"Impossível discutir Belo Horizonte sem falar de racismo religioso. A partir de 1920, um bispo chamado Antônio dos Santos Cabral começa um projeto de expulsão das irmandades de negros das igrejas católicas, que vão se multiplicar e ocupar as periferias: hoje há em torno de 41 capelas dedicadas à Nossa Senhora do Rosário, sem vínculo com a Arquidiocese.
Essas irmandades ocupavam o antigo Largo do Rosário, no centro da cidade, onde havia também um cemitério. Mas não há nenhuma placa contando isso, ou documento falando se os corpos permaneceram debaixo desse solo sagrado. Isso é uma questão muito séria, porque se eles foram abandonados ali, quem os abandonou foi a própria Igreja Católica. Para onde vou, se eu não sei nem para onde foram os corpos dos meus antepassados?
Só consegui me identificar como negro aos 33 anos, quando me mudei para o Morro do Papagaio, já como padre. Dali, comecei a perceber que há uma forma de organizar a cidade feita para segregar racialmente. Junto a moradores, organizei o Muquifu, o Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, e desse grupo nasceu o NegriCidade, projeto que vai atuar na recuperação dos territórios negros.
Agora estamos com a proposta do reconhecimento do Largo do Rosário como patrimônio. Porque somos formados pensando que nunca habitamos aquele lugar - hoje são apenas 2% de negros vivendo no interior da cidade planejada. Saber que a habitamos teria mudado a minha história. O objetivo então é falar que essa cidade nasceu muito antes de 1897."