O futuro é ancestral

Alok lutou contra a depressão, criou instituto social e achou respostas entre os mais vulneráveis

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo (SP) Mari Righez/Divulgação

Alok é um dos DJs mais ouvidos do mundo, mas o sucesso não acabou com os dilemas e fantasmas que o perseguiam desde a adolescência.

Alok Achkar Peres Petrillo, filho de DJs e nascido em Goiás, adoeceu pela primeira vez com depressão por volta dos 10 anos. A doença ia e voltava, como um gosto amargo e persistente. O gatilho era complexo para a idade, mas envolvia um questionamento fundamental: o que acontece após a morte? O tempo passou, o músico alcançou sucesso, mas a questão e a doença o acompanharam. Quando a depressão chegou ao ápice, ele partiu pelo mundo em busca de respostas.

Quando voltou da jornada, fundou o Instituto Alok, coordenado pelo tio, Devam Bhaskar, para doar a projetos sociais no Brasil e em países como Moçambique e Índia. Ele também se prepara para lançar o primeiro álbum autoral, com participação de músicos indígenas, e um disco com cantos de povos originários. A renda será revertida para os yawanawás e huni kui, no Acre, e para outros povos envolvidos. São iniciativas para retribuir a quem o ensinou as respostas. Só no continente asiático, o Instituto Alok investiu R$ 12 milhões. Outros 25 milhões para o Brasil. Na maior manifestação indígena desde 1988, não à toa, Alok esteve lá para apoiá-los. "Todos estavam conectados ao divino, enquanto eu tinha tudo e não era grato por nada", diz.

Ecoa - Você é artista, não precisaria se envolver com a burocracia e os desafios de um instituto de solidariedade. Por que se envolveu com isso?

Alok - Sempre tive depressão constante em minha vida. Em um momento, tive a maior crise entre todas. Fui induzido a acreditar que sucesso era ter popularidade, ganhos materiais. Mas quando conquistei tudo isso, percebi que não poderia ser o sentido da vida. Fui para a aldeia [Yawanawá], Moçambique, Madagascar e fiz minhas investigações pessoais. Percebi que julgava muito a Deus com uma pergunta: se Ele existia, por que havia tanta miséria? Nessas viagens, vi que o miserável era eu. Todos estavam conectados ao divino, enquanto eu tinha tudo e era grato por nada. Deus não nos abandona, mas nós o abandonamos. Sei que não poderia mudar o mundo, mas o mundo daquelas pessoas que conheci nas viagens, eu podia. Fiz parcerias com produtoras de games e outros parceiros e criei o instituto. Era uma forma de materializar meu sentimento, mas de uma forma orquestrada, inteligente, sofisticada.

Quem o Instituto Alok apoia

  • + 60 linhas de microcrédito

    na Zona da Mata em Pernambuco para pequenos agricultores e negócios rurais

  • Cerca de R$ 12 milhões

    investidos em projetos sociais em Moçambique, Madagascar e Índia

  • Doação de alimentos e recursos

    para o Gastromotiva, projeto para formação de chefs em comunidades no Rio de Janeiro

  • Apoio na implementação do Pretahub

    em Cachoeira, Bahia, espaço para empreendedores negros

  • Investimentos emergenciais

    como doações de usina e cilindros para Manaus durante crise do oxigênio

  • Programação

    Investimento em cursos de formação de programadores

Mari Righez Mari Righez

Como a depressão te afetava?

A depressão pautou e direcionou minha vida, mas é difícil explicar o que é depressão para quem nunca teve. Fica ainda mais difícil entender com a idade em que tive os primeiros sintomas, por volta dos 10, 12 anos. Ninguém entendia. Como explicar? É como explicar como é o gosto amargo sem você ter provado algo amargo. Meu gatilho era a pergunta: o que vem após a morte? Acreditei que o sucesso eram bens materiais, mas sucesso é subjetivo e precisamos ressignificar que ele seja pautado na materialidade. Foi um conflito para entender que a pergunta, na verdade, era outra: por que estamos aqui e qual o sentido da vida?

Assim, as perguntas do meu gatilho me direcionaram a fazer o que eu faço: usar minhas ferramentas para deixar o mundo um pouco melhor. Não só com ajuda financeira, mas com mensagens. Minhas músicas eram globais, em inglês, então criei uma para falar sobre a Cracolândia, com uma mensagem de conscientização, e fomos para o topo das paradas.

Era uma forma de alcançar quem não vê televisão, a quem assiste ao próprio ecossistema. Entrei com a frase: 'cuidado com aquilo que te faz voar e depois tira o seu céu; o que sobra é o inferno'. No final, uma frase [atribuída] ao [psiquiatra austríaco] Viktor Frankl: se você quer desistir da vida por não esperar nada dela, talvez ela espere algo de você. Minha próxima música fala sobre violência contra a mulher. Não será um só um hit, mas um pedido de socorro.

E por que você decidiu conhecer os povos indígenas?

Há 7 anos, conheci a aldeia Yawanawá para me inspirar na sonoridade deles. Foi uma viagem de 13 horas de carro até Cruzeiro do Sul (Acre), 9 horas em uma voadeira e fiquei cerca de 10 dias. Tinha a mentalidade de que havia culturas menos e mais desenvolvidas, como se fôssemos desenvolvidos. Isso não existe. Temos valores e objetivos diferentes, e me senti miserável em vários aspectos. Entendi não só a relação ancestral com a floresta e a música. Eu compunha para as paradas, enquanto os yawanawás faziam músicas com propósito de curar. Tive transformação pessoal e naquela época fiz meus maiores hits. Captei sons deles para um projeto, mas não concluí [um álbum].

