A política deve ser capaz de falar ao coração, não apenas à razão
O livro "Políticas do encanto: extrema direita e fantasias da conspiração", de Paolo Demuru, poderia ser resumido em uma frase que aparece logo em seu começo, que diz assim:
"Não adianta enfrentar os encantos do extremismo de direita apenas com fatos, dados e raciocínios; se queremos mudar a realidade, precisamos mudar os trilhos da imaginação social, reconquistar a fantasia, inventar e semear histórias, outras histórias. A luta da vez é a luta pela maravilha."
Com um conjunto de pensamentos e algumas ideias de caminho, o Demuru, que é estudioso da semiótica e da linguística, conversa sobre algo muitas vezes subestimado na política contemporânea: o encantamento. Eu sei, parece romântico demais para os nossos tempos. E eu acho justamente o contrário disso. Essa leitura feita por ele, a partir de uma ampla pesquisa, me parece ser crucial para quem busca renovar as formas de luta e ampliar o alcance das causas sociais.
Demuru parte do princípio de que a política não se limita ao debate de ideias racionais ou à disputa por espaços institucionais. Ele aponta para uma dimensão mais sutil e, ao mesmo tempo, poderosa: a capacidade de mobilizar emoções, símbolos e narrativas culturais. É através da performatividade e da estética que movimentos sociais podem não apenas sensibilizar, mas também gerar novas formas de engajamento, especialmente em tempos de descrédito das formas tradicionais de organização política.
O livro foca no papel do encantamento na política contemporânea, mostrando como diferentes grupos, sobretudo os mais à margem, têm usado o simbólico como forma de resistência e construção de identidades. Essas práticas buscam criar uma narrativa própria, ressignificando opressões e propondo novas utopias. Para o campo progressista, essa estratégia é uma oportunidade de reimaginar suas práticas, questionando modelos que, embora históricos, nem sempre se mostram eficazes diante dos desafios atuais.
Um exemplo concreto trazido por Demuru é o uso da cultura popular e da arte como ferramentas. Esses elementos não apenas dão visibilidade às lutas sociais, mas também criam uma plataforma emocional onde diferentes grupos podem se conectar, se reconhecer e se organizar. É nesse ponto que reside a força do encantamento: ele transforma a política em algo que se vive e sente, criando um sentido de pertencimento e ação coletiva.
O campo progressista, que historicamente se baseia na defesa de direitos e na busca por justiça social, pode encontrar em Políticas do Encanto uma reflexão e pistas sobre a necessidade de renovar suas abordagens. Com a descrença crescente e a ascensão de discursos conservadores que exploram bem o emocional, fica nítido que apenas argumentos racionais não serão suficientes para criar mudanças significativas ou mobilizar apoios. A política deve ser capaz de falar ao coração das pessoas, não apenas à sua razão.
Demuru não descarta as tradicionais formas de mobilização, mas sugere que, sem o encantamento, as estratégias de ação política podem perder força em um mundo saturado por informações e desgastado pelo cinismo, distorcido pelas fake news. Ele propõe uma política que recupere a capacidade de inspirar, que traga de volta a imaginação e que, ao mesmo tempo, seja concreta em suas ações no mundo.
Se a política de hoje em dia exige novas formas de resistência, "Políticas do Encanto" apresenta uma via capaz de ampliar o impacto das causas sociais. Ao entender que o simbólico, o performático e o emocional são dimensões fundamentais da ação política, o campo progressista pode reinventar suas práticas e reconquistar uma conexão mais profunda com a sociedade. Anda precisando disso, só observar as eleições municipais e quem as tem vencido na imaginação coletiva.
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