Como escolher a roupa pensando no meio ambiente?

A produção de roupas e tecidos é um processo complexo que envolve várias etapas, desde o cultivo das fibras até a confecção final das peças e o seu descarte adequado. Cada uma dessas fases consome recursos, energia e emite gases do efeito estufa, impactando o meio ambiente. A seguir, entenda por que a maneira como você escolhe o look pode contribuir para a saúde do planeta.
Como a indústria têxtil impacta o meio ambiente?
De maneira geral, isso acontece principalmente de duas formas. A primeira é a falta de gestão dos resíduos gerados em seus processos produtivos, e a segunda está relacionada às poucas opções de uma manufatura reversa, que poderia receber produtos descartados pelos consumidores.
Estima-se que as confecções desperdicem cerca de 15% de todo o tecido na etapa de corte, além das perdas de aviamentos (etiquetas, zíperes, etc), tecidos não aproveitados, coleções não vendidas e até o descarte de peças já sem condições de uso.
Depois, é preciso observar a matéria-prima. Cada material tem um impacto diferente.
O poliéster é produzido a partir do petróleo, fonte não renovável e cujo esgotamento ocorrerá muito em breve. O algodão, por outro lado, demanda um plantio em espaços extensos e um uso considerável de agrotóxicos. E as fibras celulósicas são obtidas de árvores geralmente não-nativas e em um processo que demanda o uso de químicos agressivos.
Somado a isso, o tingimento das peças e a sua lavagem podem poluir rios e o mar. Mesmo para a lavagem domiciliar há impactos, pois as peças compostas de fibras sintéticas liberam microplásticos nesse processo.
No entanto, alguns centros de pesquisa, indústrias, marcas e varejistas têm desenvolvido e implantado soluções que minimizam e zeram parte desses impactos.
Como uma escolha pessoal pode ajudar o meio ambiente?
O consumo sempre afeta o meio ambiente. Assim, escolhas pessoais podem, sim, contribuir para minimizar o impacto no meio ambiente.
Começando pela decisão de investir em uma peça nova. Questione-se se precisa mesmo comprar, pense em criar novos looks com roupas que já tem no armário. Revitalizar calças, blusas, ternos e vestidos antigos também é uma ótima opção.
Precisa mesmo comprar? Vale a pena pesquisar em brechós. Se não encontrar o que necessita nesse tipo de loja, procure em outras, mas sempre com atenção.
Opte por marcas sustentáveis, com transparência e certificações de seus processos e produtos. Escolha peças que têm uma vida útil longa, com matéria-prima e processo produtivo de alta qualidade. Ainda no momento da compra, verifique se o produto tem certificação que permita rastrear e comprovar as informações da etiqueta, evitando cair nas armadilhas do greenwashing.
Pergunte: Do que é feito esse material? Quem fez essa peça? O profissional foi remunerado de forma digna? Tinha condições saudáveis de trabalho?
Por fim, priorize comprar produtos com design circular, ou seja, que foram pensados para, no fim de sua vida útil, serem recuperados e reprocessados para a fabricação de novas roupas.
Quais são os melhores materiais para roupas em termos de sustentabilidade?
O melhor material é aquele que é renovável, reciclado e reciclável. No caso de roupas, devem ser priorizados algodão e fibras celulósicas reciclados.
E melhor evitar tecidos reciclados com adição de poliéster e outras misturas de fibras.
Os tecidos mistos são compostos de fibras distintas, geralmente parte natural e parte sintética, mas em muitos casos com polímeros e fibras artificiais (celulósicas).
Essas fibras possuem comprimentos e outros atributos diferentes entre si, o que gera algumas irregularidades e, por isso, são mais difíceis de reciclar.
E os tecidos 100% poliéster?
Apesar das vantagens do poliéster para determinados usos, por enquanto ele não pode ser reciclado para novas fibras, fios e tecidos no Brasil devido à falta de tecnologia.
"O poliéster é comprovadamente uma fonte de micro e nanoplásticos, que têm impacto significativo sobre a saúde humana e sobre o equilíbrio dos ecossistemas", afirma o gestor ambiental Jonas Lessa, co-fundador da Retalhar, negócio de impacto que presta serviços de reciclagem e reaproveitamento de resíduos têxteis.
Roupas podem ser jogadas no lixo comum?
Não, pois se elas forem contaminadas com sujeira, como restos de comida, por exemplo, a matéria-prima não poderá ser mais reaproveitada.
