

A partir desta quarta-feira (15), a chef de cozinha e apresentadora terá um espaço aqui em Ecoa para tratar destes e outros assuntos relacionados a consumo consciente. Na nova coluna, quinzenal, Bela diz que quer cada vez mais mostrar as opções para que todos possam antes de mais nada saber que elas existem, e depois decidir se querem ou não adotá-las.

Ricardo Borges/Folhapress

Primeiramente, queria saber sobre o que você pretende escrever na sua coluna aqui em Ecoa?

As pessoas relacionam muito a minha imagem com alimentação saudável e, obviamente, será sobre isso, mas não somente sobre os aspectos nutricionais. Eu quero falar da alimentação no geral. Tudo que engloba alimentação. Desde falar sobre a diferença entre um alimento convencional, orgânico ou agroecológico, até as políticas públicas que incentivam ou atrapalham o acesso das pessoas a esses alimentos. O que a gente pode fazer para que o orgânico seja mais acessível a todos? O que hoje se tem prática que pode fazer o alimento ser mais barato, mais acessível para população?

Eu vou navegar muito nesse aspecto. E também falar muito sobre os impactos que a nossa escolha alimentar tem em relação à nossa saúde, mas também ao meio ambiente. Como isso afeta a terra, como também afeta o aspecto social que envolve a vida do trabalhador rural?

Quero também partir para um lado de falar como a gente pode ter uma vida mais saudável e mais sustentável produzindo as nossas próprias coisas. Eu já faço meu próprio desodorante há muitos anos, por exemplo. Acho que vale falar também de alternativas mais sustentáveis em relação à menstruação, porque eu uso absorvente de pano, a calcinha de menstruação? Enfim, dar essas opções. Para além da alimentação, é falar do consumo em geral.

Como nossas escolhas de consumo podem impactar na nossa sociedade e no meio ambiente, e como a gente pode fazer escolhas melhores para ter um futuro mais sustentável?

Bela Gil, sobre escolhas por um futuro melhor

Agora na quarentena a gente tem visto o surgimento de novos cozinheiros. Como você tem acompanhado esse novo interesse das pessoas em cozinhar?

Eu acho que é ótimo as pessoas estarem mais íntimas da cozinha. Isso faz com que elas entendam melhor todo processo de alimentação, o que muitas vezes pode fazer com que elas mudem realmente os hábitos alimentares. É o que eu falo, eu sempre uso essa dica: está querendo comer uma batata frita? Faz uma batata frita em casa. Muito provavelmente você vai comer menos porque dá trabalho para fazer. Além disso, vai ver a quantidade absurda de óleo que precisa usar no processo e que a gente não vê quando pede um delivery, por exemplo. Eu acho que estar em contato com a cozinha mostra muito melhor como lidamos com a nossa alimentação. A pessoa ganha uma consciência maior.

E também tem esse lado positivo de ajudar, de relaxar. Mas não são todas as pessoas que gostam e sabem cozinhar, né? O mais importante de tudo é que na casa tenha uma divisão de trabalho doméstico bem organizado para ninguém se sentir sobrecarregado. Porque alguém vai ter que cozinhar. Essa é a questão. Saber o que você está comendo é uma forma de encarar a realidade daquilo que você está consumindo. E isso pode fazer você ter um estalo e falar: "Opa, não quero comer esses alimentos industrializados com esse tanto de aditivos químicos, de veneno..." Eu acho que isso pode despertar nas pessoas uma vontade de comer melhor mesmo.

Aqui em casa essa é uma questão de que gosto e as crianças também. Elas sempre vão para a cozinha comigo. É um momento de comunhão. Com o isolamento social, essa questão de ficar em casa, para quem pode, fez com que as pessoas tivessem mais tempo de cozinhar. Isso faz com que a gente se abra mais para experimentar. Eu aconselho muito. Deixa a experimentação rolar, leva as crianças para cozinhar junto. E aí fica muito mais afetuoso, mais divertido e mais gostoso.

Quando começou sua ligação com alimentos? Teve algum momento que te marcou e abriu seus olhos para a importância da alimentação saudável?

