Na periferia de SP, 'moeda literária' muda relação de crianças e livros
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Uma vez ao ano, a Praça do Campo Limpo, na periferia da zona sul de São Paulo, recebe centenas de pessoas que amam e vivem do livro e da literatura. Em 2015, logo na primeira edição, mais de 3 mil pessoas apareceram na Feira Literatura da Zona Sul (FELIZS) e, a cada ano, o público só aumenta.
Quem afirma com todas as letras que o Brasil não faz muito para apaixonar pessoas e histórias nem deve conhecer direito o que os brasis têm feito, a partir de movimentos culturais periféricos como esse.
Montada num espaço público, literalmente no caminho de quem vai e volta para casa, a FELIZS nasceu do coletivo Sarau do Binho uma década atrás para ser um lugar que celebra a palavra escrita e falada a partir das bordas da cidade.
Sua existência e insistência - conseguir recursos para tirar este sonho do papel é sempre uma dificuldade inexplicável a cada edição - é um recado: cidadania cultural é igual feijão com arroz, necessidade básica de toda e qualquer pessoa. Deveria vir na cesta básica, mas ainda não é prioridade nem do debate político. Menos ainda dos seus investimentos.
Uma conta que vale a pena
Durante aquele um dia de encontro tem de tudo: palestras, performances, rodas de conversa e shows musicais. De graça, numa praça pública. Se tem palavra, está na FELIZS. Acontece que, ao longo do tempo, aquela reunião de tantas e tantas pessoas, editoras independentes e de quem escreve, ficou pequena para os sonhos do grupo. E é aí que começa o capítulo que me encanta ainda mais, que fez essa coluna vir ao mundo.
De apenas um dia, a feira foi sendo transformada em um movimento de semanas, espalhadas pela zona sul. Como uma espécie de aquecimento para o evento, ali, na praça, a conversa sobre livro e literatura, sobre a imaginação como direito humano, entrou nas bibliotecas e escolas da região.
A palavra, e tudo que nasce ao seu redor, ganhou o centro das atenções e das atividades de crianças, adolescentes e das juventudes. A FELIZS virou uma jornada, em que o encerramento é o dia em que todas se encontram para celebrar. E, nesse dia, cada criança e adolescente desembarca dos ônibus com suas escolas já com uma moeda literária guardadinha no bolso. As professoras também.

"A gente via as crianças no dia do encerramento, andando pela praça, visitando as barracas das editoras, folheando os livros, mas elas não necessariamente podiam comprar o que estavam vendo", explica Suzi Soares, produtora e curadora da FELIZS. "Foi aí que em 2018, o Binho teve essa ideia de criar uma moeda literária".
Na prática, explica Suzi, cada criança recebe uma moeda que é aceita por todas as pessoas e editoras participantes do encontro. Se a criança gostar de qualquer livro de feira, ela pode levar para casa. É sobre o direito ao acesso ao livro também, mas não é só isso, ela defende. Para Suzi, a moeda é uma ferramenta pedagógica e política.
"A gente acredita que é muito importante que a criança tenha a opção da escolha. Que ela possa ter assegurado o direito de olhar a capa, folhear, conversar com o autor e, a partir disso, entender se vai ou não comprar".
Há anos construindo movimentos como este, que colocam a cultura como direito de todas as pessoas de uma cidade desigual feito São Paulo, Suzi também vê na moeda uma estratégia para estimular a geração de renda.
"E tem a questão da economia criativa, né? De fazer com que a moeda circule e que as editoras possam vender. A gente vai a muitas feiras de livro por aí em que autores e editores ficam ali o dia inteiro e não vendem um livro sequer", observa.
É preciso financiamento (e você pode ajudar)
Suzi destaca que mesmo mobilizando até quinze ônibus com crianças e adolescentes por ano e inúmeras atividades nas escolas da região, a moeda literária enfrenta um desafio comum para quem trabalha com cultura nas periferias e favelas brasileiras: conseguir ser financeiramente viável.
Este ano, mais uma vez, a FELIZS botou no ar uma campanha de financiamento coletivo. Elas precisam de R$ 25 mil para tirar a ideia do papel. Esse é valor o mínimo, só para fazer a ideia rodar dentro da FELIZS. A produtora explica que, neste ano, elas pensaram realmente em desistir.
"Temos muita dificuldade em acessar recursos. Às vezes a gente consegue um apoio num ano, no outro a gente perde. Aí é correr atrás de mais alguém. É uma eterna luta para fazer acontecer", finaliza Suzi.
Tradicionalmente realizada em setembro, o tema de 2025 é "Memória e Resistência - A luta não é pra hoje, é pra sempre" e homenageia Ana Dias, viúva de Santo Dias, operário morto pela Ditadura Militar brasileira.





























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