Durante a transição energética, além de aumentar a geração elétrica renovável e contínua, também é necessário prosseguir com a descarbonização. A crescente demanda por eletricidade para data centers e veículos elétricos, dentre outros, aliada à dependência secular dos combustíveis fósseis, impõem desafios significativos, ambientais, energéticos, e de climatização em residências, indústrias e comércios. Em 2025 surgiram iniciativas envolvendo pesquisadores de USP, UNICAMP, UFRJ, UFPE, UFSC e UnB, bem como de empresas e órgãos governamentais, como o INPO (Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas) do MCTI, interessados em desenvolver no Brasil tecnologias inovadoras que promovam o aumento da oferta de energia despachável e, simultaneamente, a descarbonização. Essas iniciativas incluem o desenvolvimento de tecnologias para geração de eletricidade limpa de base e sistemas de ar-condicionado significativamente mais econômicos. Há mais de uma década, tecnologias que utilizam as águas superficiais e profundas do oceano para gerar eletricidade contínua e limpa, produzir água dessalinizada, bem como reduzir o consumo de energia na climatização de ambientes, já operam no Havaí, nas ilhas de Okinawa e Kumejima do Japão, na Malásia e na Índia, dentre outros países. Essas tecnologias são conhecidas internacionalmente como OTEC ("Ocean Thermal Energy Conversion") e SWAC (Sea Water Air Conditioning). Nas ilhas, tendo em vista o altíssimo custo com o transporte do diesel, a geração de eletricidade empregando OTEC é vantajosa econômica e ambientalmente. Este é o caso de Fernando de Noronha, onde 94% da energia ainda é fornecida por geradores a diesel com potência total de 5 MW. Isso exige o transporte semanal de cerca de 160 mil litros de diesel para a ilha. As usinas OTEC, que produzem eletricidade limpa, renovável e contínua (24/7), são uma alternativa promissora para a transição energética. Substituindo gradualmente a geração diesel e promovendo a descarbonização de Fernando de Noronha. Ato contínuo, a experiência de implantação de OTEC na ilha poderá ser usada para expandir as usinas oceanotérmicas para outras regiões do litoral brasileiro, principalmente entre Salvador e Natal. No oceano equatorial que banha o litoral do Brasil, a temperatura na superfície varia de 25ºC no inverno a até 29ºC no verão. E a temperatura entre 800 e 1000 metros de profundidade é de 5ºC, ou inferior, permanentemente. Esta diferença de temperatura entre a água morna superficial e a fria após 800 m de profundidade, igual ou superior a 20ºC, permite que se gere eletricidade através de um ciclo termodinâmico denominado Rankine Orgânico. No ciclo Rankine tradicional, usado em usinas termoelétricas (UTE) e nucleares para gerar eletricidade, o fluido de trabalho é a água pura, que na pressão de uma atmosfera ferve a 100ºC. Entretanto, como a temperatura da superfície dos oceanos equatoriais atinge no máximo 29ºC, no ciclo Rankine Orgânico, troca-se a água pela amônia, que vaporiza abaixo de 25ºC. Os componentes básicos das usinas OTEC são: os trocadores de calor (evaporador e condensador); as tubulações de água do mar e de amônia; as bombas de amônia, água morna da superfície e água fria das profundezas do oceano; a turbina a vapor de amônia; e o gerador elétrico. Dentre eles, é destaque o tubo que trás a água fria (de até 1000 m de profundidade) para o condensador. Um dos laboratórios mais capacitados do mundo para o desenvolvimento destes tubos é o Lab Oceano da UFRJ. Simulações termodinâmicas realizadas no Laboratório de Ar-Condicionado e Refrigeração (LaAR) da UnB indicam que a substituição de aparelhos convencionais de ar-condicionado por um sistema SWAC pode reduzir o consumo de energia de Fernando de Noronha com climatização de ambientes em 77%, e evitar a emissão de mais de 8 mil toneladas de CO2 por ano. Estudos do LaAR também demonstram que a instalação de uma planta OTEC de 1 MW pode suprir 26% da demanda de eletricidade da ilha e evitar, por ano, a emissão de cerca de 5.800 toneladas de CO2. Em Fernando de Noronha há escassez de água potável. Porém, despressurizando-se a água ainda morna que sai do evaporador de uma usina OTEC híbrida, pode-se produzir água dessalinizada, que em seguida pode ser convertida em potável. A água fria que sai do condensador, que é pura e rica em nutrientes para a vida marinha, pode ser usada na maricultura para produzir alimentos, ou simplesmente ser retornada ao oceano para regeneração da vida marinha. Devido ao desmatamento nas regiões Norte e Centro Oeste, principalmente a partir da década de 70, os reservatórios das nossas Usinas Hidrelétricas (UHE) estão cada vez mais vazios e afetando negativamente a produção das mesmas nos meses de estiagem. Atualmente, apenas 48% de nossa eletricidade vêm de UHE. Este valor, antes do apagão de 2002, chegou a ser de 80%. Nas últimas décadas estamos trocando a energia renovável contínua das UHE pelas intermitentes eólica e fotovoltaica (FV). E isso, complementado pela energia OTEC, será importante para a estabilidade do Sistema Integrado Nacional (SIN). Neste cenário as usinas OTEC, que geram eletricidade limpa continuamente, e a SWAC, que torna possível a redução do gasto de eletricidade com climatização, podem reverter a tendência recente de desestabilização do SIN, por excesso de fontes intermitentes, bem como reduzir a emissão de CO2. Em suma, são tecnologias integrativas com enorme potencial para, efetivamente, mitigarem o aquecimento global. Colaborou Flaminio Levy Neto |