Eu me liguei muito com a alimentação quando comecei a praticar ioga, e essa prática me trouxe uma consciência corporal muito grande. Eu sentia que a comida batia mal em um dia e no outro, não. E aí eu me perguntava: "Pô, por que isso acontece? Como alimento tem essa capacidade de influenciar tanto na nossa vida?" Então, eu resolvi estudar, e com 14 anos eu já sabia que queria estudar nutrição. Mas não bastava só saber a teoria, eu precisava praticar. Aí a prática era o hábito de cozinhar. Acabei fazendo, então, curso de culinária. Juntei as duas coisas: nutrição e culinária.

Marcus Steinmeyer/UOL Marcus Steinmeyer/UOL

E, Bela, você acha que pensar em alimentação saudável no Brasil é um ato político?

Sim, eu acho total. Alimentação é um ato político assim como qualquer hábito de consumo. Quando a gente fala que viver é um ato político, isso significa que todas as nossas escolhas são atos políticos. Qualquer escolha de consumo que a gente fizer é um ato político. A alimentação talvez seja um dos mais importantes, porque a gente deveria comer três vezes por dia.

Você pode realmente mudar o mundo através da alimentação por causa da eficácia que a escolha alimentar tem no planeta. Eu enxergo isso como um ato politico, porque se quero um alimento orgânico, eu sei que eu estou investindo na minha saúde, mas também estou protegendo a terra, estou escolhendo não envenenar o solo, estou escolhendo também proteger a saúde daquele agricultor, sabe? Estou investindo numa economia mais regional?

Acho que é muito importante as pessoas terem essa noção de que, sim, a suas escolhas alimentares vão afetar o futuro da humanidade. E sempre que a gente faz essa escolha, também é para ajudar outros que não tem essa opção nesse momento. Porque comer é um ato político só para quem pode escolher o que comer.

Na live do Mano Brown com o Drauzio Varella, o rapper falou muito sobre como o pobre come muito mal, como empurram muito veneno para a mesa do pobre. Esse histórico que o Brasil tem de manter parte da população na miséria também afeta o jeito que as pessoas enxergam alimentação?

Acho que sim. Completamente. As populações mais vulneráveis vão comer o que têm. Assim como a questão do trabalho. A gente tem várias pessoas fazendo serviços em situação análoga à escravidão, por exemplo. Gente que está em situações desumanas e absurdas, mas por quê? Porque é o que tem. Se você tivesse opção de fazer aquilo que você ama, de trabalhar com aquilo que você gosta, você não estaria fazendo outra coisa. Mas você não tem opção.

A nossa sociedade, ela quer esmagar as pessoas. Quer deixá-las sem escolha, sem a verdadeira liberdade. A gente vive em uma sociedade que explora uma grande parcela da população para enriquecer uma pequena parcela. Então, obviamente muitas pessoas vão comer veneno sem questionar, porque não tem opção de comer outras coisas. E isso é muito triste. O meu trabalho, ter esse espaço, por exemplo, para escrever artigos, ter essa coluna nova aqui é muito para chamar a atenção do público para isso, de que a gente precisa democratizar o acesso a alimentos.

As pessoas precisam ter opção de escolha. Elas precisam ter o direito de escolher não comer veneno. Hoje, isso não é uma realidade no Brasil. As pessoas trabalham em péssimas condições porque é o que tem. E vão trabalhar para sobreviver, porque se não trabalhar não vão ter comida na mesa.

Alimentação para essas pessoas sempre foi encarada como uma necessidade, né? Você come para não passar fome e pronto. Não foi ensinado o prazer de se alimentar, a importância de pensar em um prato equilibrado e natural, correto?

Exatamente. Muita gente fala que meu programa, meu conteúdo tem uma pegada elitista. Dizem que falo de coisas que não são realidade para todo mundo. E eu acho que isso depende muito. Até porque eu falo muito de produtos regionais que obviamente se você mora em uma região do Brasil não vai ter, mas em outra você vai ter. É um programa que faço para o Brasil inteiro? Eu não vou deixar de incentivar o consumo de orgânico, de alimentos saudáveis porque uma boa parcela da população não consegue hoje. Não, pelo contrário, eu quero que essa parcela saiba que eles precisam ter acesso a esse direito também. Quero levar conhecimento para eles. Mas, obviamente, eu sei que conhecimento não basta.

