Como sabemos qual era a temperatura da Terra há bilhões de anos?

Ao longo dos seus mais de 4,5 bilhões de anos de história, a Terra já experimentou diversas mudanças climáticas. Houve fases mais quentes e mais frias, em comparação ao que vivemos atualmente. Ou seja, nosso planeta é extremamente dinâmico e nada estável em termos de clima.
Por isso, as atuais alterações climáticas em si não são uma grande surpresa, mas sim como a ação do homem tem contribuído para acelerar essas mudanças, que têm ocorrido de forma muito mais rápida do que aquelas registradas pela Paleoclimatologia, área que estuda o clima no passado.
A seguir, dois estudiosos explicam como eram as condições climáticas da Terra há bilhões de anos e como esses dados ajudam a compreender as mudanças atuais.
Como estimar a temperatura da Terra ao longo da história?
Existem vários métodos à disposição dos cientistas para estimar a temperatura da Terra em períodos distantes. Eles são baseados em diversas matrizes geológicas, isto é, materiais que se acumulam com o tempo e arquivam informações climáticas.
As temperaturas do planeta no passado podem ser estimadas a partir das informações coletadas de sedimentos do fundo do mar, do fundo dos lagos, no gelo que se acumula em altas montanhas ou nos pólos, em rochas que se formam em cavernas (espeleotemas), nos recifes de corais, nos anéis de crescimento de árvores, entre outros.
São aplicadas técnicas específicas, dependendo do tipo de matriz geológica utilizada. Cada tipo de registro tem vantagens e desvantagens, e uma reconstituição que considera diversos registros distintos alcança maior confiabilidade.
Três métodos baseados em sedimentos depositados no fundo do mar merecem destaque, segundo Cristiano Mazur Chiessi, professor associado e coordenador do Laboratório de Paleoceanografia e Paleoclimatologia da USP (Universidade de São Paulo).
O primeiro deles é baseado na assembleia de microrganismos fósseis encontrados nos sedimentos marinhos. Os microrganismos observados são adaptados a temperaturas específicas, e a ocorrência predominante de um ou outro grupo reflete a temperatura da época em que eles viveram.
A segunda técnica está associada à composição química das conchas fósseis microscópicas desses mesmos organismos. A medição da concentração de cálcio e de magnésio nessas conchas ajuda a estimar a temperatura do mar na época em que esses organismos viveram.
O terceiro método é baseado em propriedades de uma molécula orgânica produzida pelo fitoplâncton marinho — estas propriedades também dependem da temperatura na qual o fitoplâncton viveu.
O que são os proxies climáticos?
Proxies climáticos são ferramentas de natureza física, química e/ou biológica aplicadas em materiais geológicos para desvendar, de forma indireta, o clima do passado.
Parâmetros como a temperatura e a precipitação do passado não estão registradas diretamente nos sedimentos marinhos. Estas propriedades se encontram "codificadas", e os proxies climáticos permitem decodificar estas informações climáticas.
Como é feita a análise de bolhas de ar presas no gelo da Antártica?
Quando a neve se acumula ao longo do tempo, o peso dos sedimentos causa uma compactação, transformando-a em gelo. No entanto, alguns espaços resistem e se consolidam entre as camadas, guardando amostras de ar de outros tempos.
"Nesse processo, uma parte do ar é expulsa, mas pequenas bolhas ainda ficam no gelo, preservando uma amostra da atmosfera daquele período", explica Ana Luiza Albuquerque, professora titular do Departamento de Geologia e Geofísica da UFF (Universidade Federal Fluminense).
O gelo acumulado é coletado por meio de uma perfuração que produz diversos cilindros verticais. Os cilindros de gelo são fatiados e cada fatia representa um intervalo de tempo. As fatias são derretidas separadamente, em atmosfera controlada, e os gases presentes nas bolhas são enviados para análise.
Um dos principais parâmetros que se pode analisar nos gases presas no gelo da Antártica é a concentração de dióxido de carbono da atmosfera terrestre, um parâmetro climático de grande relevância.
Quais são as principais limitações ou incertezas desses métodos?
Qualquer análise tem suas limitações ou incertezas. Os métodos de reconstituição das temperaturas da Terra apresentam margem de incerteza de aproximadamente 1°C.
No entanto, quando os cientistas dispõem de muitas informações de um mesmo registro natural ou de registros naturais diferentes para um mesmo período, esta incerteza diminui de forma significativa.
"As limitações das ferramentas de reconstituição das temperaturas da Terra são características de cada método. Por exemplo, o método da assembleia de microrganismos marinhos fósseis só pode ser aplicado com segurança para períodos relativamente recentes, isto é, alguns milhões de anos atrás quando a grande maioria das espécies viventes hoje já estava presente", explica o professor Cristiano, da USP.
Quais foram os períodos mais quentes e mais frios da história da Terra?
Estima-se que na Era Mesozóica, entre 201 e 66 milhões de anos atrás, as concentrações de CO2 na atmosfera podem ter chegado a 2.500 ppm (partes por milhão). Esse período é conhecido como a Era dos Répteis, pois os dinossauros dominavam na Terra, e é considerada uma das fases mais quentes da história do planeta.
