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Tony Marlon

REPORTAGEM

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Folhas já não eram suficientes, Miró da Muribeca foi poetizar nas estrelas

Miró da Muribeca, poeta cronista - Brenda Alcântara/UOL
Miró da Muribeca, poeta cronista Imagem: Brenda Alcântara/UOL

31/07/2022 13h25

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Comunicamos a todos os amigos, fãs e seguidores, que nosso poeta Miró da Muribeca encantou-se nesta manhã de domingo. E foi assim, um pouco antes das 9 da manhã deste 31 de julho, que o mundo ficou menos interessante, menos mundo. A notícia foi publicada pelo perfil oficial do artista, um dos gigantes da nossa literatura.

Miró - Brenda Alcântara/UOL - Brenda Alcântara/UOL
O poeta Miró da Muribeca
Imagem: Brenda Alcântara/UOL

Nascido da Dona Joaquina e da Muribeca, uma das periferias do Jaboatão dos Guararapes, ele chegou ao mundo primeiro como João Flávio Cordeiro da Silva, o nome de batismo. Na juventude, contou algumas vezes, sonhava em ser jogador de futebol. A palavra como poema aconteceu num esbarrão com a dor e a revolta, em meados dos anos 1980. Foi de uma abordagem violenta da polícia a um grupo de jovens que nasceu "Quatro horas e um minuto". O poema compõe seu livro de estreia "Quem descobriu o azul anil?", de 1985.

De lá para cá, tudo ao redor de Miró virou poema, apesar de ele não necessariamente se compreender assim, um poeta. Se via mais como um cronista das ruas. Foi para elas que sempre escreveu. Em entrevista a Quatro Cinco Um, explicou:

"Quem me lê não precisa ir buscar no [dicionário] Aurélio. O gari, o engenheiro civil, a enfermeira, o dono de bar entendem a minha poesia. Ela está aqui, na tua cara, na tua frente, na avenida". Uma poesia de pés descalços, igual a suas inspirações.

Estive com Miró no lançamento de seu último livro, O céu é no sexto andar, um ano atrás. O corpo frágil, a saúde também. Uma voz falada que quase não escutei, foi preciso chegar mais perto. A voz dos poemas feito sempre foi, um trovão por folha. Naquele momento ainda recuperava da COVID 19, diagnosticado em 2020. Foi uma luta. Escrevi aqui quando se vacinou, aí foi alívio. O Brasil escolhe a quem esquecer, mas os brasis não deixa ninguém para trás.

Desde a passagem de Dona Joaquina, há uma década, o poeta cronista lutava contra o alcoolismo, que vencia um dia por vez. Admitiu, é que o mundo havia ficado grande demais, vazio demais, sem a mãe: "A solidão fez com que eu me esquecesse de mim". E uma coisa levou a outra, a dor tem dessas coisas. Era rodeado de amizades e admirações, eram elas quem o apoiava nos últimos anos. Amor com amor se desenvolve.

João Flávio nasceu na Muribeca, em 1960 e será sepultado às 11 da manhã de amanhã, 1° de agosto. Miró é para sempre.