Em 5 de novembro, durante a COP26, cerca de 25 mil jovens encheram as ruas de Glasgow, na Escócia, para cobrar dos governantes medidas efetivas contra a crise climática.

A manifestação foi convocada pelo movimento internacional Fridays for Future e, antes de ser encerrada pela fala de sua fundadora, a sueca Greta Thunberg, um dos que tomaram a palavra foi o brasileiro Marcelo Rocha.

Nervoso em falar para tanta gente num idioma estrangeiro, o paulista de Mauá (SP) subiu no palco montado na George Square e discursou, para uma plateia predominantemente branca, sobre como as mudanças climáticas e outros problemas ambientais afetam desproporcionalmente pessoas negras.

Pouco antes de chegar ao palco, um membro local do Fridays for Future bloqueou sua passagem e tentou afastá-lo, enquanto o ativista explicava que estava escalado como o próximo a falar. Rocha identificou a situação como racismo, o que reforçou ainda mais a importância do que tinha a dizer.

Com uma trajetória política que começou cedo, na adolescência, Marcelo é fundador do Instituto Ayika, que atua na intersecção entre raça, clima, gênero e território para democratizar e formular soluções junto aos mais afetados pelas mudanças climáticas, e é ativista no Fridays for Future Brasil.

Sua ligação com a pauta ambiental e climática, segundo ele, teve início antes ainda, bem longe de Mauá e de Glasgow: na barriga de sua mãe, no sertão do Piauí.

Como muitas famílias afetadas pela seca do sertão nordestino - que tem se intensificado ano a ano com a crise do clima -, a de Marcelo também migrou para São Paulo em busca de uma vida melhor, estabelecendo-se em Mauá, cidade na região metropolitana da capital. Na época, o município ainda estava em construção.

"Era uma grande periferia. Não tinha acesso a saneamento básico, saúde pública, vários desses direitos básicos à sobrevivência pelos quais eu trabalho hoje", disse.

Chegando aqui, a família teve contato com o que ele caracteriza como uma outra vulnerabilidade climática, a fome, e com questões ambientais que tinham sua própria complexidade. Foi nesse contexto que ele nasceu, já em São Paulo.

Mauá compreende uma importante área de mananciais, incluindo a nascente do rio Tamanduateí, afluente do Rio Tietê e, ao mesmo tempo, um polo petroquímico com indústrias de petróleo e gás, combustíveis fósseis largamente responsáveis pelas mudanças climáticas.

Enquanto Marcelo crescia, seu pai e irmãos trabalhavam para essas indústrias, como motoristas de caminhão transportando gás GLP. A expectativa era de que o caçula seguisse o mesmo caminho, conseguindo porém um cargo mais alto por ter estudado.

Mas ele já sentia outros interesses despertarem. "Eu sempre busquei uma causa para viver. Boa parte da minha vida foi sintonizar uma causa e entendê-la", disse.

A consciência política, racial e ambiental do jovem negro de Mauá foi sendo formada desde os 14 anos junto aos movimentos de juventude da última década: os protestos contra o aumento das passagens de ônibus em 2012 e o movimento secundarista três anos depois.

"Depois de um tempo, comecei a perceber que tem um espaço político que a gente pode ocupar e uma resposta que a política institucional precisa dar para a população. Se a gente não fizer nada, eles nunca vão dar. O nosso silêncio mantém uma estrutura de poder, uma estrutura branca, de ecocídio. Senti que eu precisava falar", diz.

Ele foi convidado a participar do Conselho Municipal de Juventude de Mauá, criado em 2011. Uma questão fortemente reivindicada pelo conselho foi a construção da Estação de Tratamento de Esgoto de Mauá, que melhoraria a qualidade de vida da população, reduziria o custo do serviço e contribuiria para preservar as águas do Tamanduateí. A ETE foi entregue em 2014.

