Zero plástico

Água em lata e em papelão: nova 'garrafa do futuro' gera corrida sustentável

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo iStock

Beber água em garrafas de plástico vai se tornar coisa do passado. Pelo menos, se depender dos milhões de reais que estão sendo investidos neste momento para substituir a embalagem por alternativas mais sustentáveis. Até agora, são dois candidatos: o alumínio e o papelão. Os novos recipientes ainda têm uma longa batalha contra o plástico, mas já começam a fazer parte da vida dos brasileiros e disputam para ser a "embalagem do futuro".

Em Fernando de Noronha (PE), o plástico é proibido desde 2019, e só garrafas plásticas com mais de 500 ml são liberadas para a venda de água. Na ilha, turistas e moradores encontram água em lata de 310 ml, com gás ou sem gás.

O engenheiro Rodolfo Aureliano, dono de uma distribuidora de bebidas em Noronha, investiu na novidade — que também é testada desde 2020 no Rio de Janeiro. "A lata faz a gente evoluir sobre um problema muito sério do plástico e do microplástico", diz. Ele não está sozinho.

iStock

O plástico é uma invenção recente na história da humanidade. É fácil encontrar pessoas mais velhas que tenham vivido sem ou com menos plástico na infância, mas é difícil ver jovens adultos sem a lembrança de plástico a vida toda. É ainda mais estranho pensar em água vendida em outro recipiente que não as garrafinhas.

Segundo o Atlas do Plástico, o material começou a ser desenvolvido nos anos 1900 e popularizado a partir da década de 1970 por grandes indústrias de bebidas, como a Coca-Cola e a Nestlé, com o argumento de ser uma opção mais prática e segura para manter a água limpa. A Associação Internacional de Água Engarrafada (Ibwa) o chama de "fenômeno consistente".

Nos Estados Unidos, 23% das embalagens de plástico utilizadas são para consumo de água, o que representa a maior fatia do mercado norte-americano. Em 2020, as vendas no varejo de água engarrafada geraram US$ 36 bilhões (cerca de R$ 190 bilhões). O fenômeno é mundial. A China, por exemplo, representa o consumo de um quarto de toda água engarrafada no planeta.

Por aqui, o governo federal estima o consumo de cerca de 25 bilhões de litros de água engarrafada por ano, entre garrafinhas e garrafões. A Abiplast (Associação Brasileira da Indústria de Plástico) diz que o setor de bebidas usou 5% do plástico industrializado em 2018 no Brasil.

É menos se comparado à construção civil (23,1%), a maior consumidora. Mas há uma questão importante: 49,3% do plástico usado para construir dura mais de cinco anos. No ramo de bebidas, 34,8% do plástico é útil por apenas um ano. As garrafas costumam ser enquadradas em outro recorte ainda menos sustentável: o plástico de uso único. Ou seja, consumimos seu conteúdo e jogamos fora.

Um brasileiro produz 52 kg de resíduo plástico todos os anos. Se somados os 212 milhões de brasileiros, é o equivalente a 11 milhões de toneladas, ou 460 mil contêineres cheios de plástico anualmente.

Atlas do Plástico, lançado em 2020

Getty Images Garrafa plástica leva séculos para se degradar no meio ambiente; alternativas buscam soluções mais sustentáveis

Garrafa plástica leva séculos para se degradar no meio ambiente; alternativas buscam soluções mais sustentáveis

É aí que entra a carta na manga do setor de alumínio. De acordo com a Abralatas (Associação dos Fabricantes de Latas de Alumínio), 97,4% das latinhas são recicladas no Brasil. Hoje, uma lata vendida no mercado brasileiro leva cerca de 60 dias para ser reciclada e voltar útil para a prateleira.

Multinacionais como a Novelis e Ball investiram em fábricas para processar ou criar as mais de 29 bilhões de latas consumidas no país anualmente — e com a ajuda de um "exército" de 800 mil catadores, segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis. Nas ruas, o metal jogado virou "ouro": o preço de 1 kg de alumínio é vendido por cerca de R$ 4. O quilo do plástico sai por R$ 1,04.

Tamanha diferença faz com que os números do plástico sejam mais modestos. Hoje, 60% das garrafas PET são recicladas no país, de acordo com o Atlas do Plástico. Mas apenas 145 mil toneladas das 11 milhões de toneladas de todo o plástico no Brasil é reciclado, o que equivale a menos de 2%. Representantes do setor contestam o dado e afirmam que o número seria de 22%, mais próximo ao patamar norte-americano.

As grandes indústrias de bebidas continuam a produzir água em garrafa, mas a reputação do plástico não é boa. Nos últimos anos, cientistas têm chamado atenção para os perigos do microplástico para a saúde dos seres vivos, partículas minúsculas se desprendem dos plásticos que consumimos (de garrafas a roupas) e vão parar na rede esgoto, nos oceanos e até na água que consumimos. Enquanto isso, a cobrança por mais sustentabilidade entre consumidores, investidores e políticos pode abalar as estruturas bilionárias das grandes empresas em um futuro cada vez mais próximo.

