O presente profundo

Escritor Julián Fuks estreia coluna em Ecoa tratando dos temas por trás do noticiário convulsionado

Rodrigo Bertolotto De Ecoa, em São Paulo Marlene Bergamo/Folhapress

Ele frequentou redações e praticou reportagens jornalísticas regularmente até dez anos atrás. Isso foi antes de se lançar de vez na carreira de escritor. Depois de três livros e vários prêmios na trajetória — entre eles três Jabutis —, Julián Fuks volta a escrever periodicamente com sua coluna semanal em Ecoa.

"A literatura ajuda a descrever e a entender a realidade. Quero ir além do noticiário, aprofundar pensamentos e ser capaz de apresentar um outro olhar."

Seus dois primeiros textos — "A rejeição mais coletiva da morte já registrada na história" e "Falência do tempo" — já revelam a busca por inquietações universais e sentimentos contemporâneos por trás da atual pandemia. No primeiro, ele descreveu o pavor da morte através dos séculos e dos livros. No segundo, o tema é a suspensão do tempo e a incapacidade de ver algum horizonte que muitos estão vivenciando agora e já foram descritas em prosa e poesia.

"A existência humana tem muito de cíclico e repetitivo. E eu quero pensar como uma literatura do passado reverbera no presente, mas também como a literatura atual revela o que está acontecendo."

Necessidade do livro

Literatura e jornalismo se enlaçam na vida de Julián. "Fazer o vestibular para estudar jornalismo foi uma dessas decisões tortuosas que você toma quando tem 18 anos. Minha ideia sempre foi ser escritor, mas o jornalismo tinha um potencial de intervenção no mundo que me agradava. Escrever semanalmente agora vai me dar esse retorno imediato. É algo bem diferente do que estava acostumado, publicando um livro a cada três, quatro anos."

Fuks trabalhou com jornalismo literário em vários veículos, incluindo o jornal Folha de S. Paulo e a revista Cult, mas logo se desvencilhou da obrigatória objetividade das agendas do mercado editorial. "Meu problema era com editores. Eles queriam que o texto começasse com o lançamento do livro. Eu queria falar do tema central da obra", lembra.

O autor quer imprimir em seus textos semanais a mesma força presente em seus livros. "A escrita literária e a jornalística têm conexões estreitas e muitas tensões. Tento trazer do jornalismo para minha literatura a atenção ao que é realmente importante e a busca pelo pertinente, porque acredito que um livro precisa que ser necessário."

Marlene Bergamo/Folhapress Marlene Bergamo/Folhapress

Ocupar e resistir

O livro mais recente de Julián é "A Ocupação" (2019), fruto de uma residência literária na Ocupação 9 de Julho, que fica no prédio abandonado do INSS, onde desde 2016 vivem centenas de pessoas — são 150 famílias hoje. A obra acumula camadas com as histórias dos moradores, as questões pessoais do narrador (o pai hospitalizado e a mulher grávida) e a descrição do próprio processo de escrita.

O escritor paulistano de 39 anos tem se destacado entre seus pares dentro da tendência contemporânea no Brasil para a autoficção, estilo em que a biografia do autor serve como base para a produção ficcional. Em sua coluna em Ecoa, ele quer narrar o tempo presente observando, percebendo, refletindo e misturando as várias esferas, da mais particular e pessoal até a mais coletiva e mundial.

"A coluna não vai ser um lugar de criação literária. Quero que seja um lugar de reflexão livre sobre literatura, realidade e minha experiência íntima de tudo isso."

Seu livro mais premiado, "A Resistência" (2015) ficcionaliza a figura de seu irmão, adotado pouco antes do exílio de seus pais, que saíram da Argentina após o golpe militar de 1976. A obra fala da resistência do irmão diante da família, mas também da resistência como luta dos pais diante da situação política na América Latina e da resistência do material biográfico diante da missão de se transformar em um romance.

"Não me interesso muito pela literatura só de distração. Quero fazer uma literatura de reflexão, tentar capturar um momento, sem ficar datado ou querer criar algo permanente."

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Horizonte de luta

Enquanto não começa a escrever seu próximo livro, Julián vai se exercitar nos ensaios de Ecoa com o que recolhe do mundo atual, e a vida real vai tomando conta cada vez mais de sua escrita. "Sou desse contingente de leitores inveterados de notíciais, me informando a qualquer hora do dia. Isso é algo tão invasivo que é fundamental me desligar um pouco, ir atrás de outros discursos, me isolar e me resguardar."

Ele quer que seus textos ajudem a "repensar outras possibilidades, outros caminhos, encontrar morada para as utopias e ter um horizonte de luta" em um período triste da história do Brasil e do mundo.

"A literatura busca mais perturbar o leitor e se relaciona mal com linguagens edificantes. Mas é bom que não desapareçam de vista as soluções, as ilusões, as ideias renovadoras e a capacidade de criar e renascer."

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