Por isso, a gente precisa trabalhar em conjunto, a gente precisa de bons deputados passando boas leis e por aí vai. Mas o que eu posso fazer para ajudar é levar conhecimento para as pessoas. Mostrar que essas coisas existem. Então, nunca vou deixar de falar sobre a importância de alimentos orgânicos e da alimentação saudável. Eu sei que não é uma realidade para todo mundo, mas estou lutando para que seja, sabe?

Ricardo Borges/Folhapress Ricardo Borges/Folhapress

Por que esse movimento que busca falar sobre alimentação saudável é sempre tão criticado? O que mudaria na nossa sociedade se todos tivessem a consciência da importância da alimentação saudável?

Na verdade, eu tenho dúvidas. Essa é uma pergunta complicada de responder. Por que parte de mim acha que as pessoas sabem que é necessário ter uma alimentação saudável para se ter uma vida saudável, para deixar de gastar tanto com saúde pública, por exemplo, dar uma qualidade de vida para as pessoas e por aí vai. Porém não fazem porque o lucro fala mais alto, porque o dinheiro no bolso é mais importante para quem está no poder. Eles passam por cima de vidas para ter mais dinheiro.

E a outra parte de mim realmente acha que as pessoas que estão em posição de tomar decisões, realmente acreditam que aquele produto, aquele veneno não vai fazer mal. Acho que tem gente que é convicto que o agrotóxico não vai fazer mal e que o alimento ultraprocessado não vai fazer mal. A má alimentação é uma coisa estrutural da nossa cidade sociedade. Mas se todo mundo soubesse realmente da importância da comida saudável, se todo mundo tivesse essa consciência, com certeza esse cenário mudaria.

A gente começaria a taxar os produtos ultraprocessados, a gente não subsidiária mais a produção de refrigerante, a gente não isentava de impostos e de tributos o setor de agrotóxicos, a gente faria leis que incentivassem a produção de alimentos orgânicos. Mas eu acredito que na maioria dos casos a gente tem conhecimento, mas não tem boa vontade de pessoas que estão no poder para fazer uma transformação em relação a isso.

Inclusive em um debate aqui no UOL recentemente você falou que não dá para pensar segurança alimentar sem pensar no acesso democrático à terra. Como você enxerga essa questão?

É porque a gente fala muito da democratização da alimentação, de todo mundo ter acesso a boa comida e obviamente isso é muito importante, mas a gente sabe que a comida não chega no prato de quem precisa porque não tem vontade política. O Brasil produz uma quantidade de alimentos para alimentar a população inteira e ainda sobraria, ou seja, temos uma produção excedente de alimentos. Mas o nosso sistema agroalimentar industrial e capitalista faz com que a gente tenha pessoas passando fome, porque a distribuição de alimentos não é democrática. Isso tem razão de ser.

Eles precisam das pessoas passando fome para aceitar qualquer tipo de trabalho, por exemplo. Faz parte desse sistema falido ter gente passando fome. Uma sociedade na qual ninguém passa fome, significa uma sociedade em que todos terão a liberdade, a verdadeira liberdade. Quando você está com insegurança, achando que vai passar fome, você aceita qualquer coisa. Aceita qualquer trabalho. Por isso eu falo da reforma agrária. Porque as pessoas esquecem que a comida vem da terra, esquecem que a terra é o meio de produção da nossa sociedade, a gente precisa da terra para produzir.

Só que o Brasil tem uma concentração de terra absurda. 1% da população detém 46% das terras. O Brasil é um dos países que mais tem concentração de terras. Então, se a gente não democratizar o acesso à terra, ou seja, se a gente não tiver mais terras com limite de área menor na mão de mais pessoas, a gente ainda vai ter gente passando fome enquanto trabalha em uma grande lavoura porque é única opção que ela tem.

A democratização, a distribuição igualitária de terras é muito importante para a produção ser mais justa. Hoje a gente tem um sistema de produção que é o agronegócio, que nada mais é do que essa herança colonialista do período escravocrata. Se antes a gente produzia açúcar e exportava, produzia café e exportava, hoje em dia a gente produz soja e exporta. É o mesmo sistema. Por isso que a reforma agrária é uma das reformas mais importantes que a gente tem para fazer hoje aqui no Brasil.