A batalha das águas

  • Garrafa de papelão

    Pode ser refrigerada, reutilizada e reciclada. Possui tampa. Ainda não armazena líquidos com gás.

    Imagem: Gabriel Reis/Divulgação
  • Lata de alumínio

    Pode ser refrigerada, reutilizada e reciclada. Armazena líquidos com gás. Ainda não possui tampa.

    Imagem: Divulgação

Em São Paulo, uma empresa aposta na água envasada em caixas de papelão, como as de leite e sucos. A chamada Água na Caixa é vendida há 11 meses e foi criada pelos primos e sócios Fabiana Tchalian e Rodrigo Gedankien após uma viagem para os Estados Unidos, onde há cerca de cinco anos conheceram uma opção parecida. Gedankien trabalhava no setor de petroquímica; Fabiana, em multinacionais de bens de consumo.

A dupla deu uma virada na carreira para a criação da startup ao perceber uma sociedade cada vez mais avessa ao plástico. Deu certo. Em 2020, receberam R$ 3 milhões para estabelecer mil pontos de venda; hoje, estão em 3 mil pontos e em 15 estados por meio de redes de farmácia e mercados.

Gedankien afirma que 82% da embalagem é renovável. Ela é constituída de papel (54%) e plástico de cana-de-açúcar (28%), dois componentes renováveis, e alumínio. Logo, é uma caixa 100% reciclável. Antes da reciclagem, a startup estimula o reúso da embalagem, que possui tampa e pode ser refrigerada.

Gabriel Reis/Divulgação  Os sócios Fabiana Tchalian e Rodrigo Gedankien, sócios-fundadores da startup Água na Caixa; empresa recebeu aporte milionário para disputar contra água engarrafada

Os sócios Fabiana Tchalian e Rodrigo Gedankien, sócios-fundadores da startup Água na Caixa; empresa recebeu aporte milionário para disputar contra água engarrafada

A água na garrafa plástica continua mais barata: em mercados, a embalagem de 500 ml sai por até R$ 2. A Água na Caixa do mesmo tamanho custa cerca de R$ 5, devido aos custos de produção. Para Gedankien, é um preço entre a água de garrafa nacional e a importada. "Não ser sustentável ainda é muito lucrativo", explica. "Mas a meta é tornar simplesmente possível o ato sustentável de tomar água."

O plástico vem de combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural. As PETs, criadas nos anos 1940, são maleáveis, resistentes, não enferrujam, armazenam líquidos com gás, são leves e fonte de receita de petroquímicas.

Presente tanto nas latinhas quanto na opção das embalagens em papelão, o alumínio é extraído da bauxita — é mais caro e está à mercê de países produtores. Em 2021, o metal atingiu a maior alta nos preços em uma década após um golpe de estado em Guiné, grande fornecedor da bauxita.

iStock iStock

Em relação aos "concorrentes" que produzem água em lata, a versão em caixas possui tamanhos maiores (500 ml e 330 ml). Por outro lado, ainda não há versões com gás. A água mineral é captada no município de Pedra Bela, no interior de São Paulo, e a fábrica possui capacidade de envasar de 4 a 5 milhões de caixinhas por mês, segundo Gedankien. "O consumidor quer fazer a parte dele, e estamos dando o poder de escolha", diz o empresário.

Além disso, segundo a professora da Unifesp Danielli Reis, especialista em ligas metálicas, a sua extração consome muita energia elétrica. Por isso, explica, sai mais barato reutilizar o metal que já virou lata em vez de começar o processo do zero. "O alumínio é um metal que vai demorar anos e anos para se degradar na natureza, mas as tecnologias atuais permitem abreviar esse processo em dias e semanas", diz. "Você enterra dinheiro ao enterrar alumínio no aterro."

Fauze Villatoro, VP comercial da Ball na América do Sul, concorda que a reciclagem do alumínio pode contornar os problemas e baratear custos, que, hoje, são altos. "[A lata de alumínio] é 3 a 5 vezes mais cara por unidade. No mercado, é possível encontrar embalagens de plástico por 99 centavos a R$ 1,40, enquanto uma lata pode sair por R$ 3,50 a depender da ocasião e local", diz.

A Ball ainda não tem uma tampa para as águas enlatadas. É preciso correr para agradar o consumidor e clientes poderosos. A concorrência está de olho na tendência. A Ambev também possui água mineral em lata e, em janeiro, Coca-Cola, PepsiCo, Unilever e Nestlé abriram uma cruzada contra o plástico que produzem com o objetivo de redefinir o futuro da embalagem.

+Especiais

Otavio Bertolo/Divulgação

Mãos na terra

Fazendas dão aulas de agricultura para quem quer conexão com a natureza

Ler mais
Secretaria do Verde e do Meio Ambiente/Divulgação

Por mais áreas verdes

A luta pela criação de parques e áreas de lazer ganha força nas periferias de SP

Ler mais
Divulgação

O guru e as árvores

Suíço atrai legião de seguidores após fazer renascer rios e árvores na Bahia

Ler mais
Topo