Taxação do livro: o que pensa quem incentiva a leitura na periferia
No país em que 30% da população nunca comprou um livro, e a média de leitura até o fim é de dois por ano, existe o ministro da Economia Paulo Guedes, que defende uma taxação de 12%. A ideia compõe a proposta de reforma tributária que está sendo discutida no Congresso Nacional.
Em resumo, hoje o mercado de livro é protegido pela Constituição, em seu artigo 150, de pagar impostos. A lei 10.865, de 2004, também garantiu ao livro a isenção de Cofins e PIS/Pasep. Estes são mecanismos de barateamento da produção para democratizar o acesso.
Com as mudanças propostas por Guedes, essa isenção acabaria, levando as editoras a precisarem subir seus preços para garantir uma margem de lucro e alguma chance de continuarem existindo num mercado em crise. As livrarias, por sua vez, fariam o mesmo até essa conta chegar em você e em mim. Para se ter uma ideia, o mercado editorial já encolheu 20% desde 2006.
Por trás do raciocínio de Guedes está a ideia de que o livro seja hoje um produto consumido pela elite brasileira que, logo, poderia pagar mais por ele. Daí a ideia de taxar. Sugeriu dar o livro de graça aos empobrecidos, mas não explicou como. De cara, dois erros, entre tantos.
O primeiro é que se o livro é caro, logo, acaba sendo acessado por apenas uma parte da sociedade, o papel do governo não deveria ser naturalizar uma elitização, mas sim, trabalhar para que todos e todas possam ter assegurado o direito a acessá-lo. Poderia fazer isso com políticas de incentivo ao setor, por exemplo. Mas não.
O segundo é que se Guedes conhecesse, de verdade, o país do qual é ministro, criaria um programa de estímulo aos diversos movimentos que impulsionam o livro e a leitura, especialmente nas favelas e periferias. São iniciativas assim, e não necessariamente o Estado brasileiro, que tem tido papel fundamental na melhora dos nossos índices: entre 2011 e 2015, a estimativa de brasileiros e brasileiras que consomem livros saltou de 50% para 56%.
Seja pela lente social, quanto mais leitores e leitoras, mais desenvolvimento humano, seja pela lente econômica, quanto mais leitores e leitoras, mais a economia gira e se fortalece, não tem como pensar uma nação que se pretenda séria criando barreiras de acesso ao livro. Mas, relembrando o Barão de Itararé, de onde menos se espera é de lá mesmo que não vem nada.
A proposta já enfrenta resistência de todos os lados. Ontem, a OAB também emitiu nota questionando a taxação. Apesar de o mercado de livros ser o primeiro a sofrer caso a ideia avance, eu fui atrás de saber o que pensam sobre isso as pessoas que estão na linha de frente do trabalho de estímulo ao livro e a leitura. São elas que, sem nenhum apoio por parte do governo, estão criando clubes e casas de leitura, gráficas e bibliotecas populares e saraus. Todos espaços em que o livro merece reverência, não impostos.
"A literatura nas periferias, para além do letramento e da fruição artística, é um veículo de formação de identidade das pessoas. Qualquer tipo de iniciativa que prejudique o acesso ao livro nos territórios, também prejudica a formação das pessoas. Livro é uma ferramenta de formação política"
Márcio Black
Fundação Tide Setúbal, realizadora do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel Paulista
"O que a gente pode esperar de um governo que não incentiva e não se preocupa com a educação e com a pesquisa? Taxar livros é só mais jeito de mostrarem a sua cara. Por que não vão taxar grandes fortunas? Já lemos pouco no país. A maioria das escolas não têm um profissional capacitado para trabalhar nas bibliotecas, mas já era previsível uma atitude como esta. É triste ver notícias assim"
Suzi Soares
FeliZS - Feira Literária da Zona Sul
"É um absurdo inviabilizar um processo crescente de acesso ao livro e a leitura que temos conseguido nos últimos anos. Aumentar o preço é reforçar o abismo social, um incremento às desigualdades que já estão colocadas neste contexto de pandemia. Os livros deveriam, como muitos alimentos básicos, ter tributação baixíssima para que todos o acessem como um direito"
Bel Santos Mayer
Biblioteca Caminhos da Leitura
"Precisamos brigar para que este tipo de coisa não aconteça, mas paralelo a isso precisamos avançar na implementação e na obtenção de recursos para o Plano Nacional de Leitura e Escrita, por exemplo, que é onde conseguimos fazer um debate mais amplo e efetivar uma política pública para a área. Para quem faz literatura nas quebradas, que sempre fez, não vai ser isso que vai diminuir nosso ímpeto, nossa vontade de levar o livro onde pudermos. Com certeza, um autor ou autora da periferia faz muito mais do que qualquer ministro da educação ou secretário de cultura deste atual governo."
Rodrigo Ciríaco
Educador e escritor, idealizador da Casa Poética, em São Paulo.
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