Qual seria o primeiro passo para a gente começar a discutir alimentação saudável de forma séria no país? O que a gente precisa fazer hoje para impulsionar esse debate?

Não tenho uma resposta objetiva para te dar sobre como fazer para impulsionar esse debate aqui no Brasil. Mas eu acho que as pessoas estão ganhando consciência. Antigamente ninguém fazia ideia do que estava comendo, estavam nem aí. Hoje em dia, as pessoas estão adquirindo mais consciência do que elas colocam no prato. Cada vez mais surgem pessoas querendo alimento mais limpo, mais local. Eu acho que agora mais pessoas vão ter a consciência de se questionar de onde vem a comida, de se questionar como é que está a situação do agricultor, daquela terra? Ter a consciência da comida que se bota no prato foi o primeiro passo. É esse movimento de não querer mais comer comida de caixinha, querer comida de verdade. Depois disso vem o segundo passo que é se perguntar de onde vem essa comida.

Qualquer escolha de consumo que a gente fizer é um ato político. A alimentação talvez seja um dos mais importantes, porque a gente deveria comer três vezes por dia.

Bela Gil, sobre alimentação como ato político

Pedro Ladeira/Folhapress

Você tem um histórico de defesa da Amazônia, luta contra agrotóxicos, por exemplo, que deu uma intensificada nos últimos anos. Recentemente, foi contra também a MP da Grilagem. Como você tem analisado o trabalho que o Ministério do Meio Ambiente tem realizado?

Eu acho que, infelizmente, a gente tem pessoas com muito poder de decisão que realmente podem transformar o futuro do país e, consequentemente, das pessoas que são seres humanos ruins. Que são pessoas que eu acho que são ruins no sentido de serem más mesmo, sabe? Que não tem compaixão pelo ser humano, que não tem compaixão pela terra, que não tem compaixão com a vida no sentido maior.

São pessoas muito mesquinhas e egoístas que só olham para o aqui e agora e para o bolso delas. A gente precisa de pessoas boas, a gente precisa que esses 70% dos bons realmente estejam representados em lugares que possam tomar decisões que levem o Brasil para uma posição boa.

Porque é um absurdo ter um ministro do meio ambiente querendo destruir a Amazônia no meio de uma pandemia. O que eu posso falar de uma pessoa dessa? Para mim, é uma pessoa ruim. É uma pessoa má. Cada vez mais eu tenho afastado meu olhar da questão partidária e focado mais no ser humano, sabe? Enxergado mais aquela pessoa que está ali tomando aquele tipo de decisão e não o partido político que ela representa. E pra mim essa é uma pessoa ruim.

Você acabou virando meme com o episódio do churrasco de melancia, né? Mas depois deu uma virada nessa história e acabou entrando no cotidiano das pessoas. Como foi viver tudo isso? Você acha que por esse episódio foi a porta de entrada para uma galera falar sobre alimentação saudável?

Com certeza! Eu acho que me fez muito bem! Ajudou a popularizar a minha comida e o meu estilo de vida para pessoas que jamais estariam interessados em assistir o meu programa. Mas por causa de um meme me conheceu. Para mim foi ótimo. Imagina, no ano seguinte, por exemplo, tinha gente vestida de Bela Gil no carnaval, sabe? Eu acho que isso é maravilhoso.

Me corrija se eu estiver errada, mas quando penso no conteúdo que você produz, eu penso em alternativas. Nunca é uma imposição do tipo "você tem que comer isso ou deixar de comer aquilo". É sempre nesse tom de "olha, tem esse outro alimento aqui que pode ser bom", correto? É quase como se você não quisesse dizer o que é certo ou o que é errado fazer. Pra você, qual a importância de apresentar essas alternativas alimentares com esse tom mais leve?

É exatamente isso. É de fato o tal do 'você pode substituir tal alimento por outro' e não o 'você tem que'. A frase é bem indicativa: não é uma imposição. Eu acho que cada um tem um despertar, no momento específico, por uma razão específica. Eu não acho que eu sou melhor do que ninguém para dizer o que a pessoa deve ou não deve fazer. Cada um sabe o que faz. Estou aqui para caso alguém queira a minha opinião só. Aí ela vai ter, ela vai saber que ela pode substituir o açúcar pela rapadura, por exemplo. Ela vai ter informação, mas só se ela quiser.

