Em função da transição energética em curso e das necessidades prementes de descarbonização, a energia nuclear, em declínio desde 1980, por conta do vazamento em Three Mile Island, nos EUA em 1979, da explosão de Chernobyl, na Ucrânia em 1986, e do acidente em Fukushima, no Japão em 2011, voltou a ter destaque entre as fontes que geram continuamente e não emitem gás carbônico (CO2). A primeira usina a fissão nuclear foi inaugurada no Reino Unido em 1956. Em 1957 entraram em funcionamento reatores nos Estados Unidos e na Alemanha. Atualmente há mais de 400 centrais operando no mundo, fornecendo cerca de 10% da eletricidade do planeta (aproximadamente 4% da energia total mundial). E, apesar de estarem produzindo há quase 70 anos, o problema do lixo radioativo persiste. Diferentemente das fontes solar fotovoltaica (FV) e eólica, que são intermitentes, os reatores nucleares geram eletricidade com potência constante ao longo do ano. No entanto, têm pouca flexibilidade para variações, já que perdem eficiência quando a potência precisa ser ajustada frequentemente. Dessa forma, o fornecimento estável de energia nuclear contrasta com a demanda elétrica, que oscila significativamente ao longo do dia. A energia nuclear é útil para manter uma base mínima de fornecimento contínuo, em combinação com outras modalidades de energia intermitentes ou não. Um fator importante é o custo. O preço do quilowatt-hora da eólica e da FV vem diminuindo significativamente. Já o da energia nuclear está aumentando. No início do século 21, o CNE (Custo Nivelado de Energia, que leva em conta desde o custo da construção das usinas até as despesas operacionais) da nuclear era inferior aos da eólica e FV. Mas houve uma inversão. Atualmente o CNE por unidade de eletricidade nuclear gerada é mais de três vezes maior que o das fontes eólica e FV. Além disso, o risco à saúde está presente já na obtenção do combustível das centrais nucleares. A produção de uma mistura gasosa de alta periculosidade se inicia na mineração e refino do urânio. A partir de sua extração é liberado o radônio 222, gás radioativo que provoca câncer do pulmão. Esse gás, com meia vida de cerca de quatro dias, sofre decaimento após ser produzido, até estabilizar e se transformar em chumbo, um metal pesado nocivo que permanecerá por toda a vida nos pulmões dos que o inalaram. Por segurança, o lixo atômico é colocado em tambores hermeticamente fechados de parede espessa. E parte desses recipientes são alojados no leito marinho. Mas o fundo dos mares e oceanos é um ambiente dinâmico onde ocorrem erupções vulcânicas e terremotos. E um vaso lacrado alojado em uma região oceânica pode se deslocar sem qualquer controle para um outro local e a grande distância do ponto inicial. As varetas de urânio já processadas, com até 4 metros de comprimento, tornam-se altamente radioativas após o uso, contendo elementos como césio-137, estrôncio-90 e iodo-131. Para resfriamento e contenção da radiação, essas varetas são armazenadas em grandes tanques de água próximos às usinas nucleares. Com o tempo, a água se contamina e precisa ser descartada, muitas vezes sendo lançada no solo, com risco de infiltração e contaminação dos lençóis freáticos. Entre os contaminantes, o mais crítico é o plutônio, gerado dentro do próprio reator como subproduto da fissão nuclear. De longa meia-vida e alta toxicidade, ele precisa ser separado cuidadosamente das barras de urânio utilizadas. Como o plutônio tem potencial de uso para armas nucleares, as centrais nucleares exigem vigilância especializada e armada para prevenir sabotagens e ações terroristas. O cenário se torna ainda mais crítico com o surgimento de conflitos armados em países que operam usinas nucleares, como é o caso da guerra entre Rússia e Ucrânia. Nunca a saúde pública global esteve tão ameaçada. E a vida na Terra, sob tamanho risco. Tecnologia nuclear avança com reatores pequenos e mais segurosUma nova tecnologia nuclear ainda em desenvolvimento são os pequenos reatores nucleares modulares (SMRs, na sigla em inglês) que de forma bem simplificada funcionam assim: funde-se um tipo de sal e nele dissolve-se o combustível nuclear. Esse fluido pastoso, contendo o material radioativo, é bombeado para o interior do reator, onde ocorre a liberação de energia. Em caso de acidente e eventual vazamento, o sal fundido, ao entrar em contato com o ambiente externo e esfriar, solidifica-se rapidamente, transformando-se em uma rocha sólida. Esse material é insolúvel em água, não gera gases e só se derrete novamente em temperaturas superiores a 700°C, o que aumenta significativamente a segurança da operação. Energia limpa e contínua sem os perigos da nuclearA questão da geração de CO2 devido à queima dos combustíveis fósseis é crítica nos países de clima temperado nos quais a disponibilidade de outras formas de energia renovável é muito reduzida ou inexistente. Mas este não é o caso do Brasil, onde a principal fonte de base contínua é constituída pela geração hidrelétrica. Aqui a maior produção de CO2 vem dos desmatamentos, das queimadas e da criação de gado. Assim, antes de se decidir pela ameaçadora expansão da energia nuclear, vários fatores têm de ser cuidadosamente analisados. O Brasil é um país privilegiado para produção de energia renovável. Não precisamos correr os riscos da energia nuclear. As energias eólica e FV são bem mais baratas atualmente, renováveis e não geram CO2. Mas são intermitentes. A nuclear gera continuamente e sem produzir CO2. Porém, além de ser cara e necessitar de combustível não renovável, produz lixo mortífero. Das fontes emergentes de energia há uma que é simultaneamente renovável, limpa e contínua. É baseada na tecnologia OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion) que produz água dessalinizada, hidrogênio verde, bem como água marinha rica e de alta pureza para maricultura. Com o crescimento da IA, está previsto que até 2030 os data centers consumam até 21% da eletricidade mundial. Para atender a esta demanda sem colocar em risco a sobrevivência humana, deve-se priorizar as fontes renováveis e evitar as que dependem da exploração de recursos finitos. Colaborou Flaminio Levy Neto, engenheiro mecânico e mestre em Engenharia pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Ph.D. em engenharia, que lecionou no ITA e na UnB (Universidade de Brasília) e já publicou três livros. Foi consultor ad hoc da CAPES e do CNPq. Atualmente atua como ad hoc na FACEPE |