Tony Marlon

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Opinião

Quantas vezes alguém se recusou a te chamar pelo seu nome?

A artista plástica e escritora Jacira Roque de Oliveira, que fez a sua passagem no fim de junho, costumava dizer que o nome é sempre um escudo. Proteção contra os apagamentos que o mundo traz, recado à vida que vem aí: me percebam assim, meu nome também é quem eu já sou.

Os primeiros contornos de uma pessoa, pode-se dizer, começam com o nome que ela recebe ou escolhe. E é por isso que não é apenas um incidente, mas uma violência grave, que Yaminah não tenha sido chamada Yaminah, durante o seu batismo no Rio de Janeiro, nessa semana.

E é por isso que um nome social não é, "apenas" um direito administrativo, mas existencial. A possibilidade de alguém ser reconhecido nos termos em que se reconhece, de existir inteiro na relação com o outro e o mundo. Algo parecido com isso: quem diz como eu vou ser contada na vida sou eu, ninguém mais.

Marcelle e David, mãe e pai da bebê, relataram que o vigário Wagner Augusto Moraes dos Santos se recusou a repetir o nome de Yaminah durante a celebração do batismo, na frente da família e a comunidade da igreja. Wagner, que substituia o pároco titular, justificou dizendo que o nome da criança é ligado a um culto religioso, o que o impedia de repetir. Segundo o boletim de ocorrência, o religioso teria, inclusive, sugerido chamá-la de Maria durante o ritual, o que foi recusado pelas avós.

Sem conseguir convencer os familiares, Yaminah virou "criança" o tempo todo, como aparece nos vídeos. Os vídeos também mostram Ana Lúcia, uma tia, corrigindo Wagner Augusto, em vão. Em nota, a Arquidiocese do Rio de Janeiro declarou que o batismo de Yaminah foi celebrado corretamente de acordo com o Ritual Romano do Batismo de Crianças. Diogo Ferrari, advogado da família, informou que buscará a justiça. Defende que o que aconteceu é uma violação de liberdade religiosa e de direito à identidade de Yaminah.

No nosso país dos últimos anos, algumas pessoas nomeiam como mimimi tudo que não lhes machuca. É fácil dizer que uma violência não é nada demais, quando não é com a gente ou com quem a gente ama, como é o caso. Nas redes sociais, essas mesmas pessoas apareceram e deram veredito, surpreendendo um total de zero pessoas: tudo isso é um mimimi.

Em dias assim, eu busco fazer sempre o mesmo exercício, que é: se essa pessoa estivesse no lugar de Marcelle e David e sentisse algo que considera desrespeito acontecendo a sua filha ou a seu filho como reagiria?

Se você, que sonhou uma vida inteira em construir uma família e alcançou este momento, estivesse em frente a alguém dizendo que não chamaria seu filho pelo nome que vocês sonharam e planejaram, com tanto carinho e cuidado, como se sentiria? Não lhe parece motivo suficiente para contar aos quatro ventos o que aconteceu, chamar atenção para que isso nunca mais aconteça?

Em tempo: David contou que Yaminah significa justiça, com prosperidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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