Só se ela vier atrás e se ela quiser mudar. Eu sempre fui esse tipo de pessoa. Por exemplo, não consumo carne, mas eu não sou daqueles vegetarianos que acabam apontando dedo para falar que a pessoa que come carne está comendo cadáver, "você não sabe o que aconteceu para esse animal estar no seu prato", esse tipo de coisa. Não, se ela quer saber eu falo. E olha que ainda pergunto: "Você realmente quer saber?"

Publicamente eu acho muito importante a gente mostrar os fatos, a gente mostrar as realidades e apontar alternativas. Mas jamais com esse intuito de catequização, de um jeito mais impositivo. Eu não sou pai ou mãe de ninguém aqui. Acho que essas questões são muito particulares. Eu recebo muitas mensagens nas redes sociais de pessoas falando que quando começaram a assistir meu programa achavam as comidas muito esquisitas, me achava muito esquisita, que tinha um preconceito muito grande com a minha cozinha e hoje em dia isso mudou. E aí eu não vou virar para essa pessoa e falar: "Ah, tá vendo? Eu te falei!" Não, cada um tem seu momento, seu motivo e a gente tem que respeitar.

Instagram/Bela Gil

Muita gente se ofende quando falam de veganismo na Internet, né? Tem sempre um contra-ataque muito forte quando alguém fala sobre como a carne, mais especificamente, é prejudicial para o planeta, para os animais e para nós. Você tem algum palpite do porquê questionar esses hábitos alimentares, como o consumo de carne, ofende tanta gente aqui no Brasil?

Uma vez que o veganismo e o vegetarianismo ganham alternativas, uma vez que as pessoas conseguem produzir queijos incríveis e leites incríveis, as pessoas começam a dizer: "Ah, não, agora não pode, que absurdo, etc". Há um preconceito. E eu não sei porque ele existe, mas está enraizado no ser humano ter preconceito com o desconhecido. Ninguém nunca implicou com o leite de coco, por exemplo, ninguém nunca achou esquisito. Mas porque faz parte do nosso dia a dia já. É algo conhecido. O preconceito existe, mas vai mudando aos poucos também.

Queria saber qual a importância dos saberes empíricos e populares na hora de pensar no alimento ou para que ele serve. Existe isso? Você realmente busca fazer essa mistura entre estudo e saberes orais?

Com certeza! Tenho conhecido pessoas que cozinham e tem ligação com candomblé, a culinária indígena, tem as técnicas que minha avó aprendeu com a sogra dela que era italiana? Esses saberes herdados, tradicionais, que são os que você não necessariamente aprende em livro, eu acho fundamental.

É algo que não tem preço, você aprender com uma passagem oral. Por isso que eu acho muito importante a gente manter um certo tipo de tradição alimentar para que a nossa história não se perca. Além disso, tem uma afetividade muito grande, né? Eu quando faço o macarrão da minha vó em casa meus filhos lembram e ficam felizes por estarem comendo a comida da bisa. Acho que tudo agrega na culinária, mas especialmente esses saberes tradicionais.

Nos últimos meses, assistimos o debate sobre pautas raciais intensificar. Aqui, nessa entrevista, você já disse que te achavam esquisita e que acabou virando meme por falar de alimentação saudável. Você acha que se fosse uma mulher branca seus conselhos de alimentação saudável seriam mais bem aceitos? Você acha que teria mais adeptos?

Com certeza absoluta! Eu jamais viraria um meme se fosse uma pessoa branca. Principalmente se fosse um homem branco. Mas sendo mulher negra com certeza. Tem muito uma carga racial nessa questão toda. Talvez se alguma mulher branca estivesse falando as coisas que eu estou falando, as pessoas aceitariam muito mais fácil. Mas gostam de boicotar mulher negra, né? O preconceito está tão enraizado que a pessoa nem pensa em ouvir porque já acredita que eu estou falando algo que não é interessante. É muito triste.

Você consegue enxergar algum futuro ideal para a alimentação e tudo que está ao redor dela no Brasil?

O ideal seria começar por uma boa reforma agrária, incentivando a produção e consumo de alimentos orgânicos e agroecológico. E também uma divisão de trabalho domésticos bem feito dentro de casa para não deixar as mulheres sobrecarregadas.

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