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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você não sabe que precisa de algo. Até precisar

Uma mayfly ou efemérida pousada em uma vara de pesca - iStock
Uma mayfly ou efemérida pousada em uma vara de pesca Imagem: iStock

11/03/2022 06h00

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Tenho sorte na vida, um dos meus trabalhos é conhecer e conversar com pessoas incríveis. E nesses encontros, nessas trocas, a gente chega um pouco 2022 e sai crescido em duas décadas para dentro de nós. Foi assim outro dia, e eu explico.

O papo era sobre como, em meio a tantos estímulos e distrações, numa pandemia, com o espírito público e solidário em retrocesso pelos cantos do país e uma guerra que nem é guerra, é ataque, a gente consegue manter a curiosidade das muitas juventudes pelo mundo, por coisas a serem aprendidas sobre o mundo. E ao que virá por aí. Pergunta difícil, não tem resposta.

Foram duas horas de palavras que iam e vinham, e nada. Mas as melhores conversas não são as que chegam em algum lugar, mas as que nos colocam em movimento. Nos oferecem um próximo passo, para a cabeça, o coração ou os pés. Então, desembarcamos nessa reflexão aqui.

Com tudo, de conteúdo a aplicativos, sendo cada vez mais desenhados para nos manter, para nos reter, como é que faz para habitar o movimento? Como é que faz para se interessar pelo que eu nem sei para quê vou usar, se será útil algum dia? Qual é a melhor maneira de se encantar pelo desconhecido?

Contei a este grupo sobre as mayflies, também conhecidas como efeméridas em português. Disse que eu nem sabia que existiam, até o domingo que acabou de passar. Encontrei sem querer, perdidas em meio a uma palestra. Fui pesquisar. Como assim eu nunca soube dessa existência?

Eu não faço ideia de como trazer uma mayfly numa conversa cotidiana. Menos ainda saberia falar sobre ela por muito tempo, nos conhecemos tem horas. Mas fiquei ali, quase 15 minutos aprendendo mais, quando descobri: pelo colorido e a forma, chamam atenção das carpas. E por chamar atenção das carpas, algumas pessoas se dedicam a fazer iscas que se pareçam com mayflies.

Perceba, a vida é complexa mesmo. Eu nem as conhecia, capaz que você também não, mas elas já movimentam adultos em vários cantos do mundo, foi que entendi, em busca da carpa perfeita. E para isso, recriavam mayflies de brinquedo.

Disse a este grupo de jovens que eu não faço ideia do porquê de aprender o que aprendo, do porquê de me interessar pelas coisas que me interesso. Do porquê de pesquisar as coisas que pesquiso. Quando vejo, estou lá assistindo a um vídeo de 20 minutos, e é um domingo. Mas respeito as perguntas que brotam em mim a cada novo encontro que tenho, seja ele com pessoas ou conteúdos: mayfly, o que será isso? E são justamente essas as perguntas que me movem, que me empurram para uma curiosidade permanente sobre tudo e todas que estão ao redor.

É que não são as respostas que movem o mundo, como diz o poeta, mas sim as perguntas. Eu poderia passar uma vida inteira sem saber mais sobre a vida das mayflies. Afinal de contas, eu não sou um biólogo. E olhando o meu trabalho hoje, capaz que amanhã eu nem precisasse mesmo saber mais sobre elas para me sair bem de alguma situação. Mas agora eu sei. E saber mais sobre elas me expande, alarga meus horizontes, minhas possibilidades. Aumenta o meu repertório.

Repertório é um carrinho de supermercado que a gente vai carregando pelos corredores, botando coisas lá dentro, que uma hora podemos usar. Mas você e eu sabemos, a gente faz a lista de compras por horas, mas só lembra que precisa de um pote para guardar a metade de uma maçã já comida, quando encontra um pote de guardar a metade de uma maçã já comida. Nem tudo que a gente precisa para manobrar a vida, a gente sabe nomear antes do encontro com ela.

Por isso, e aqui já era o fim do encontro, por isso vocês precisam estar atentas a tudo ao redor, se interessar verdadeiramente pela vida. Pelo que leem, escutam, assistem. Se apaixonar perdidamente, todos os dias, pelos porquês. É sobre eles o caminhar.

Uma história puxa a outra, e as ideias nascem justamente pela ligação que nossa cabeça faz entre essas histórias, entre essas coisas. Quanto mais eu sei saber diferente, mais pensar diferente eu consigo fazer. Você não faz ideia de que precisará de algo, até precisar. Na dúvida, fique com quase tudo que despertar sua atenção pelo caminho. Cultive atenção. Feito eu com as mayflies, que me deram de presente este artigo.