Um outro ponto é que mesmo as peças produzidas com fibras naturais possuem etiquetas, zíperes e vários aditivos químicos utilizados para agregar propriedades, como cor, textura e outros atributos.
Quando esses materiais entram em contato com o ambiente natural tendem a gerar poluição nos solos, água e ar.
Como funciona a reciclagem de roupas?
A reciclagem mecânica de roupas envolve uma complexa cadeia produtiva reversa. O primeiro passo é a triagem, em que são identificadas as peças cujo tecido principal tem reciclabilidade.
Na sequência, as peças passam pelo processo de beneficiamento, onde são removidos os aviamentos e qualquer outra "impureza", como zíperes, botões, etiquetas, estampas, bordados e até linhas de costura caso sejam de cor ou composição distintas.
Feito isso, o tecido estará pronto para a etapa de refibragem, em que as fibras têxteis são recuperadas. Inicia-se um processo similar à produção convencional com fiação, tecelagem e confecção, embora com maior dificuldade técnica do que aquela existente ao se utilizar matéria-prima virgem.
Quanto de uma roupa é possível reciclar?
A reciclabilidade de um determinado tecido depende da sua composição (tipo de fibra), construção (tecido plano ou malha) e até da cor.
Também depende do que se quer obter com o material reciclado, sendo que o caminho mais restritivo - e ao mesmo tempo ideal do ponto de vista da sustentabilidade - é a produção de novas roupas. Isso porque uma roupa de qualidade precisa cumprir com diversos atributos como conforto térmico e sensorial, aparência, entre outros.
Outros fatores podem interferir, como a quantidade de aviamentos, existência e tamanho da estampa, gramatura do tecido, entre outros.
É importante considerar também o que é economicamente inviável. Por exemplo, se em vez de descosturado um zíper for removido, haverá perda de tecido.
Uma camiseta lisa sem estampa nem bordado 100% algodão poderá ser 99% reciclada (em massa), uma vez que só a etiqueta será removida.
Já uma calça jeans 100% algodão deve ser cerca de 85% reaproveitada, pois geralmente contém diversos aviamentos com peso significativo. E, em uma roupa coberta com strass e lantejoulas, por exemplo, a reciclabilidade pode cair para 0%.
Que produtos podem ser feitos a partir de roupas recicladas?
O tecido reciclado pode ser utilizado para fabricar todo tipo de produto. É possível produzir objetos para casa, como tapetes e mantas entre outros.
Com a utilização de tecnologias adequadas, podem ser fabricados ainda produtos termoplásticos, como vasos, pisos e móveis contendo fibras têxteis.
A técnica do upcycling, que não deve ser confundida com a reciclagem, uma vez que reutiliza o tecido sem alterar suas propriedades, também permite remodelar o tecido original de uma roupa para fabricar outras peças ou acessórios.
Que outras atitudes podemos tomar pensando em sustentabilidade e moda?
Algumas atitudes aumentam a vida útil de um produto e, assim, evitam que novas compras sejam feitas. Vale trocar peças entre familiares e amigos: assim fica a sensação de ter sempre algo novo no armário.
Não gosta mais? Venda a sua roupa em um brechó. Ela pode encontrar um novo dono ou dona que vai evitar consumir uma peça nova. Fazer doações para pessoas que necessitam também é uma recomendação.
Para roupas que não podem ser mais reaproveitadas, a dica é deixá-las em pontos de entrega voluntária específicos, disponíveis nas lojas de marcas e varejistas engajados com a sustentabilidade.
Fonte: Jonas Lessa, gestor ambiental, co-fundador da Retalhar (negócio de impacto que presta serviços de reciclagem e reaproveitamento de resíduos têxteis) e diretor de operações da Plataforma Circular Cotton Move, uma iniciativa colaborativa que oferece serviços e produtos para promover a moda circular, do descarte correto à fabricação de produtos circulares; e Francisca Dantas Mendes, professora doutora da Universidade de São Paulo, coordenadora do Napi Sustexmoda (Núcleo de Apoio a Pesquisa e Inovação Sustentabilidade em Têxtil e Moda), presidente do ISTM (Instituto Sustentabilidade em Têxtil e Moda) e pesquisadora sobre os assuntos relacionados aos impactos negativos causados pela cadeia têxtil e indústria da moda na economia, sociedade e meio ambiente
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