Em seguida, a reorganização escolar anunciada pelo governo do estado de São Paulo em 2015 afetava Marcelo diretamente. Ele trabalhava e estudava à noite e, com a mudança, sua escola deixaria de oferecer o ciclo noturno, o que dificultaria a conclusão do ensino médio, um sonho de sua mãe. Marcelo era o primeiro da família a ter a oportunidade de terminar a escola.

O jovem participou das ocupações das escolas e, nesse processo, também passou a "se entender como pessoa preta". A experiência de vir pela primeira vez para a capital, conhecer outros ativistas negros e ter acesso a novas discussões fez alguns dos "porquês" que rondavam sua cabeça ganharem uma resposta. Ser seguido no mercado ou tomar um enquadro não era natural, era racismo.

"Eu inventava sobrenome italiano. Tinha vergonha do meu nariz, do meu corpo. Conhecendo mais sobre a história do meu povo, trocando com pessoas que se pareciam comigo e tinham orgulho de ser, isso foi me trazendo uma autoestima outra", disse.

O primeiro contato mais direto com o tema das mudanças climáticas veio quando trabalhava na ONG Ação Educativa, em São Paulo.

A organização começou a acompanhar a movimentação global de jovens pelo clima em 2019, e Marcelo logo pediu autorização para investigar como estava essa mobilização no Brasil, acompanhando grupos como Engajamundo e Fridays for Future, que fazia suas primeiras ações no Brasil.

Com sua experiência, ele não ficou só no lado institucional. Em agosto de 2019, no dia em que o céu de São Paulo escureceu devido à fumaça das queimadas na Amazônia, ele ajudou a chamar um protesto na avenida Paulista que reuniu dezenas de milhares de pessoas.

"Meu corpo faz parte desse processo. É o meu corpo que é mais afetado. Na hora da tragédia, é a gente que morre primeiro. Quando vou entendendo isso, me aprofundando, isso gera o que estão chamando agora de ansiedade climática", disse.

Nessa perspectiva, ele passou a olhar criticamente as propostas de quem atuava no tema e a defender soluções pensadas a partir das periferias e das populações mais afetadas, entre elas a população negra. "A solução que aquela pessoa está propondo me mata no final. E aí?", questionou.

Na intenção de lançar um olhar interseccional para a questão e então criar essas soluções, Marcelo fundou já durante a pandemia de covid-19 o Instituto Ayika. Em agosto de 2021, o instituto promoveu, em parceria com o Fridays for Future e a Prefeitura do Recife, a formação Juventude no Clima. Eram 12 vagas, e eles receberam quase 70 inscritos, número que surpreendeu Marcelo. A cidade está entre as mais ameaçadas do planeta pelo aumento do nível do mar.

A partir dessa formação, nasceram iniciativas como o Lab Imburas e o Fórum Popular de Mudanças Climáticas da Juventude do Recife, focados respectivamente na produção de soluções climáticas para um bairro local e no fortalecimento da educação ambiental. O instituto planeja realizar em breve formações com mais vagas no Recife e em outras cidades.

"Ele é uma pessoa que não se coloca nesse posicionamento de que sabe tudo. Ele compreende as interseccionalidades que cada periferia ou cada espaço tem e não vem querendo discutir e aplicar metodologias da periferia de São Paulo aqui em Recife", disse a Ecoa a cineasta periférica e ativista Yane Mendes, da favela do Totó. "Ele está aberto pra essa troca que valoriza o intelecto de nós, pessoas pretas e nordestinas."

Durante a COP26, o governo do estado de São Paulo também firmou um termo de interesse e cooperação com a instituição para fomentar conteúdo sobre justiça ambiental nas escolas técnicas daqui até 2023. Marcelo enfatiza a importância da iniciativa para garantir o acesso dos egressos de escolas públicas aos empregos verdes.

"A pauta ambiental é relevante no mundo inteiro, só que o Brasil demorou para entender isso. A questão climática está decidindo eleições em vários lugares do mundo", disse.