André Trigueiro é jornalista e um dos principais comunicadores sobre meio ambiente na imprensa brasileira. Ele também é professor e criador do curso de jornalismo ambiental na PUC-RJ e editor-chefe do programa Cidades e Soluções.

Quando Trigueiro se tornou âncora do Jornal Nacional em 2020, as notícias não eram boas. A Amazônia teve recordes de desmatamento, e o Pantanal foi consumido por incêndios. Eram cenários já conhecidos do país, mas Trigueiro foi confrontado por uma realidade nova. "A novidade no Brasil é uma política antiambiental", diz em entrevista para Ecoa.

Trigueiro nasceu em 1966 no Rio de Janeiro. Começou a carreira no rádio e foi contratado como repórter para a Rede Globo em 1993. Em 1996, foi escalado como apresentador na estreia da GloboNews. Em 2006, criou o Cidades e Soluções, um dos primeiros a falar sobre sustentabilidade no país. "Hoje é difícil imaginar um chefe de estado, político, empresário ou do terceiro setor que seja contra sustentabilidade", diz.

Nas redes, Trigueiro une ciência e espiritualidade ao receber de católicos a monges budistas na mesma mesa. "Não deveria existir uma separação conceitual [entre espiritualidade e ciência]", pontua.

Em maio, ele também reuniu nomes como Sebastião Salgado e Ricardo Abramovay para discutir o futuro do meio ambiente no país. Não à toa, também retomou o Cidades e Soluções em um momento considerado grave. Afinal, ele quer continuar a propor caminhos para o futuro quando mais se precisa.

Ecoa - Você propôs soluções a vida toda. Mas a pandemia mata 400 mil brasileiros, as florestas estão devastadas. O Brasil ainda tem solução?

André Trigueiro - Sim, evidente que tem. Se não conseguimos vislumbrar um horizonte animador, é porque a comunidade científica, acadêmica e setores importantes estão afastados dos tomadores de decisão a nível federal. Há uma fratura na área do saber, que são áreas que deveriam ser inspiradoras para um governo. É fruto de uma corrente negacionista, e o negacionismo é exatamente isso: um eclipse da razão. Há consequências para a saúde, meio ambiente.

Mas para exatamente o que serve o negacionismo?

O negacionismo ludibria a opinião pública, salteia a realidade e ignora a ciência a favor de um projeto de poder. E há um método, um planejamento. A eleição de Joe Biden nos Estados Unidos deve desidratar essa doutrina e aumentar o isolacionismo do Brasil. Nosso país não se pauta pela ciência, não vê oportunidades de negócio a partir de um desenvolvimento limpo, com baixa pegada de carbono. O meio ambiente deixou de inspirar negócios e estamos produzindo riqueza apenas na perspectiva da destruição sistemática. É um caminho sem sustentação moderna de relações multilaterais em um mundo em guerra contra o aquecimento global a partir do Acordo de Paris. É uma estratégia de alto risco de uma política suicida.

E como fazer para as pessoas acreditarem na calamidade climática?

Nós tratamos as infecções para de alguma forma ajudar o corpo. Há um trabalho sistemático dos veículos de comunicação contra o apagão de dados do governo federal sobre a covid-19, quando os estados deixam de ter a vacina da segunda dose e caminhamos para os 500 mil mortos. De alguma forma, a imprensa apresenta dados e dá todas as letras para o público entender que isso não é obra do acaso, um acidente de percurso. Provavelmente, foi resultado de uma má gestão. É o papel da imprensa.

Dados e argumentos técnicos conseguem vencer o apelo emocional do negacionismo?

Aí estamos falando de uma pessoa que não é aberta ao diálogo e só ouve quem fala o que ela quer. Há nisso um movimento de manada e as redes sociais, com algoritmos que facilitam o acesso a quem tem sintonia com as próprias ideias. No Brasil, há o fracasso do diálogo, e o negacionismo encontra campo para contrapor argumentos e auxilia quem quer transformar a discussão em um debate fundamentalista.

A questão ambiental atravessa indistintamente todas as áreas do conhecimento

André Trigueiro, jornalista e ambientalista

Nas redes, você costuma falar de espiritualidade e ciência. Como as duas se complementam?

A ciência é uma conquista da civilização, mas ela esquartejou o conhecimento em diversas áreas de especialização. Ela propôs quadradinhos, recortes, para dissecar os diferentes saberes. É uma divisão acadêmica que não expressa a realidade da natureza. Na verdade, a gente pode entender o universo como um conjunto de fenômenos interligados, interdependentes, que interagem o tempo todo. Em uma linguagem bem popular e grosseira: tá tudo junto e misturado. Então, não deveria existir uma separação conceitual [entre espiritualidade e ciência].

E qual papel a religião ocupa nesse processo?

A espiritualidade está presente em todos e é a mãe da religião. As religiões tentam explicar o mundo a seu modo a partir de uma visão transcendental, que é o território da espiritualidade. Mas a religião é do homem e aponta caminhos que levam a Deus ou a uma força superior. Cada uma com seu colorido, riqueza e tradição. Tem uma frase atribuída a Francisco de Assis que é muito bonitinha: "A beleza do jardim de Deus está na diversidade das flores". A espiritualidade seria o jardim e cada flor seria uma tradição religiosa.

Foi por isso que você se interessou e se dedicou a estudar a natureza?

Para mim, o meio ambiente não é sinônimo de bichinho na floresta. O meio ambiente está entre a gente e quando falamos dele falamos da nossa própria espécie e das relações que estabelecemos um com outro e com o que nos cerca. Da nossa casa planetária e do que a gente não enxerga nela, como o mundo microscópico e espiritual. Por isso, não imagino que haja uma ciência sem olhar ambiental.

Você passou a comandar o Jornal Nacional em um ano especialmente ruim para o meio ambiente, com incêndios recordes. Qual a sensação de informar sobre uma pauta pela qual você trabalha há anos?

A questão não é o desmatamento ou queimada. Isso já acontece há algum tempo no Brasil. A novidade no Brasil é uma política antiambiental. Essa é uma novidade muito dolorosa. Isso é muito triste e muito instigante. Do ponto de vista jornalístico, é preciso anunciar o absurdo de uma política antiambiental.

Por outro lado, o termo sustentabilidade é muito utilizado por governos, empresas, e parece até uma palavra da moda. Você se dedica há anos ao termo. Qual seria o significado?

Hoje é difícil imaginar que um chefe de estado, político, empresário ou do terceiro setor que seja contra a sustentabilidade. É um valor civilizatório. A sustentabilidade é uma estratégia para elaborar projetos de qualquer tamanho e em qualquer lugar que evite acelerar a destruição e devastação do planeta. Grosso modo, é promover uma cultura, um estilo de vida que sejam compatíveis com a capacidade do planeta. Mentira tem perna curta. Quem se apropria do termo e não o faz na prática hora ou outra será desmascarado.

E o Brasil retrocedeu na fase sustentável?

O Brasil hoje testemunha um desmonte de políticas de Estado que atravessaram os últimos 30 anos e diferentes governos e criou uma política deliberadamente para desmontar e causar um atraso monumental, na gestão pública e na área do meio ambiente. É algo, aliás, criminoso de acordo com artigo 225 da Constituição, que deixa claro que é obrigação do governante proteger o meio ambiente. Se você sabota políticas públicas de Estado, afrouxa legislação, amarra o trabalho dos fiscais, deixa de cobrar multas e dá poder para crimes ambientais como garimpo ilegal e madereiras clandestinas, você dá um sinal péssimo de desrespeito às leis.