No começo do ano, fiz uma consagração da ayahuasca e tive uma mensagem forte para continuar o trabalho. Não é preciso entender o idioma indígena para sentir os cantos. Não sou bom em verbalizar o que sinto, mas nas minhas músicas consigo expressar meus sentimentos. O álbum será "ancestrônico" - ancestral com eletrônico - ou "nature tech", orgânico com tecnológico.

Não falo de carros voadores e neon. Por que o futuro não é um indígena numa canoa, no rio Amazonas, com aparelhos sofisticados? Por que não, à beira do rio, um centro científico integrado à natureza? Não existe nada mais tecnológico que a natureza. Inventamos muito, mas não construímos uma vida, um rio, mar. Esse é o ponto: mudar o imaginário sobre o futuro.

"Os povos indígenas são os grandes guardiões das florestas. Não se trata apenas de Brasil, mas de um patrimônio da humanidade. A sabedoria milenar que eles carregam são guias para proteger a vida do planeta. É preciso estar atento às fontes de informação e não sermos omissos, nem levianos, em relação ao meio ambiente, às tradições milenares, aos povos originários, ao futuro"

Alok, Músico. Sobre participação em maior manifestação indígena em Brasília desde 88, em agosto

Fabiana Fernandes Fabiana Fernandes

Parceria com Brô MC's

Kelvin Peixoto é membro do Brô MC's de Mato Grosso do Sul, um dos primeiros grupos de hip-hop com indígenas no país.

Alok os convidou e também chamou Oz Guarani para seu novo álbum. Eles mal acreditaram quando o telefone tocou para convidá-los e se surpreenderam com a carta-branca de Alok para a composição das letras.

"A letra saía quentinha do forno", diz Kelvin. Os anciões aprovaram. "Nossas rezadeiras botaram fé e falaram que somos representantes delas e, de fato, temos a missão de levar a realidade à luta do nosso povo guarani-kaiowá e guateka", diz o rapper.

Ayahuasca é para todo mundo, mas nem todos são para ayahuasca. Não incentivo ninguém a tomá-la, pois é um trabalho sério e que precisa ser bem orientado. Mas, durante a consagração, fiquei racional e anotei: 'o que é o futuro' o futuro é ancestral'

Alok, DJ

Divulgação

O que a sociedade indígena te apresentou que não usamos em nossa realidade branca?

Quando fui para lá, fiz algumas perguntas: como teria sido o Brasil, se não tivesse sido colonizado por esse olhar europeu de mundo? Eles nem reconhecem o Brasil como Brasil, mas como Pindorama, nome antes dos portugueses.

Refleti muito sobre valores quando dei um presente para um indígena. Seis meses depois, o presente não estava mais com ele: era um instrumento de utilidade coletiva e foi repassado. É importante e necessário que se passe adiante. Quando se vê um indígena em um mercado com fome e as prateleiras cheias sem que ele possa pegar, ele não entende. Pelo menos o olhar da coletividade seria muito mais amplo se tivéssemos sido colonizados sob uma ótica menos capitalista.

Entre eles, refleti várias coisas: foi como estar muito perto de um quadro, que é o mundo onde vivemos, mas só ver um borrão. Lá pude dar uns passos para trás, me distanciar e ver que o quadro tem uma natureza, um céu, uma lua, o sol, as estrelas. A música que fizemos juntos não é descartável. Não é uma música para o hype da indústria da música. Além de ancestral, ela é perpétua.

Sobre o futuro, vivemos um baixo otimismo e falta de perspectiva. Como você nos visualiza como um país no futuro?

Interessante sua pergunta: elas já estavam comigo. O que mudou na sociedade moderna? A juventude brasileira perdeu a perspectiva? Quais são os empregos do futuro? [Alok mostra anotações em um tablet]. Muitos estão com os pais desempregados, passam por dificuldades e a pessoa fala que se sente um lixo. Nessas horas, eu pergunto: quantos anos você tem? E ouço algo como: "tenho 11, 12 anos". Se não agirmos, a geração que sofrerá é a nossa e a do meu filho, não só a próxima.

A gente pode perder muitas coisas, mas quando perde perspectiva... É aquela frase: 'quando você quase morre, você ainda vive. Quando você quase vive, você já morreu'. A gente é criativo, feliz, mas estamos perdidos e precisamos reencontrar esse lugar.

Mas aí, irmão, se não tivéssemos sido colonizados como fomos, talvez seria diferente. A [apresentadora] Gabriela Prioli me chamou atenção para um dado: para ficar entre os 1% mais ricos do Brasil, é preciso ganhar R$ 28 mil, mas mais de cem milhões ganham salário mínimo.

Tento trazer uma perspectiva positiva com minha arte, mas se você perguntar qual a solução para mudar esse cenário, eu perguntaria o mesmo. Por anos, na escola aprendemos que fomos descobertos, mas nós fomos invadidos. Por muito tempo, a gente se pergunta sobre qual mundo iremos deixar para nossos filhos, e não quais filhos iremos deixar para o mundo. Eles precisam dessas informações.

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