Para se ter uma ideia, em 2024 a concentração de CO2 na atmosfera atingiu 427 ppm.
Porém, se considerarmos os últimos 2,6 milhões de anos (intervalo de tempo mais comumente estudado na Paleoclimatologia), o interglacial conhecido como Estágio Isotópico Marinho 11 pode ser considerado a época mais quente. Ocorrido há aproximadamente 410 mil anos, teve uma temperatura média 2°C maior do que o período pré-industrial.
Já o Último Máximo Glacial, ocorrido há cerca de 21 mil anos, registrou temperatura média 6°C menor do que a era pré-industrial, e pode ser considerado o período mais frio dos últimos 2,6 milhões de anos.
"É importante notar que as mudanças climáticas decorrentes da ação humana já nos aproximam perigosamente dos 2°C do Estágio Isotópico Marinho 11, e as emissões atuais de gases de efeito estufa nos levarão a temperaturas substancialmente superiores a 2°C", alerta Cristiano Mazur Chiessi.
Por que o atual aquecimento não pode ser considerado um processo natural?
As causas das elevações substanciais na temperatura do planeta no passado geológico não se encontram mais ativas, explica o professor Cristiano. Por isso, o atual aquecimento não pode ser considerado um processo apenas da natureza, mas sim uma mudança majoritariamente decorrente da ação humana.
"Neste momento, a emissão dos gases de efeito estufa decorrente de ações do homem é a principal causa do aquecimento global", afirma.
Segundo a professora Ana Luiza, diferentemente das alterações climáticas que a Terra já enfrentou, as atuais mudanças são decorrentes da sobreposição entre efeitos naturais com a ação humana.
"A grande questão é que hoje experimentamos mudanças em velocidades muito maiores do que aquelas registradas na Paleoclimatologia", diz a professora.
"Os registros paleoclimáticos mostram mudanças lentas, alterações de temperatura e precipitação de poucos décimos de graus ou milímetros de chuva em centenas ou milhares de anos. Hoje observamos essas mesmas alterações climáticas acontecendo na escala de dezenas de anos, o que dificulta a adaptação das espécies, podendo colocar em riscos a biodiversidade, incluindo a espécie humana e seu contexto socioeconômico", completa ela.
É possível medir o impacto de eventos como erupções vulcânicas no passado?
Sim. De acordo com a professora Ana Luiza, o clima mais quente da Era Mesozóica foi resultante de fatores geológicos, como a fragmentação do supercontinente Pangea.
"A fragmentação de supercontinentes é o principal gerador de CO2 para a atmosfera na escala de dezenas de milhões de anos, em decorrência do vulcanismo associado, produzindo valores mais elevados do que no período geológico atual", diz Ana Luiza.
Segundo ela, uma das consequências é um planeta muito mais quente, uma vez que o CO2 é um dos principais gases do efeito estufa que modulam a temperatura da Terra.
"Além disso, o final da Era Mesozóica também é pontuado pela colisão do grande asteroide que levou à extinção dos dinossauros e, provavelmente, teve um papel no clima desse período", explica a docente da UFF.
Um outro registro mais recente, de acordo com o professor Cristiano, é a erupção do vulcão Toba da Indonésia, ocorrida há aproximadamente 74 mil anos.
No entanto, nesse caso, o impacto da erupção nas temperaturas médias globais foi relativamente pequeno.
Qual é a importância de estudar as temperaturas do planeta?
Estudar as temperaturas e o clima do passado é importante por dois motivos principais.
O primeiro é conhecer o funcionamento do sistema climático terrestre sem qualquer impacto humano, o que nos ajuda a estabelecer paralelos com as atuais mudanças climáticas. Isso é relevante porque o clima interage também com as oscilações naturais para produzir o cenário que vivenciamos hoje.
O segundo é porque cada vez mais a ciência entende que a reconstituição do clima do passado e o conhecimento dos mecanismos que controlaram as mudanças climáticas naturais são fundamentais para melhorar as projeções climáticas do futuro.
Ao longo dos anos, a Paleoclimatologia vem ganhando espaço nas discussões sobre as projeções para o clima do planeta. O primeiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 1990 sequer mencionava a Paleoclimatologia, enquanto o sexto e último relatório, publicado em 2022, cita dados da Paleoclimatologia em praticamente todos os capítulos.
"O impacto das pesquisas paleoclimáticas sobre a crise do clima atual é grande, mas pode ser ainda maior. Essa área de estudo pode contribuir consideravelmente nas discussões sobre os pontos de não retorno relacionados à circulação do Atlântico e a floresta amazônica", afirma Cristiano Chiessi.
Fonte: Cristiano Mazur Chiessi, professor associado e coordenador do Laboratório de Paleoceanografia e Paleoclimatologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo); Ana Luiza Spadano Albuquerque, professora titular do Departamento de Geologia e Geofísica e coordenadora do Laboratório de Paleoceanografia da UFF (Universidade Federal Fluminense)
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