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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

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Imagem: iStock

06/07/2021 06h00

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Quando a Fundação Abrinq nos carregou naquele começo frio de tarde de domingo de 2004 para uma exposição em algum canto no centro de São Paulo, eu pensei que seria melhor ter ido ver o filme do Pelé. O tempo contou que eu estava errado.

O mundo era outro por aqueles dias. Existia algo parecido com uma esperança no ar, uma ideia de que nos meses e anos seguintes as coisas seriam um pouco diferentes para melhor, como de fato foram. Essa história é sobre tudo isso. E sobre uma conversa que tive outro dia, dando uma aula: a gente não sabe que precisa de algo até o dia em que a gente precisa daquilo. Portanto, mantenham-se curiosos e atentas ao mundo ao redor.

Alguns passos antes. Por exemplo, as políticas públicas de acesso ao ensino superior ainda brotavam no país no começo dos anos 2000, por isso, quem apoiava os empobrecidos a entrarem numa faculdade, basicamente, eram as organizações sociais e seus programas de educação. No nosso caso, o Virada de Futuro.

Foi neste contexto de mundo que eu me peguei parado em frente a uma pintura, ou colagem, ou obra de técnica mista, não lembro mais, me perguntando qual seria a utilidade daquilo na minha vida prática. Isso foi há dezessete anos, não esqueço nunca mais. Uma vez ao mês, o projeto reunia bolsistas para um dia de estudos e trocas, terminando sempre com um filme nunca anunciado na TV, uma exposição que acabou de começar, visita a algum lugar de onde não fazia ideia de como voltar. Foi assim por quatro anos e isso mudou tudo em mim.

A vida pede urgência para uma parte de todos e todas nós, daí que não sobra muito espaço para fazer além disso, acontecer. E acontecer já dá muito trabalho, imagine só viver. Viver pressupõe você conseguir superar a gestão das urgências, que em resumo é: economizar o máximo que puder de energia agora, atentar-se a maior quantidade possível de oportunidades neste instante, equilibrando todo o restante por ordem de prioridade; o inadiável hoje, amanhã é outro dia e veremos como faz.

Acontecer é ter que ser reativo aos dias e o que vai aparecendo por eles. Viver é imaginar e criar futuros, individuais e coletivos. Programas como o Virada de Futuro, e outros, moveu um tanto de nós para fora do campo das urgências, dando algum respiro para construirmos projetos de vida e de futuro. Individuais e coletivos. As políticas públicas que se multiplicaram desde então radicalizaram essa esperança, a deixando como hábito e direito de todo mundo. E é isso que explica boa parte do Brasil de hoje. Nem todos os lados gostam que todos os lados tenham com o quê sonhar. E como.

Outro dia, esperando minha vez de falar em um evento, do nada eu soube para quê serviram aqueles domingos de tarde toda entrando e assistindo peças, pulando de cinema e cinema, de minutos infinitos em frente a obras de arte de todo tipo, que tanto insistiam para que fôssemos: experiência de construir atenção, de cultivar sensibilidade e alimentar nossa capacidade de abstrair.

A arte não é sobre ter um sentido, uma utilidade, um uso. Isso era como eu me lembro ter me questionado naquele dia, lá atrás, em frente ao quadro. A arte é sobre construir espaços para o sentir, de qual maneira você é afetada por aquilo que escuta, assiste, toca ou lê. Não é sobre como acabam os personagens do seu livro preferido, por exemplo, mas sobre o que os levou até aquela página final, sobre suas jornadas. E especialmente, é sobre como tudo aquilo te alcançou, te envolveu, te abraçou. Te fez sentir.

É por isso que quando Emicida canta "Mãe" tantas pessoas choram, é só conferir no clipe. E é por isso que a arte, vira e mexe, vira alvo de quem quer o mundo e a sensibilidade em linha reta. produzir, produzir e produzir, é o que dizem.

Porque é ela, a arte, que nos distrai da rotina, que nos leva a imaginar outras possibilidades de ser e estar no momento, pelos dias, na vida toda. É a arte quem nos faz reivindicar a liberdade, saltar a imaginação. É ela, a arte, que tira a neblina dos nossos olhos, e é só por isso que nos mantemos em movimento. Pois quem tem um horizonte, tem tudo.