O que é bioeconomia e como ela está presente em nossas vidas?
Bárbara Therrie
Colaboração para Ecoa, de São Paulo
12/01/2025 05h30
Já imaginou usar uma bolsa ou uma camiseta de tecido fabricado a partir de resíduos de alimentos? Ou circular por aí com um par de tênis feito com borracha natural extraída por indígenas e seringueiros da Amazônia?
Da roupa que vestimos aos alimentos que ingerimos, os produtos da bioeconomia já estão presentes em diversos segmentos, como moda, cosméticos, alimentação, construção e fármacos, propondo uma nova forma de produzir e consumir.
"A bioeconomia busca um desenvolvimento que valoriza a conservação da biodiversidade, o bem-estar das comunidades e o uso responsável de recursos naturais", explica Jacques Marcovitch, professor da FEA (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária) e do IRI (Instituto de Relações Internacionais), ambos da USP.
"Isso só é possível por meio de cadeias de valor que fortaleçam a economia local e regional, gerando empregos dignos e dando um acesso equitativo aos benefícios do uso de elementos da natureza e de conhecimentos tradicionais", completa o professor.
Como a bioeconomia difere da economia tradicional?
Na bioeconomia, a relação das pessoas com a natureza tem um papel central e decisivo na dinâmica econômica.
O uso dos bens e recursos disponíveis deve levar em conta não apenas as necessidades de consumidores e produtores, mas também os benefícios locais, coletivos e ambientais, buscando estabelecer uma lógica econômica que seja circular, inclusiva, sustentável e regenerativa.
"A bioeconomia segue o princípio de que a natureza é que protege o homem, e não o homem que protege a natureza", afirma Marcovitch.
Quais as principais atividades relacionadas à bioeconomia?
Algumas das principais atividades da bioeconomia são o manejo sustentável de florestas para extração de insumos diversos (como frutos, borracha, óleos, madeira, pescados, fibras e ativos medicinais), os sistemas agroflorestais, o turismo sustentável.
A Amazônia, por exemplo, abriga diversas cadeias de valor de produtos como açaí, cacau, pirarucu, mel, própolis, pólen e resinas (meliponicultora). Também devem ser consideradas as inúmeras indústrias (alimentos e bebidas, cosméticos, fármacos, roupas, materiais de construção, combustíveis) que processam de forma responsável esses e outros ativos da biodiversidade para transformá-los em produtos.
A bioeconomia abrange ainda o uso de recursos biológicos renováveis, como cana de açúcar, milho, óleos vegetais, resíduos orgânicos, para a produção de energia, ajudando a substituir fontes convencionais, como os combustíveis fósseis.
Qual o papel da bioeconomia na preservação florestal?
A bioeconomia contribui com a preservação gerando valor para a floresta em pé. Ela ajuda a promover cadeias produtivas sustentáveis, criando oportunidades de negócios e de trabalho que têm a conservação florestal como alicerce, estimulando o desenvolvimento local e inibindo o desmatamento. Assim, as atividades da bioeconomia contribuem simultaneamente com a sustentabilidade social, econômica e ambiental, como aponta Jaqueline Ferreira, do Instituto Escolhas.
Um estudo realizado pelo instituto mostra que a recuperação de 5,9 milhões de hectares de florestas no Pará têm o potencial de gerar R$ 13,6 bilhões de receita, criar 1 milhão de empregos diretos e reduzir em 50% o índice de pobreza no estado, combinando preservação florestal e desenvolvimento socioeconômico.
Outro exemplo, segundo Jacques Marcovitch, é a cadeia de cacau nativo da Amazônia, um produto com demanda interna e externa que tem se mostrado promissor devido à sua aplicação na restauração produtiva de áreas degradadas e subutilizadas.
Qual o potencial do Brasil em negócios da bioeconomia?
Detentor de uma das maiores reservas da biodiversidade do planeta, o Brasil tem potencial de se tornar uma liderança global em bioeconomia.
Estudo feito por um conjunto de organizações, incluindo a ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação) e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), estima que o setor pode injetar US$ 358,6 bilhões ao ano na economia brasileira até 2050, reduzindo em mais de 60% nossas emissões. Se incluídos biocombustíveis, o valor chega a quase US$ 600 bilhões.
Nos estados da Amazônia, segundo o Instituto Escolhas, é possível produzir 537 milhões de m3 de biogás por ano e gerar 1,1 TWh de eletricidade, o suficiente para atender 556 mil residências e beneficiar 2,2 milhões de pessoas, além de contribuir com o meio ambiente, saneamento e desenvolvimento da região.
"Tudo isso é possível a partir do aproveitamento de lixo urbano e dos resíduos da piscicultura e da produção da farinha de mandioca, duas importantes atividades da bioeconomia da região", explica Jaqueline Ferreira.
No entanto, o país ainda enfrenta desafios para fortalecer os elos das cadeias de valor. "Na cadeia da castanha, por exemplo, a participação do extrativista no preço pago pelo consumidor final é de apenas 4% a 9%", afirma Jacques Marcovitch.
"É fundamental ter uma melhor distribuição da renda entre os agentes na cadeia produtiva para elevar o nível de bem-estar das comunidades locais e estimular a conservação da floresta", completa o professor.
Fonte: Jacques Marcovitch, professor sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuaria (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI), ambos da Universidade de São Paulo (USP); coordenador do grupo de pesquisa "Bioeconomia da Amazônia: Estudo de cadeias de valor", da mesma instituição, e um dos organizadores do livro "Bioeconomia para quem? Bases para um desenvolvimento sustentável na Amazônia"; e Jaqueline Ferreira, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas