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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em ano de eleição, filmes para pensar política como exercício de esperança

Imagem de divulgação do documentário "Virando a mesa do poder" - Divulgação/Netflix
Imagem de divulgação do documentário 'Virando a mesa do poder' Imagem: Divulgação/Netflix

12/05/2022 06h00

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No Brasil e no mundo, já tem algum tempo que a política é, em geral, pouco sobre sonho e muito sobre raiva. É só observar as redes sociais. São muitos os discursos e ideias que mais parecem um tratado sobre como trazer de volta um passado de suposta "ordem" perdida de um mundo que avança rápido demais para o futuro. Conversei sobre isso essa semana com uma amiga: lutam contra uma ordem natural das coisas, a do tempo. Mas erram quando dizem que "na minha época" é que a sociedade tinha ordem e valores. O que existia era violência e silenciamento, que hoje ninguém mais aceita calado.

Mas sinto que a política nem sempre foi assim. De tempos em tempos, já que a história é cíclica e anda em rodas, o fazer político convoca a esperança por meio de sonhos: trabalhar menos, trabalhar todos, produzir o necessário e redistribuir tudo, feito li outro dia nas redes sociais. É de quantos em quantos, que surgem vozes capazes de organizar a esperança em volta de novas idéias, não de antigos rancores, de formas ultrapassadas de ser e estar. Sem entrar no mérito do que aconteceu depois, são os casos de dois filmes sobre campanhas políticas emblemáticas: Escolhido pelo Povo e Virando a Mesa do Poder.

O primeiro é uma produção de 2009 da HBO e acompanha a primeira eleição de Barack Obama à Casa Branca. Não é por viralatismo em verde e amarelo, mas por amor a uma política que engaja pelos afetos corretos, a esperança e a emoção, que vira e mexe, quando a realidade já é impraticável, corro para reassistir.

A produção não é sobre o Obama - é mais sobre como a sua figura, naquela altura da história, 2008, conseguiu ser uma novidade capaz de reorganizar a esperança, em especial dos latinos, negros e empobrecidos do país. Especialmente entre os jovens. Do começo da caminhada do então senador, de casa em casa, de bairro em bairro, até o dia da posse, o filme se preocupa muito com o bastidor. Em contar como uma multidão de pessoas se apaixonaram a tal ponto pela possibilidade de um futuro melhor para todo mundo, que largaram seus empregos para se dedicarem voluntariamente à campanha de Obama. Não foi à toa que as palavras que orientaram toda a campanha foram esperança e "sim, nós podemos".

Já o Virando a Mesa do Poder é uma produção recente, de 2019, e pode ser vista na Netflix. Nela, a diretora Rachel Lears acompanha as campanhas de quatro mulheres bem diferentes entre si, mas com um desejo parecido: tornarem-se congressistas numa política institucional estadunidense profundamente masculina, branca e com pessoas de classes sociais mais altas. Você se lembra de algum país da América Latina?

O grande destaque do documentário é, sem dúvidas, a vitória de Alexandria Ocasio-Cortez, que mais tarde tornou-se um fenômeno não somente de redes sociais e de imprensa, mas da própria política dos Estados Unidos. AOC, como é conhecida, se elegeu a partir do bar em que trabalhava como garçonete para apoiar a família, após a morte do pai. Formada em relações internacionais, ela ganhou nas primárias de seu tradicional companheiro de partido (57%), e conquistou surpreendentes (para quem?) 78% nas eleições gerais.

Muitos momentos deste filme são o puro creme da esperança de que a política, no geral, volte a ser sobre utopias, não Fake News. Recentemente convertida em um conto distópico de ódio, frustração e dor, ela tem nos dados motivos diários para o distanciamento. Mas isso é tudo que os maus políticos querem: pessoas longe dos espaços de poder e decisão. A camisa que você decidiu usar hoje é política, tudo é política.

Marcante, a cena de AOC em frente à TV, com dezenas de voluntários, no lugar que trabalhava e recebendo a notícia de que havia vencido, é emocionante por muitos motivos. Em especial, porque esperançar o que parece impossível dá um nó na nossa imaginação, fazendo com que nunca duvidemos do que um pequeno número de pessoas altamente comprometidas pode fazer. Como eram aquelas que acreditaram nela, uma pessoa comum que decidiu que era ela própria a quem sempre esperou.