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Tony Marlon

Por que você deveria ler planos de governo

Tony Marlon

11/09/2020 04h00

Sou capaz de ser feliz investindo por horas na leitura de programas de governo. É o segundo momento que mais me interessa em um processo eleitoral, depois do domingo do voto. Os debates são muito importantes, mas eles têm ficado cada vez mais engessados, cada vez menos debate.

Daí que é o no plano de governo, que todas as candidaturas são obrigadas a apresentar, que deveríamos conseguir ter algum norte prático de para onde as coisas poderão ir ao escolher este ou aquela candidata. Pensando sobre o executivo, neste caso. Na prática, como bem sabemos, a teoria é outra.

Nas eleições de 2018, não me esqueço, três pessoas queridas que, diferentes de mim, estão dentro da política partidária, ao me verem entusiasmada com uma pasta cheia de anotações, pediram que eu esquecesse aquilo tudo. Que na política, o que vale é o que se faz no dia a dia, não o que se diz ou se escreve nestes planos de governo. Estranho, eu achei. E continuo achando.

Primeiro é que se eu não posso confiar num documento oficial, apresentado ao órgão que organiza e regula as eleições, o problema não está comigo em dar importância a ele, mas com quem o escreveu já com a intenção de não cumprir suas ideias ou fazer bem diferente. Isso até cabe em um nome: estelionato eleitoral. Existem movimentos para transformar essa prática em um crime de fato. A conversar.

E segundo é que se uma candidatura dedica tempo, talentos e recursos financeiros próprios para construir algo que não vai fazer, ou ao menos não guiará um trabalho, é bom que a gente desconfie que essa pessoa fará diferente disso quando for o dinheiro dos nossos impostos. Em resumo, não merece meu voto, menos minha confiança.

Obviamente, como disseram estes amigos e amigas na época, a realidade é bem mais complexa que uma folha de sulfite com um amontoado de palavras. Mas, espera-se, que este amontoado de palavras, que não é um amontoado qualquer, nos dê alguma pista para qual horizonte estamos caminhando juntas. Teoricamente, é este horizonte comum que precisaríamos analisar, avaliar e validar ou não com o voto.

Sim, eu ainda acredito numa política que apaixone e engaje as pessoas, não seus ódios.

Vamos a um exemplo. Na última eleição, um dos planos de governo começava dizendo que em sua promessa de futuro, e eu acredito que um plano de governo é sempre uma promessa de futuro, as escolas seriam o centro político para a superação das desigualdades. Por conta do período eleitoral não poderei nomear essa candidatura, mas sigo com o exemplo.

Perceba, a educação é muito importante para mim e para muitos e muitas de nós. Inegável que sem investimento sério em uma educação libertadora, que mova as pessoas a construírem projetos de vida, e não apenas escolherem profissões ou se preparem para empregos, nunca chegaremos ao futuro que nosso país sempre se prometeu.

Então, para mim, e todas as pessoas que acreditam nisso com a vida, ver um plano de governo cuja principal frase é que as escolas serão o centro político para a superação das desigualdades, não é apenas um amontoado de palavras num documento protocolado por uma questão burocrática. É uma visão de mundo. Isso diz muito sobre, a partir de onde, essa pessoa elabora suas ideias e projetos.

Ela deveria despertar em mim, em nós, não apenas um interesse genuíno de leitura para entender como isso se desdobrará nas outras páginas, nas outras áreas como a saúde, a economia, o esporte e o lazer. Sim, no caso que eu trouxe, se desdobrou. Essa frase, ou outra que faça sentido pra você aí do outro lado, deveria nos ajudar a diferenciar quem tem um plano realmente de quem só vai dançar conforme a música depois de ganhar.. Música, aliás, que não é nem você, nem eu, quem irá tocar. Não percamos isso de vista.

Sim, é verdade, nem todos e todas de nós tem paciência, entusiasmo e, especialmente, tempo para ler planos de governo. Não é lá uma Sessão da Tarde aos nove anos, nas férias do Natal. Mas esforçando o coração e a mente pode ser que não seja, também, um siso incômodo aos vinte e dois.

Não é apenas uma questão de hábito, cultura. Nossa vida grita outras urgências, todos os dias. Ainda mais agora. Compartilhei essa história, pois faz dois anos que li essa frase sobre a escola, em meio a tantas outras, e nunca mais esqueci dela e de tudo que veio depois. Fez sentido e me fez sentir.

A frase não me ajudou apenas a pensar o voto, me deu um jeito de caminhar pela vida.