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Sérgio Luciano

E se todos os nossos sentimentos fossem bem-vindos, como seria a vida?

30/09/2020 04h00

Este final de semana eu estava facilitando uma atividade com o tema "Sentimentos no ambiente de trabalho: e se todos os nossos sentimentos fossem bem-vindos, como seria a vida?" A criação dessa atividade nasceu de meu desconforto recorrente em escutar que certos sentimentos não podem ser expressos em determinados momentos ou lugares, o que leva pessoas a se considerarem inadequadas pelo simples fato de sentir. Resolvi estender um pouco da discussão que tivemos na atividade, aqui pra coluna.

Não há como não sentir

Estava numa reunião com um fornecedor dias atrás. Um projeto importante para minha empresa. Em determinado momento uma pessoa falou algo com o qual eu não concordava, e na real responsabilizava a equipe da qual fazemos parte por uma falha do fornecedor.

Naquele momento, meu coração acelerou um pouco. Percebi minhas mãos se fechando e meus dedos pressionando levemente a palma das mãos. Minhas sobrancelhas se curvaram e minha expressão facial mudou.

Junto desses sinais corporais havia uma voz interna minha dizia: "Meu, que raiva. Fico puto com isso. Como assim é responsabilidade nossa? Esse problema que não foi resolvido é algo crítico, que impacta o planejamento que temos e vamos perder dinheiro e ter retrabalho."

Quer a gente queira, quer não, o impacto já começa a ser sentido no corpo. E, naturalmente, processamos esses impactos também de forma cognitiva. Inclusive, como forma de compreendermos a nossa própria experiência e expressarmos para o outro o que acontece conosco.

Daí expressamos umas para as outras: "Olha, tô com raiva", "Meu, fiquei puto quando fulano fez tal coisa", "Tô preocupado com determinada situação", e por aí vai.

Mas, se não há como não sentir, então por que raios a gente tenta suprimir o que sentimos?

A marginalização de vozes indesejadas

Desde sempre escutei que homem não chora. Que no ambiente de trabalho não há espaço para demonstrar fragilidade. Que pessoas de sucesso são fortes o tempo todo. Pessoas que expressam preocupação só atrasam o lado de quem tá querendo seguir em frente. Certas coisas não merecem nossa preocupação e somos idiotas por nos preocuparmos. Dentre outras verdades absolutas mais.

Num primeiro momento, a marginalização de algumas vozes se manifesta quando nos silenciamos e deixamos de expressar verbalmente os impactos de determinada situação em nós. E, num segundo momento, num julgamento de que somos inadequados por termos determinado sentimento.

Quando não nos permitimos sentir o que sentimos, e não nos sentimos no direito de expressar aquilo que é importante para nós, a probabilidade de também negarmos ao outro essa expressão, é grande.

Aí, imagina que dentro de um ambiente corporativo tem um monte de gente silenciando suas próprias vozes. Consequentemente, sendo reativas quando outras pessoas expressam algo que elas não se sentem a vontade de expressar, criando um espaço castrador e punitivista que cerceia e/ou aprisiosa nosso sentir.

Mas, e se todo mundo se permitisse sentir?

O papel dos sentimentos em nossas vidas

Gosto do que a Comunicação Não Violenta fala sobre sentimentos. Ela traz que sentimentos são indicadores do nível de satisfação de nossas necessidades. Trocando em miúdos, e voltando para o exemplo que dei no início, o fato de eu sentir raiva significa que algo importante pra mim não está sendo cuidado.

Naquela situação, eu não percebia como a sustentabilidade financeira da empresa e a eficiência (que significa ali fazer melhor uso do tempo) estariam cuidadas a partir do retrabalho que teria e atraso na entrega do projeto. E, sem esses dois aspectos sendo cuidados, havia um risco para o bem-estar da empresa e, consequentemente, para o meu próprio bem-estar.

E se eu estivesse feliz com o resultado, seria o mesmo. Talvez porque cuidou para mim da previsibilidade e eficiência que esperava, entregando o resultado no prazo acordado e do jeito esperado. Nesse caso, os sentimentos estariam apontando para necessidades que foram satisfeitas.

Ter esse olhar para os sentimentos tem me ajudado a ser mais acolhedor com eles. Compreender que eles estão ali para me dizer algo importante. E negar a existência desse sentimento acaba por negar a importância de determinada situação pra mim.

Então, tenho percebido que se todos os sentimentos fossem bem-vindos, teríamos mais espaço para compreender o que é mais importante para nós e para as outras pessoas. Humanizaria um pouco mais o ambiente corporativo, sabe?

Há quem pense: - Mas aí viraria um desabafo só, né!

Sentimentos no ambiente organizacional

Eu não estou dizendo que a gente precisa sair gritando pra todo canto que estamos tristes. Mas reconhecer essa tristeza, é o primeiro passo. Claro que toda mudança gera uma série de impactos no contexto onde ela está inserida. Ao mesmo tempo, acho importante ampliar nossa perspectiva.

Tente sair um pouco da caixinha na qual vivemos e responda para você mesmo: - Se todo mundo tivesse espaço para reconhecer e acolher os próprios sentimentos, como cada pessoa lidaria com as expressões de outras pessoas?

Se você acha essa ideia um tanto impossível e utópica, saiba que também o acho. E a beleza das utopias é que elas nos dão uma direção para onde seguir. E muito mais importante que tentar realizá-la em sua plenitude, é caminhar fazendo o que está ao nosso alcance no agora.

Escrevi sobre acolhimento e segurança psicológica tempos atrás, nesse texto aqui. Pra quem acha que isso tudo são vozes da minha cabeça, talvez uma dose de pesquisas científicas e casos de sucesso, pode ajudar.