Tony Marlon

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Opinião

Em três dias, perdemos três personalidades extraordinárias

Em seu "Raízes: as Conquistas das Mulheres no Brasil", a cientista social e educadora Ana Rita Mayer faz um trabalho inspirador. Ela torna pop e acessível a história que a história insiste em deixar para depois. Aquela que, se der tempo, a gente estuda. No país do esquecimento, todo mundo entra na fila. Só que algumas pessoas, sempre, vão primeiro. Não dessa vez.

Entre segunda-feira e quarta-feira, o Brasil perdeu três grandes personalidades da sua história contemporânea. Mulheres que, em algum momento, podem estar ali nos oráculos criados pela Ana para não nos deixar esquecer de quem abre os caminhos. Neide Abati, Vó Tutu e Niède Guidon partiram, uma em cada dia da semana. Se o país está um pouco menos desigual agora, é porque pessoas feito elas estiveram entre nós. E gente feito a Ana nos lembra disso.

Neide Abati nos deixou aos 86 anos, na manhã da segunda-feira (2). Técnica de enfermagem, Dona Neide, como a gente costumava chamá-la, fez muita coisa ao longo da vida — e nenhuma delas foi só para si.

Tudo que construiu, foi com outras pessoas e para elas. Me dizia que a vida é uma experiência coletiva. Uma das idealizadoras da União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências, espaço histórico das periferias da zona sul de São Paulo, Neide também coordenou o CDCM (Centro de Defesa e Convivência da Mulher) "Mulheres Vivas". Agora, imagine quantas vidas foram salvas pela sua coragem e indignação? E boa parte do país ainda não a conhecia.

Na terça (3), a despedida aconteceu com Maria Paulina Avelino Marques da Silva, a essencial Vó Tutu. No auge da pandemia, transformou parte da casa em uma padaria, alimentando com pão e histórias a sua Vila Brasilândia, periferia da zona norte paulistana. Daí, virou organização social entregando cestas básicas, roupas e educação profissionalizante. Chega a distribuir 2 mil pães por dia para quem não tem o mínimo para sustentar a vida.

Niède Guidon nos deixou na quarta (4). Dela até se falava um pouco mais no debate público. Mas, ainda assim, de maneira insuficiente para o tamanho do seu legado. A maior parte dos 92 anos de vida de Niède foram dedicados a entender e explicar quem nós somos e como é que viemos parar aqui.

Reconhecida em todo o mundo, a arqueóloga liderou estudos que são verdadeiros marcos na preservação do patrimônio pré-histórico brasileiro. Para ficar em um exemplo, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, só existe porque mais de 50 anos atrás ela passou a estudar a região. Entre as organizações que ajudou a fundar, estão o Museu do Homem Americano e a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM).

Três mulheres extraordinárias entre tanta gente que ajudou o Brasil a ser o que é. No curso natural da vida, me preocupa o tanto que, como país, ainda celebramos tão pouco essas pessoas enquanto estão vivas. E, quando elas partem, qual é o nosso plano, como nação, para manter a sua memória e legado? É urgente não se esquecer das pessoas certas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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