Modo Turbo

Drag queen mais popular do planeta, Pabllo cresceu sem ver-se representada na TV e celebra espaços que ocupa

Cristina Judar Colaboração para Ecoa, de São Paulo Ernna Cost

Ao acordar, no lugar dos cremes para pele ou de um café da manhã requintado, o ritual de Pabllo Vittar, dona de hits como "Bandida" e "Corpo Sensual", é quase monástico. Sua rotina matinal consiste em pensar "em coisas boas" e "desejar meu famoso bom dia aos meus fãs". Nas falas da cantora, que coleciona mais de 1 bilhão de reproduções no Spotify, a preocupação com os fãs se repete em harmonia com o discurso coletivista de que "tem toda uma comunidade comigo, tenho minhas amigas cantoras, artistas, ativistas."

Uma das figuras mais potentes da atual música pop, Pabllo atrai olhares e causa transformações. Borboleteia metamorfoses, seja na forma como a arte que alcança multidões passa a ser vista e (re)conhecida a partir de suas performances e criações, seja na maneira com que transita nos palcos e telas do mundo, apresentando uma imagem de liberdade e de inovação quanto à performatividade de gênero e à resistência.

Aos 27 anos, a fã de animes Pabllo define-se como "homem gay que também é uma drag queen e se veste, se comporta e se inspira no que ama" e reconhece a forte influência cultural dos lugares em que viveu no decorrer da infância e da adolescência - passando por cidades do interior do Maranhão e do interior do Pará; além de Indaiatuba, em São Paulo, e Uberlândia, em Minhas Gerais.

Drag queen mais popular do Instagram, onde tem 11,2 milhões de seguidores, quase o triplo do que sua ídolo internacional RuPaul, Pabllo falou com Ecoa sobre aceitação e preconceitos, sem esquivar-se de perguntas sobre política e o atual presidente Bolsonaro, famoso mundialmente por suas declarações homofóbicas.

Diante da luta e do preconceito, Pabllo segue otimista: "Precisamos ver mais o lado bom de tudo, a felicidade das pequenas coisas."

Ernna Cost
Ernna Cost/Divulgação Ernna Cost/Divulgação

Ecoa - Os olhares se voltam pra você como referência de artista pop, mas também como ativista, de alguém que não "apenas" faz música pop, mas que promove revoluções e influencia multidões. Você sempre teve essa intenção ou isso aconteceu espontaneamente?

Pabllo Vittar - Quando se nasce pertencente a uma minoria, que sofre diversos tipos de violência, é natural que você use sua voz e força pra que essa realidade mude. É algo que é independente de ser artista, é uma luta de todos e é necessária! Hoje consigo "gritar" mais alto usando a minha plataforma, mas não seria diferente se não fosse famosa. Temos que lutar nos grandes espaços e também nas pequenas situações cotidianas que presenciamos, só assim vamos conseguir a mudança necessária.

Em casa, com a sua família, como esse ativismo se mostrou em sua formação e ainda se mostra? Era grande a diferença entre aquilo que você vivia em seu núcleo familiar daquilo que você vivenciava no contato com outras crianças e jovens?

Sempre tive muito apoio da minha mãe, graças a Deus. Tenho ciência que nem todos, infelizmente, contam com isso dentro de casa. E foi muito difícil entender que a aceitação e o respeito que minha mãe tinha comigo não era o mesmo na rua, das pessoas fora da nossa casa. Sofri no começo, mas aprendi que não sou eu o problema e, sim, quem tem no olhar pré-conceitos, julgamentos, ódio gratuito. Eu sou o que sou e sou feliz assim. O julgamento das pessoas sobre mim é um problema exclusivamente delas e não meu.

Você já retornou para alguns dos lugares onde viveu após se tornar uma pessoa internacionalmente conhecida? Como essas cidades influenciaram a sua arte? Direta ou indiretamente, você chegou a desenvolver alguma ação de desenvolvimento ou de apoio local?

Já retornei sim, tenho amigos e familiares em alguns locais. As cidades em que morei me influenciaram muito como artista, seja na estética, na música, nas referências regionais mesmo. Eu tive contato com culturas muito ricas e que formaram o que sou hoje. Agradeço por isso. Sobre projetos, tive sim contato com alguns. Gosto de ajudar projetos nos quais acredito, que eu vejo que fazem a diferença de fato.

Quais caminhos você teve de inventar para si justamente por não encontrar referências? Você acredita que, em alguns casos, a falta de determinadas representações favorece o pioneirismo?

