O nosso jeito de prestar atenção mudou?
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O doutor em antropologia social Michel Alcoforado explica coisas complexas de um jeito espantosamente acessível. É uma habilidade que admiro profundamente. A "tradução" de conceitos e dos fenômenos do nosso tempo que ele faz me parece ser uma das nossas necessidades mais urgentes.
Em encontro nesta semana, Alcoforado contou que uma pessoa consome em média 34 GB de informação ao longo de apenas um dia. Eu não sei você, mas saí me perguntando como é que a gente aguenta. Na verdade, acho que a frase nem é bem essa, mas sim, quais são os efeitos que ainda nem conhecemos de tanta coisa circulando no nosso pensamento. Porque, convenhamos, algo já mudou dentro da gente. De onde veio esse susto, tem mais.
Num outro momento da conversa, o antropólogo apontou que o conhecimento humano demorava em média um século para dobrar de tamanho em 1900. Após a Segunda Guerra Mundial caiu para apenas 25 anos. Ali pelos idos de 1982 já acontecia em meses. E, em 2020, havia despencado para questão de horas: 12, em média. Se pensarmos o quanto o mundo se transformou rapidamente de lá para cá é perfeitamente aceitável dizer que agora é o quê, questão de minutos? Segundos?
A conversa que o Alcoforado puxou seguiu rumo a um debate sobre o que é atenção nos dias de hoje, um tema que vive pulando no nosso caminho. Ele defendeu que o jeito de existir mudou esse tanto porque as condições de existência mudaram um monte também. É só pensar que até pouco tempo atrás se marcava hora e fazia-se fila num telefone público para conversar com a família, que ficou em outro estado. Hoje, um botão e você assiste a sua sobrinha se formando na pré-escola do outro lado do mundo.
Entre os tantos pontos trazidos pelo Alcoforado, fiquei com dois que sinto que podem ser úteis a você. O primeiro é que o olhar não é mais sinônimo de atenção como já foi um dia. Como exercício, tente se lembrar dos vídeos a que você assistiu naquela rede social lá no começo do dia. Quantos vêm, com clareza, à cabeça? Hoje, atenção é a nossa predisposição a nos conectar, genuinamente, com algo ou alguém. Ou seja, estar em relação.
Sobre o segundo ponto, que me parece o coração de toda a conversa, Alcoforado escreveu assim: "Pelas lentes da cultura, a atenção que o mundo te cobra, você não tem como oferecer".
Se entendi bem, é algo como não fazer sentido esta geração ser cobrada pelo tipo de atenção das gerações anteriores, se o contexto de agora, de produção da vida, é tão diferente.
Concordando ou não, o bom mesmo é acompanhar mais de perto o Michel Alcoforado. No mínimo, você sairá com um punhado de novas indagações. E, em tempo de certezas tão rápidas, faz bem cultivar umas boas perguntas.
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