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Tony Marlon

O que lideranças sociais me contaram sobre 2020

Somos uma sociedade que acha a solidariedade uma coisa bonita, mas chama justiça social de radicalismo - Honório Moreira/Folhapress
Somos uma sociedade que acha a solidariedade uma coisa bonita, mas chama justiça social de radicalismo Imagem: Honório Moreira/Folhapress

12/12/2020 04h00

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Quem tem a possibilidade do acesso a coisas, pessoas e oportunidades, naturaliza conquistas e se irrita fácil quando recebe um não. Em geral, acredita e interpreta o mundo como um direito natural para quem veio de onde ela veio. De pessoas que são parecidas com quem ela é. É tudo sobre mim, imagina. As desigualdades se perpetuam assim. E é assim, também, que as violências nascem, crescem e se reproduzem.

Correndo os meses, fui perguntando a amigos e amigas de todo canto: quando é que você entendeu que tinha muitos privilégios? E uma respondeu, na metade deste ano que não acaba nunca: quando eu descobri que existiam pessoas fazendo perguntas como essa.

Outra me disse que sempre passava pelo centro de São Paulo quando era criança, e pensava que as pessoas em situação de rua estavam ali porque eram preguiçosas da vida ou de trabalhar. Até que um dia escutou a história de uma delas, e soube que as coisas são mais complexas que os nossos julgamentos imaginam.

Quis convidar quem encontrava pelo caminho para a sua casa no mesmo dia, mas aprendeu que não era sobre isso, horas depois. Somos mesmo um pouco assim: uma sociedade que acha a caridade bonita, mas chama a justiça social de radicalismo.

O primeiro ponto é um pouco isso: tomar consciência dos nossos privilégios não serve apenas para termos uma história bonitinha para contarmos por aí. É mais sobre como nos tornamos aliados pela democratização do acesso ao mundo.

Para um pouquinho, descansa um pouquinho

Depois veio o cansaço, a exaustão. Não faltaram pessoas dispostas e se colocando disponíveis para fazer acontecer o que precisava acontecer para que ainda mais pessoas não morressem das mais diferentes mortes em meio ao maior desafio da nossa geração, essa pandemia.

Eram aqueles e aquelas que entregavam cestas básicas, kits de higiene, de autocuidado e primeiros socorros. Gente que não é o Estado, mas chegou primeiro que ele, onde o Estado só chegou três ou quatro meses depois da quarentena. E se chegou.

Não foram poucas as pessoas que mergulharam num cansaço extremo, a ponto de pensar em largar tudo. entende-se: todo o trabalho de proteção social e gestão das urgências feitos Brasil afora.

Estive com algumas dessas pessoas, que me contaram que sentem que descansar um pouco não é uma opção quando se está na linha de frente de trabalhos assim. E foi aí que emendamos: se queremos construir alguma coisa nova depois disso tudo, um novo projeto de país que diminua drasticamente as desigualdades, essas lideranças sociais precisarão chegar do outro lado disso tudo vivas, inclusive emocionalmente.

Não é humano sustentar um estado de atenção e cuidado por quase um ano, não tirando ao menos algumas horas para si, um respiro de tudo. Nosso corpo, coração e a cabeça não suportariam.

É preciso sentir falta do que nos faz inteira

A gente percebe que começa dezembro e seguimos contando as horas para um pouco de pausa com as festas de fim de ano. Não que o mundo pare do lado de fora, mas aparentemente, isso conversando com muitas pessoas por aí, acontece uma espécie de ritual, que fecha o ano. Não é de hoje que muitos amigos e amigas, depois de alguns poucos dias, já passem a brincar nas redes sociais: saudade de umas reuniões para mudarmos as coisas, não é, gente.

Sinto que sentir falta desses momentos é bom. Nós podemos até ser uma mistura entre o que fazemos e quem somos. E pode ser que em momentos como agora nem haja tanta uma diferenciação entre uma coisa e outra. Redes sociais, superexposição e tudo mais. Mas é importante que saibamos sentir falta do que nos faz inteiros, plenas.

Descansar a cabeça, o coração. Passar alguns dias pensando mais sobre a família, aquele tio distante que vai te contar histórias que você vai rir muito. E menos sobre o trabalho, aquele que fazemos todos os dias, o tempo todo.

Assim, na volta de tudo, depois que chegarmos do outro lado de dezembro, já em 2021 que, esperamos, seja bem diferente de agora, a gente possa chegar inteiro e inteiras. Chegar com muita saudade de quem somos quando estamos fazendo aquilo que nos completa, que nos inunda.

Feito a primeira vez que a gente fez aquilo na vida, e sentiu: É isso. É exatamente aqui, e exatamente fazendo isso, que eu sou quem sou.