"Escrever é um ato de vingança", diz o autor independente Wesley Barbosa
A Flip é o que acontece dentro da programação oficial, que você pode conferir aqui. Mas também é a incontável gira de coisas que se fazem ao redor dela. Correndo junto. As boas comidas, oferecidas em todo canto. Os artistas de todas as artes se apresentando pelas esquinas. Autoras e autores independentes daqui pra lá buscando a atenção de quem passa, de quem almoça. De quem está tentando se encontrar em meio a tantas coisas ao mesmo tempo. E tem as casas parceiras, que esticam a conversa, as referências e a imaginação do público.
Por exemplo, na Casa da Favela, espaço organizado pela ANF (Agência de Notícias da Favela), houve um encontro poderoso entre o escritor Wesley Barbosa e o ator e, também escritor, Pedro Cardoso. O segundo o Brasil inteiro já conhece, o primeiro o Brasil inteiro precisa conhecer. Enquanto a abertura oficial da Flip acontecia ali perto, celebrando a memória de João do Rio, a Casa da Favela recebia uma grande fila de pessoas para assistir o Pedro lendo trechos de "Viela Ensanguentada", o romance de estreia do Wesley.
"Quando você lê, a voz do autor soa na sua cabeça como a sua voz. Isso é uma espécie de apropriação do sentido que só a literatura consegue fazer. Nada mais é assim. A literatura é algo muito especial", disse, um pouco antes de ganhar risos do público ao dizer que até mesmo "o pior livro do mundo ainda é melhor que um telefone celular". E o engraçado é que é sério.
Um operário da literatura
O Wesley é de Itapecerica da Serra (SP). Em 2019, ele era um desses escritores que andava de atenção em atenção convidando a Flip para a sua literatura, um livro de contos. É preciso acreditar com a alma no que se veio fazer aqui na vida. "Eu vim com uma mochila e uns 300 exemplares. Vendi todos. Isso me deu condições de começar a pensar a literatura como minha principal ocupação", disse o jovem autor em um bate-papo após a intervenção.
Antes de se dedicar integralmente à escrita, Wesley ocupou os trabalhos que existiam ali por perto da sua vida: servente de pedreiro, atendente de supermercado, entregador de jornal e vendedor de água nos semáforos da cidade. Em 2016, publicou seu primeiro livro, escrito entre uma pausa e outra na lan house do bairro. O "Diabo na Mesa dos Fundos" é uma coletânea de contos sobre as pessoas e acontecimentos do seu bairro. Autor independente, ele já vendeu mais de 10 mil exemplares.
"Viela Ensanguentada" é o seu primeiro romance, lançado em 2022. Conta a história de Mariano, um garoto de periferia que gosta de ler e que passa horas nas bibliotecas do bairro. Isso o faz ficar longe o suficiente de uma realidade que o desafia em seus sonhos e perto o suficiente dessa mesma realidade que não o faz esquecer onde está.
"É um livro de esperança e também é uma declaração de amor à literatura", explicou Wesley, quando perguntado se o livro era autobiográfico: "É e não é. Mariano é um monte de jovens espalhados pelas favelas e periferias brasileiras". Uma declaração de amor aos livros e à literatura. Foi essa uma das pontes para o encontro com o Pedro Cardoso, explica Wesley.
O Encontro
"Pedro e eu nos aproximamos por conta do nosso amor à literatura. Em seu "O Livro dos Títulos", ele fala da mesma coisa que o Viela. É um personagem apaixonado por livros. Por caminhos diferentes falamos deste amor e para onde ele nos leva".
Após ler dois trechos do romance de Wesley, Pedro comentou que a publicação merece a nossa melhor atenção. Que tem ali uma crônica sobre os brasis do qual o Brasil insiste em falar pouco, falar menos. Muitas vezes, escolhe nem falar.
"O Wesley é uma pessoa que se salvou dessa tragédia brasileira, podemos dizer assim, pelo hábito da leitura. Com os livros. Isso me interessou e me encantou profundamente", disse o ator e escritor, que também vê no livro uma poderosa ferramenta de ler e inventar o mundo.
Lembrei de uma última coisa dita pelo Wesley, não vamos acabar essa conversa antes de voltar nisso: "Escrever é um ato de vingança. Eu aprendi a ler e logo embarquei nos livros. Desde muito criança eu sabia que precisaria muito deles". Os livros de Wesley Barbosa podem ser conhecidos aqui.
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Nesta edição, são 31 espaços como a Casa da Favela, com atividades ao redor do livro e da literatura, identificados com uma bandeirinha da Flip logo na entrada. O que quer dizer que, além do mundaréu de opções da programação chamada de principal, você ainda conta com uma infinidade de oficinas, rodas de conversa e bate-papo, palestras, performances, shows e tudo mais que for possível existir espalhado por toda a cidade de Paraty. Dica: faça uma agenda prévia dos seus interesses.
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