O ARROZ ORGÂNICO É TUDO DE BOM

Como a plantação de arroz orgânico do Rio Grande do Sul tem ajudado agricultores e o meio ambiente

No município de Charqueadas, a cerca de 50 minutos de carro de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, vive Marinês da Luz Bierhals. A agricultora sustenta os três filhos — e o orgulho — com a plantação de arroz. Não qualquer arroz, mas arroz orgânico.

É um orgulho porque é tudo de bom pra saúde, e a gente fica muito feliz em poder ajudar as pessoas e o meio ambiente porque onde a gente planta tem a reserva florestal também."

Desde que se conhece por gente Marinês trabalha com arroz. Foi com os pais, lá na cidade de Camaquã (RS), quando ainda era criança, que aprendeu como cuidar da lavoura. Ela botava os cavalos atrás das capinadeiras e ia limpando as carriolas de arroz vermelho. Além do arroz, tinha a soja. A plantação não era orgânica, mas deu para Marinês o manejo e uma lição de vida: a importância de ensinar sobre a terra aos filhos.

Marinês, 49, é viúva. Perdeu o marido em um acidente de trabalho. Ela cria uma menina de 9 anos, um menino de 11 e outro filho de 27 anos que dão a ela "força pra ficar tocando a vida no campo". Ter aprendido tudo com os pais, por outro lado, foi fundamental para que não precisasse largar sua terra rumo à cidade por não saber plantar, quando o marido faleceu.

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O que Marinês consegue com a plantação de arroz orgânico dá para viver bem e se alimentar de forma saudável. Isso porque uma parte do lote também é destinada às hortaliças e outros alimentos para a família.

Tô eu e as crianças no lote. A gente planta, produz arroz e vamos vivendo do lote. Claro, as coisas hoje estão difíceis, mas a gente está conseguindo sobreviver."

Assim como a família de Marinês, outras 389 famílias estão vinculadas à produção de arroz orgânico em 10 municípios do Rio Grande do Sul. Ao todo, são 3.700 hectares de plantação. Para se ter uma ideia do tamanho dessa área, os gramados dos estádios do Internacional, o Beira-Rio, e o do Grêmio, a Arena do Grêmio, não correspondem juntos a 0,038% da área destinada ao plantio de arroz orgânico

Desde 2002, essas famílias se organizam por meio do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, que compra a safra produzida pelos agricultores. Dessa compra, o repasse feito é o valor da saca do arroz convencional com um acréscimo de 20% pela qualidade do produto orgânico.

Comparado ao arroz convencional, o arroz orgânico produzido pelas famílias do Rio Grande do Sul também pode chegar mais barato para a população. Em 2020, quem comprou 5 kg do convencional chegou a pagar, em algumas regiões do Brasil, R$ 40. Enquanto isso, na mesma época, 5 kg do arroz orgânico gaúcho saía por R$ 27,50 (vendidos em sacos de 1kg por R$ 5,50).

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O Grupo Gestor do Arroz Agroecológico faz parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

O grupo oferece, às famílias interessadas em produzir o arroz orgânico, uma formação agroecológica. Lá, aprendem sobre as técnicas de cultivo e manejo. "A formação é para que o agricultor saiba como respeitar o meio ambiente", explica Celso Alves Silva, que trabalha com assentamentos agroecológicos do MST desde 2001. "O Grupo Gestor também trata do pós-colheita, como armazenagem, a diferenciação dos tipos de arroz e a comercialização."

Os lotes onde plantam e vivem famílias como a de Marinês e Celso são chamados de assentamentos agrícolas. Um assentamento é um conjunto de unidades agrícolas instaladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) onde originalmente existia um imóvel rural que, apesar de ter um proprietário, não era utilizado de maneira devida conforme prevê a Constituição.

Essa redistribuição de terra, que possibilita que o arroz orgânico sustente mais de 380 famílias, é chamada de reforma agrária.

Meu pai e meus sogros ganharam suas terras em Camaquã do Brizola, quando ele era governador lá"

Marinês da Luz Bierhals, agricultora

A reforma agrária foi uma das bandeiras encampadas pelo político Leonel Brizola quando foi governador do Rio Grande do Sul entre os anos de 1959 e 1963. Para o avanço da reforma agrária em todo o país, nasceu, em 1984, sob o lema "Ocupar, Resistir, Produzir", o MST.

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Há 20 anos surgia a primeira experiência do MST na produção de arroz orgânico. "A produção começou na região metropolitana de Porto Alegre e hoje se espalha por todo o estado do Rio Grande do Sul", conta Celso Silva. A plantação, contudo, passou por uma transição à agroecologia. Antes, era feita de maneira tradicional, o que implicava a utilização de agrotóxicos.

Hoje são comercializados no Brasil 3.231 agrotóxicos. São dois os efeitos desses produtos na saúde humana: agudo e crônico. O efeito agudo ocorre quando a pessoa que estava manipulando a substância se intoxica diretamente. E o efeito crônico são as doenças que podem ser provocadas pela exposição a agrotóxicos por um certo período. Entre elas, o câncer é o principal exemplo.

O arroz orgânico é tudo de bom porque hoje em dia os insumos são todos muito caros. Aqui é bem mais fácil porque não tem que colocar veneno. Se a gente vai comer o arroz daqui, come com tranquilidade porque sabe que não tem agrotóxico"

Marinês da Luz Bierhals, agricultora

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) não diferencia o arroz convencional, que faz uso dos agrotóxicos, do arroz orgânico. Assim, o órgão do governo federal registrou que a safra total 2020/2021 de arroz estimada é de 11,1 milhões de toneladas. Segundo o MST, a sua colheita orgânica da safra de mesmo período é estimada em 12,4 mil toneladas.

Mesmo representando apenas 0,11% de todo o arroz plantado no Brasil, o trabalho foi reconhecido pelo Instituto Riograndense de Arroz (Irga) como a maior produção de arroz orgânico da América Latina.

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Diferentemente da maior parte da agricultura nacional, a produção do MST não visa o lucro. "O Grupo Gestor visa consolidar a cadeia do arroz. A gente quer que o agricultor, sua família e a cooperativa caminhem juntos", comenta Celso. "A gente fica muito satisfeito porque nossos agricultores conseguiram melhorar sua renda com a produção."

Hoje, quem tem e pode sobreviver de lote eu acho que tá muito bem. Na cidade, a pessoa tem que comprar tudo de comida. Até tempero a pessoa compra. E aqui a gente tem todas as coisas e nem nota que tem que comprar. Então, hoje, quem vive no assentamento está muito bem"

Marinês da Luz Bierhals, agricultora

Reportagem Camilla Freitas
Edição de texto e áudio Fred Di Giacomo
Edição geral Fernanda Schimidt
Direção de Arte Gisele Pungan
Design Juliana Caro
Fotos Tiago Giannichini, Maiara Rauber, Julia Rodrigues, Gustavo Marinho, Ernesto Papa, Manuela Martinoya e Gettyimages.