É difícil crescer sem se ver representada na TV, em brinquedos, no cotidiano! Acho que, na maioria das vezes, isso traz um sentimento de "eu não sou normal" para crianças que não se encaixam nos padrões apresentados nas grandes mídias - e isso tem que mudar. Não vejo esse lado positivo, em que muitas e muitas pessoas sofreram e sofrem até hoje para que meu espaço tenha sido conquistado como "pioneira", até porque não sou. Muitas pessoas vieram antes de mim, quebrando barreiras e abrindo espaços para que eu pudesse estar onde estou e o meu papel é continuar esse trabalho, junto com muitas outras, para que mais e mais pessoas, antes marginalizadas, tenham seu espaço de direitos garantidos.

Eu não estou sozinha nessa linha de frente. Tenho toda uma comunidade comigo, tenho minhas amigas cantoras, artistas, ativistas. Somos todas nós, lutando. Minha motivação é ver que estamos conseguindo mais espaço, mais debate, diferente do que era anos atrás. Precisa mudar muita coisa ainda, mas estamos no processo. Eu sou determinada e nada me para.

Pabllo Vittar, cantora

"Pabllo é um fruto extremamente popular da reforma agrária da MPB", Emicida

Ernna Cost/Divulgação Ernna Cost/Divulgação

Algum livro ou filme específico marcou a sua vida? Há algum programa de TV ou série que esteja fazendo a sua cabeça atualmente?

O que me marcou muito, e não é segredo, não foi livro, nem filme. Foi a figura da RuPaul [do reality show RuPaul's Drag Race] e tudo o que ela representou, todos os preconceitos que ela rompeu. Ela me inspira muito. Sobre o que estou vendo hoje, eu adoro séries em anime, consumo bastante.

Você tem algum ritual, algo simples que faz muito bem a você, no seu dia a dia?

Eu adoro acordar pensando em coisas boas, desejar meu famoso bom dia aos meus fãs, ver como eles estão. Gosto de energia positiva, leve, porque já temos muito problema, muita coisa acontecendo, tudo tão triste. Precisamos ver mais o lado bom de tudo, a felicidade das pequenas coisas.

RuPaul é um exemplo, ela abriu portas para a gente estar onde está hoje; mudou, sim, a percepção, quebrou rótulos e isso é muito importante. Isso fica, sabe

Pabllo Vittar, cantora

Modo Turbo: parceria de Pabllo, Anitta e Luísa Sonza

Quais você considera suas maiores conquistas, tanto em relação à sua própria existência, quanto à de pessoas ao seu redor e à comunidade LGBTQIA+? Você poderia citar um ou mais casos específicos, em que sua postura ativista transformou a vida de pessoas?

Eu acredito que as minhas maiores conquistas foram, com certeza, alcançar espaços que eu nunca imaginei na vida, como o [festival] Coachella, o EMA [MTV Europe Music Awards], apresentações em paradas LGBTQIA+ nos EUA e tantas coisas. Eu acho que ocupar espaços, com sua voz, sua luta, é em si a maior conquista. Junto disso, é a troca de mensagens e conversa com meus fãs, que não precisam ser públicas. O quanto conseguimos nos ajudar em alguns momentos de desafio. É uma troca de energia e suporte que não tem como mensurar.

O que é ser e viver como Pabllo Vittar durante a vigência do governo Bolsonaro?

Não só eu, como todos da comunidade LGTQIA+, sofremos todos os dias com a omissão e o desrespeito desse governo. É um governo para eleitores e não para toda uma nação. Sinto pelo Brasil.

Recentemente, você recebeu o título de "Homem do Ano", o que acabou dando um nó na cabeça de algumas pessoas em relação às concepções sobre gênero e identidade, naquilo que a sociedade entende como "homem" e "mulher". Como você vê tudo isso?

Esse nó é necessário! Não é o seu look, a sua forma de agir, a sua postura que define seu gênero! Tudo isso é uma construção da sociedade e que deve ser quebrada! Eu sou um homem gay, que também é uma drag queen e que se veste, se comporta e se inspira no que ama, muito distante dessa barreira de "menino x menina", pois ela simplesmente não existe.

O fato de você cantar música popular, de grande penetração no Brasil, também serve como uma espécie de "Cavalo de Troia"? De forma que uma cantora de rap, por exemplo, talvez não conseguisse?

Acho que não podemos definir arte dessa maneira! Eu construo a minha arte de uma forma que me representa e isso atingiu um certo público, como muitos outros artistas o fazem. Uma junção de vários fatores e muito trabalho fizeram com que eu "quebrasse" essa barreira e também com que outros artistas superassem outros obstáculos e alcançassem espaços igualmente importantes e necessários.

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